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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

BENDITO FRUTO

NOTA 6,5

De maneira bem humorada,
longa trata de temas polêmicos
envolvendo representantes do
povão que só querem ser felizes
Entre os anos de 2003 e 2004 o mercado cinematográfico brasileiro passava por um momento expressivamente positivo. Além das bilheterias em ascensão como um todo, os produtos nacionais finalmente conseguiam brigar de igual para igual com os longas norte-americanos por um lugar ao sol, ou melhor, no escurinho do cinema. Cidade de Deus, Carandiru e Olga são alguns dos principais exemplos bem sucedidos desse período. Além de revisitar fatos históricos, nossos profissionais do ramo também aprendiam que a sétima arte em terras tupiniquins podia alçar voos mais altos e arriscaram em produções com estéticas sujas e aparentemente modestas para retratar a violência presente na modernidade, mas que tinham por trás um firme alicerce financeiro e artístico. E aqueles filmes menores que costumam causar burburinhos nos diversos festivais espalhados pelo país e conquistam elogios da crítica especializada, qual a marca que eles deixaram? Pois é, tal qual ainda acontece muitos bons projetos passaram em brancas nuvens tanto nos cinemas quanto nas locadoras e nem mesmo na TV encontraram espaço digno. Esse é o caso de Bendito Fruto, uma comédia com toques dramáticos protagonizada por um grupo de cidadãos suburbanos tipicamente brasileiros envoltos em situações por vezes problemáticas, mas jamais abandonando o bom humor. O longa marca a estreia no campo da ficção do diretor de documentários Sergio Goldenberg e traz uma narrativa que conta com um triângulo amoroso principal e algumas subtramas paralelas, uma estrutura que passa a ideia de um painel social, ainda que pequeno. Edgar (Otávio Augusto) é o dono de um salão de beleza localizado em Botafogo, no Rio de Janeiro, que herdou do pai e vive de certa forma convivendo com a solidão, já que ainda busca uma esposa e nunca teve muito tempo para si mesmo por causa das obrigações de cuidar da mãe doente até sua recente morte. Na verdade, ele até tem uma candidata à vaga de seu coração, Maria (Zezeh Barbosa), com quem mantém um relacionamento às escondidas por ela ser filha da antiga empregada de sua família e também ser negra. Ela levava a situação numa boa fingindo trabalhar de doméstica na casa de Edgar, mas quando seu namorado reencontra por acaso uma antiga amiga dos tempos de escola, Virgínia (Vera Holtz), e percebe que existe um clima romântico entre eles, a moça não quer de jeito nenhum assumir definitivamente o papel de “a outra” e exige que ele a assuma como seu verdadeiro amor.

Esse triângulo amoroso mantém seus vértices estremecidos enquanto está no ar a novela “Primeiro Amor”, o programa de TV preferido de Maria que inesperadamente vai conhecer pessoalmente o galã da trama, Marcelo Monte (Eduardo Moscovis). O filho da doméstica, Anderson (Evandro Machado), retorna ao Brasil após uma temporada na Espanha onde virou um famoso DJ e chega na companhia do protagonista do folhetim. Sua mãe pode não ter muita cultura escolar, mas foi educada pela escola da vida e não demora muito a perceber que os dois são namorados, mas procura compreender as emoções do filho afinal ela mesma vive o amor de uma maneira pouco convencional. Estão apresentados os principais personagens da história criada pelo próprio Goldenberg em parceria com Rosane Lima. Camila Pitanga também está no elenco como Chiquita, uma das manicures do salão de beleza, mas seu papel é bem apagadinho, embora seu final procure plantar a sementinha da conscientização sobre o crescimento da violência. Contudo, tal mensagem é incluída de forma discreta, sem impacto, assim como as aparições da personagem, diga-se de passagem, fazendo um tipo de “periguete” light (na época o termo não era moda). Por fim, Lúcia Alves surge como a balzaquiana Telma, outra manicure que serve praticamente como figurante, só abrindo a boca para fofocas ou vez ou outra uma fala de apoio a alguém. Aliás, é curioso que a atriz (cujo nome não é popular, mas seu rosto conhecido pelos noveleiros) tenha ganhado um prêmio de atriz coadjuvante no Festival de Brasília que também contemplou na categoria de atriz principal Zezeh Barbosa, esta sim uma lembrança merecida. O tímido burburinho que o longa gerou na época de seu lançamento se deve justamente as suas várias menções e indicações a diversas premiações. Os patrocinadores que oferecem tais láureas geralmente se cercam de críticos de cinema linha dura que adoram ver a riqueza e a beleza existente no que comumente é visto como pobre e feio, mas neste caso surgiram alguns comentários questionando que esta produção não é das mais atrativas para tanta pompa, o que leva a crer que talvez o nível das produções cinematográficas nacionais em 2005 apresentava certas deficiências de forma que alguns trabalhos razoáveis tiveram seu status ampliado. A maior parte do público certamente deve concordar com tais fatos, mas é inegável que aqui temos um agradável trabalho que ao mesmo tempo em que diverte também apresenta de forma digna uma contextualização social, tanto que os perfis dos personagens são baseados em pessoas reais. Até mesmo o triste fim de Chiquita tem raízes na realidade da própria jovem que a inspirou.

Por mais que o cinema nacional tenha conquistado seu público de direito, ainda é perceptível o preconceito que existe, principalmente após o boom das comédias de costumes que propositalmente adotam uma estética televisiva e ritmo de especial de TV. Bendito Fruto adota as mesmas características, incluindo o colorido forte impresso pela cenografia e figurinos e a curta duração, mas ainda assim tem um quê diferenciado de outros produtos do gênero, a começar pela premissa inspirada em uma notinha de jornal que o diretor leu a respeito da explosão de um bueiro cuja pesadíssima tampa foi parar em cima de um táxi. Desse inusitado episódio é que surgiu a ideia de dois velhos amigos do tempo de escola se reencontrarem por força do destino (Virgínia surge de dentro do bueiro para espanto de Edgar). Nossa natural repulsa infelizmente acaba fazendo com que qualquer enredo mais simplório seja rotulado como algo desnecessário, neste caso, apenas um fiapo de história para justificar um tour cinematográfico revisitando os cartões postais típicos das novelas da Globo, mas está muito enganado quem pensa assim. Goldenberg timidamente consegue surpreender o espectador com um caldeirão de temas pesados, como escravidão, racismo, homossexualismo e violência, temperados com doses suaves de humor, ainda que para alguns captar os pormenores do cotidiano dos populares soe mais como uma forma de ridicularizar àqueles que deveriam ser homenageados pela obra. Pura bobagem. A leveza deste trabalho veio em momento propício, época em que o público estava saturado de ver tanta pobreza e violência nas telas de forma tão crua e nojenta. Há muito tempo o universo do povão não era tão bem retratado. Quem mora no subúrbio não precisa necessariamente ser criminoso, traficante ou ignorante. Tampouco só existem jovens inconsequentes em tais ambientes. Aqui temos pessoas mais maduras vivendo conflitos pessoais pertinentes até mesmo nas classes mais altas da sociedade, nas quais o preconceito também se mostra das mais variadas formas, assim como a violência. Embora o foco sejam os menos afortunados financeiramente, podemos concluir que ricos e pobres em geral vivem situações semelhantes. A diferença é que quando estão em dificuldades quem tem dinheiro sai para fazer compras ou vai à terapia. Quem não tem grana tenta esquecer os problemas ouvindo um pagode ou correndo ao salão de beleza do qual já é íntimo para desabafar.

Comédia - 89 min - 2005 

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