NOTA 8,5 Comédia britânica traz temática sexual leve aliada a um pano de fundo social e histórico dos anos 90 |
Todos
os anos o Oscar trata de jogar uma luz em cima de diversos títulos e os
cinéfilos de plantão tentam fazer de tudo para conseguir assistir a todos os
concorrentes. O tempo passa e muitos desses filmes continuam povoando o
imaginário dos espectadores fazendo parte de suas listas do que desejam ainda
assistir ou rever, mas algumas produções acabam sendo esquecidas mesmo
colecionando algumas indicações da Academia de Cinema e de outras organizações.
Da safra de premiáveis de 1998, quando certo navio tratou de massacrar a
concorrência tanto nas bilheterias quanto nas festas, Ou Tudo ou Nada envelheceu
sem sorte. Comédia britânica elogiadíssima na época, o longa concorreu a quatro
Oscars, incluindo Melhor Filme, mas seu nome está longe da ponta da língua dos
populares, uma injustiça ao trabalho de estreia do cineasta Peter Cattaneo. A
história se passa em Sheffield localizada no norte da Inglaterra e conhecida
como a cidade do aço devido ao elevado número de empresas do ramo instaladas
por lá. Após uma fase próspera o local está em declínio, fábricas fechando as
portas e muitas pessoas foram pegas de surpresa com suas demissões. Um dos mais
novos desempregados é Gaz (Robert Carlyle) que está desesperado com a iminente
perda da custódia do filho por não ter como sustentá-lo. Seus amigos também se
encontram em situação difícil. Dave (Mark Addy) está com depressão e teme
perder sua esposa; Lomper (Steve Huison) cuida da mãe e tem tendência suicida;
e Gerald (Tom Wilkinson) está desempregado há seis meses e não tem coragem de
contar à mulher. Esse jogo tem tudo para mudar quando Gaz tem uma idéia. Ao
saber do sucesso que um show de strippers masculino está fazendo na cidade ele
decide convencer sua turma a fazer o mesmo para arrancar bons trocados da
mulherada. O problema é que eles não são malhados e belos como os dançarinos
profissionais e precisam então encontrar um diferencial para o show. Juntam-se
à trupe Horse (Paul Barber), que está disposto até a aumentar a sua
“ferramenta” de trabalho para fazer jus ao seu nome, e também Guy (Hugo Speer),
que não sabe dançar, mas possui uma qualidade importantíssima para o
espetáculo.
A
turma de desempregados então começa a ensaiar o show de strip-tease, mas
descobrem que este trabalho não é tão fácil quanto parece. Sem jeito para dança
e sensualidade zero eles tentam procurar empregos comuns e dar a volta por
cima, mas o mercado de trabalho não é animador. Aos poucos eles começam a
perceber que a idéia do show é válida sim e não conseguem resistir a vontade de
arriscar uns passos em qualquer lugar ao ouvirem uma música de sucesso da época
das discotecas. Assim eles voltam a se reunir e passam a ensaiar com afinco e
fazer exercícios físicos. Mesmo assim demoraria muito tempo ou jamais eles
chegariam a ter corpos esculturais e então eles resolvem apostar no “full
monty”, o título original, expressão que significa algo como “a coisa toda”. Se
os bonitões profissionais que seduzem a mulherada terminam o show trajando uma
sunga, ainda que minúscula, o diferencial do grupo recém-formado seria ir até o
fim literalmente concluindo o espetáculo completamente nus. A grande sacada do
roteiro do também estreante Simon Beaufoy é evitar transformar o filme em um
pornô-soft, caminho certo para roteiristas preguiçosos. Ele não explora
explicitamente a sexualidade da idéia, mas se concentra no desenvolvimento de
personagens que conquistam facilmente a audiência simplesmente pelo fato de
serem pessoas comuns tentando ganhar seu dinheiro de forma honesta. Não estão
matando e nem roubando, apenas oferecendo aquilo que a platéia pede: mostrar o
que há debaixo das roupas deles. E não são apenas as mulheres que desejam ver
os corpinhos fora de forma dos desempregados. Sempre tem aqueles amigos-mala
que não vão para prestigiar e sim para tirar sarro. Entre momentos engraçados e
outros mais melancólicos, esta produção se enquadra perfeitamente à
classificação de comédia-cabeça, aquelas em que o humor é mais contido e há
conteúdo de verdade nas engrenagens. Neste caso é colocado em discussão os
efeitos do desemprego, algo ainda extremamente atual e é engraçada a inversão obtida.
Geralmente no cinema quem não tem trabalho envereda pelo lado do crime, mas
aqui as vítimas optam pelo caminho da honestidade, ainda que a atividade que
escolheram não seja bem vista pela sociedade. No filme evitou-se falar sobre as
reações negativas nas ruas mantendo o foco nas barreiras que eles próprios se
impunham para levar a idéia adiante.
Cattaneo
conseguiu reconhecimento instantâneo com este trabalho, mas curiosamente a primeira
vista ele passa longe do que se espera de um trabalho digno de prêmios. Não é
uma reconstituição épica, não exigiu muitas locações e teve um custo
absurdamente pequeno. Aliás, seu sucesso espantoso nas bilheterias mundiais não se deve
apenas as nomeações ao Oscar, pois o longa antes mesmo disso já faturava alto
em terras americanas. Homens mais velhos querendo posar de garotões já renderam
trabalhos bizarros e apelativos e talvez o humor refinado dos ingleses tenha
dado uma injeção de ânimo ao batido tema. Os personagens não são profundamente
delineados, seus dramas pessoais não são explorados com vontade, mas isso acaba
contribuindo para a leveza da obra, porém, isso não significa que temos em
cenas paspalhões fazendo caretas, pelo contrário. Encontramos homens comuns
decepcionados com suas vidas, mas encontrando nesta brincadeira séria um motivo
a mais para serem felizes e esquecerem seus problemas, mesmo que por poucos
minutos em cima do palco. Somos brindados com cenas memoráveis como a seleção do
elenco do espetáculo, a reunião forçada para uma familiarização com o nudismo
em grupo e a dancinha de Tom Wilkinson na fila da agência de emprego ao som de
um hit de Donna Sunner. Todos os personagens aqui têm sua importância e o
espaço de cada um é dividido de forma singular, mas como sempre tem um gordinho
de destaque em comédias aqui não é diferente e Mark Addy chama a atenção com
seu complexo com o físico e a insatisfação da esposa com o casamento. Tratando
de forma metafórica o desemprego, falando sobre a vaidade masculina e ainda
destacando levemente a importância da mulher como arrimo de família na década
de 1990, Ou Tudo ou Nada é uma comédia inteligente que merece ser vista
ou revista nos dias atuais. Se hoje vemos tantas pessoas recorrendo a uma mídia
que exalta o erotismo em troca de dinheiro fácil, o tema do filme vem a calhar.
Nada mais irônico que chegar ao ponto de tirar as roupas para manter a
dignidade. Em tempo: as cenas das tentativas do grupo de entrar em forma em
tempo recorde e diversas de ensaios do show foram rodadas após a primeira
edição. O filme ficou curto demais e exigiu mais algumas sequências, mas em
momento algum o espectador sente a narrativa de forma arrastada. Mais um ponto
a favor desta obra.
Vencedor do Oscar de trilha sonoraComédia - 91 min - 1997
Um filme muito engraçado e cínico ao mesmo tempo. Uma crítica à sociedade atual.
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