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quarta-feira, 13 de maio de 2015

MISTÉRIO NA VILA

NOTA 8,0

Suspense dinamarquês
envolve espectador com trama
que respeita cadência de
emoções e clima melancólico
Produções a respeito de assassinos psicopatas que agem discretamente conseguindo se infiltrar em empresas ou núcleos familiares ou de amizades usando sua simpatia ou inteligência surgem aos montes todos os anos e ajudam a manter a engenharia da indústria de Hollywood funcionando perfeitamente tal quais os filmes protagonizados por seriais killers mascarados também colaboram com generosas quantias de dinheiro. Embora sejam obras com temas repetitivos e que não acrescentam nada aos subgêneros que representam elas geralmente conseguem fazer sucesso no mercado de home vídeo, uma tradição que vem desde os tempos do boom das locadoras e das fitas VHS. E não é só o cinema americano que se beneficia da fórmula dos filmes de vilões canastrões que agem de cara limpa tendo como principal arma a lábia. Outros países também investem em produções do tipo, mas infelizmente quando chegam ao Brasil passam em brancas nuvens. Entre produtos totalmente descartáveis é sempre possível dar uma garimpada nas filmografias estrangeiras e encontrar alguns títulos interessantes e com uma pegada comercial. Como é bom ter a surpresa de assistir a um filme que você esperava uma coisa e de repente ele se revelar muito superior. Esse é o caso do suspense Mistério na Vila, um excelente exemplar da ainda pouco conhecida filmografia da Dinamarca. A produção cinematográfica deste país teve seu grande momento em 1995, época em que surgiu o movimento denominado Dogma 95. O manifesto criado pelos cineastas Lars Von Trier e Thomas Vintenberg, na época ainda não famosos, era uma tentativa de resgatar a essência do cinema, aquele feito em nome da arte e não a favor da sua exploração comercial. Restringindo ao máximo ou até mesmo abolindo o uso de recursos tecnológicos e investindo muito mais em enredos e personagens interessantes, tal movimento experimental gerou longas festejados e outros tantos duramente rejeitados até mesmo pelos críticos. Curiosamente, o que era para causar uma brusca ruptura com o cinema comercial acabou de certa forma gerando um efeito contrário. Hoje em dia ter as mídias originais de títulos marcantes desta fase como, por exemplo, Italiano Para Principiantes, Festa de Família e Os Idiotas, tornaram-se verdadeiros objetos de desejos de muitos cinéfilos, alguns que gastam o que for preciso para adquiri-las já que são raridades.

Exposto o estilo predominante do cinema dinamarquês, ou pelo menos aquele que consegue romper as barreiras do país e chegar a outros territórios, fica mais fácil compreender porque o diretor Jannik Johansen, da comédia E Agora? Roubei um Rembrandt, não construiu um suspense convencional, embora sua obra não seja extremamente crua como podemos perceber pela excepcional fotografia que capta com perfeição a insípida e gelada paisagem do interior da Dinamarca que serve de palco para uma intrigante e envolvente história roteirizada pelo próprio cineasta em pareceria com Anders Thomas Jensen. O título nacional é uma infeliz e genérica escolha. Pode passar a errônea ideia deste thriller ser mais uma batida produção sobre uma pequena cidade do interior assombrada por almas penadas ou por um assassino mascarado, mas seu enredo, apesar de parecer simplório e previsível, é surpreendente, muito por conta do estilo narrativo adotado que respeita a cadência de emoções, a cenografia e locações que impõem um envolvente e ao mesmo tempo desconfortante clima de tensão e aos personagens distantes dos arquétipos que o cinema americano ajudou a propagar mundo afora. Jacob (Nikolaj Lie Kaas) é um rapaz muito preocupado com sua irmã Julie (Lotte Bergstrom), que há alguns anos sofreu um acidente que limitou seus movimentos corporais, prendendo-a a uma cadeira de rodas, e também sua capacidade de raciocinar. O que lhe tira o sono no momento é o repentino casamento dela com Anker (Nicolas Bro), um homem que ela conheceu num bate-papo pela internet. Jacob estranha a rapidez com que o relacionamento caminha, mas mesmo assim apóia a irmã que está muito feliz. Todavia, após a festa de casamento, durante a noite, o inesperado acontece: Julie comete suicídio cortando os próprios pulsos. Como ela já tinha tendência a cometer atos suicidas o caso poderia passar apenas como uma triste ocorrência, mas o irmão da vítima não acredita. Perturbado, ele deixa de lado sua vida pessoal, passa a investigar o passado do recente ex-cunhado e encontra evidências que reforçam suas desconfianças, como um número de celular que não existe e um pequeno recorte de jornal guardado em um livro com a mensagem “obrigado por tudo”, as mesmas palavras publicadas no obituário de Julie. Ao procurar Anker na Vila de Murk, sua terra natal, Jacob se surpreende ao saber que em um curto espaço de tempo ele já está com um novo casamento marcado. Causa mais desconfiança ainda o fato da nova noiva também ser uma deficiente e o encontro ter sido propiciado pela internet. Porém, investigando sobre essas coincidências, Jacob pode estar trilhando um caminho perigoso para ele mesmo.

Livre dos clichês dos suspenses convencionais, ou melhor, escamoteando-os muito bem, esta obra trabalha com um argumento forte e realista, o que instiga ainda mais o espectador. Quase todos os dias a mídia divulga casos de maníacos que cometem atrocidades com pessoas ingênuas que conhecem pela internet. Aqui o enfoque é bem original. Um maníaco que caça deficientes enganando-as com propostas de casamentos usando toda a sua lábia. Como as vítimas já se sentem naturalmente abandonadas e um fardo para a família devido as suas limitações fica fácil levá-las no bico. É como estender uma mão para levantar alguém que tenha caído. Ninguém que se sente acuado recusa. Johansen faz uma introdução das melhores e até toma a corajosa atitude de revelar o tal mistério do título lá pela metade do filme. É certo que é impossível imaginar que alguém até então já não tivesse o descoberto desde os primeiros minutos, mas o roteiro ainda consegue alinhavar certas situações que podem gerar dúvidas e prender a atenção. Desse momento em diante, a responsabilidade do interesse da fita fica por conta das excelentes atuações dos protagonistas. O “herói” é totalmente crível, um homem inconformado e indeciso, enquanto o “vilão” consegue manter até o fim sua aparência de pessoa do bem e ingênua que esconde um ser cruel e impiedoso. Não é surpresa alguma revelar seus perfis. Embora seja possível aplicar rótulos a eles apenas com uma rápida leitura da sinopse o grande trunfo da produção é a naturalidade com que eles se apresentam, assim ainda sendo possível criar dúvidas a respeito da idoneidade de um e a paranoia do outro. Vencedor de alguns prêmios em festivais independentes, Mistério na Vila é um filme que merece ser descoberto, principalmente por mostrar o suspense de uma maneira diferenciada, investindo muito pouco em violência visual, e também por trazer assuntos interessantes à tona. Além de podermos refletir sobre a mente doentia do assassino e a condição mental e frágil de suas vítimas, o longa também serve como mais um lembrete de que a internet é um terreno perigoso, embora o roteiro não bata incessantemente nesta tecla, mas mesmo assim o recado está dado.

Suspense - 124 min - 2005 

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