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| NOTA 9,0 Atriz estréia na direção e assina roteiro de drama com tema difícil, mas de leve digestão neste caso  | 
Adaptado do conto “The Bear Came
Over the Mountain”, de Alice Munro, este é um daqueles filmes inesquecíveis e
com valiosos ensinamentos, mas que toca em um tema difícil e que deve doer para
muitos. Falar sobre doenças nunca é uma tarefa fácil. Devem-se tratar as
enfermidades como algo natural e procurar não chocar o público, pelo contrário,
levar uma mensagem de esperança a quem esteja vivendo situação semelhante ou
tem medo de vir a passar por tais momentos um dia. Todavia, são vários os
filmes que falam sobre enfermidades que conseguiram aprovação do público e
crítica, outros foram ignorados justamente por falar de mazelas e enveredar
pelo caminho do dramalhão e outros tantos, apesar de serem obras excepcionais,
passaram em brancas nuvens. Com final feliz ou triste, é certo que é um desafio
e tanto para um roteirista fugir dos perigos dos clichês ou até mesmo de
transformar seu trabalho em uma aula didática sobre medicina. Contudo, Sarah
acertou em todas as suas escolhas, a começar pela sensibilidade comedida e a
leveza de seu texto que proporciona inclusive alguns momentos involuntariamente
divertidos. Desde a concepção da idéia esta obra já nasceu com potencial para
se tonar uma referência ao estudo e adaptação ao mal de Alzheimer, doença que
acomete muitos idosos e hoje em dia ocorre até com certa frequência entre os
indivíduos na casa dos cinqüenta anos, motivo pelo qual o assunto tem cada vez
mais ocupado espaço nos noticiários da TV, na internet e em publicações
impressas. Desde um simples esquecimento em apagar a chama do fogão até situações
mais drásticas como não se lembrar como voltar para a própria casa, esta é uma
doença que não acarreta apenas problemas ao enfermo, mas também aos seus
familiares. A diretora neste caso acertou ao optar pela ótica do personagem
Grant para compreendermos os fatos e fugir do lugar comum. Também foi
interessante sua escolha em ter outro casal passando pelos mesmos problemas
para termos mais noções de como a doença afeta inúmeras vidas, estando ou não o
indivíduo diagnosticado com a doença. Destaque para a escalação de Olympia
Dukakis cuja presença no cinema é cada vez mais rara, mesmo sendo um nome
consagrado e premiado. Aliás, é bem interessante o contraste de sua personagem
com a de Julie. Fiona, mesmo doente, é retratada de forma otimista, forte e ainda
exibindo uma aparência invejável, enquanto Marian demonstra em sua
personalidade e caracterização resquícios de tristeza e amargura.
Seguindo uma linha intimista, Longe
Dela nem parece um projeto de uma estreante atrás das câmeras, ainda
mais sabendo que Sarah tinha apenas 26 anos quando começou a esboçar seu
projeto. Filmes que abordam temáticas ligadas à velhice de forma séria não são
comuns justamente por causa do desafio que eles significam. Para obter bons
resultados, é fundamental que ao menos o “cabeça” de tudo tenha experiência de
vida ou um amplo conhecimento sobre seu objeto de trabalho, assim a diretora
surpreende com a intimidade que demonstra com situações pelas quais ela mesma
está longe de vivenciar, além, é claro, de provar que nem todo marinheiro de
primeira viagem precisa errar muito antes de acertar. O problema é que com uma
estréia excepcional certamente ela terá sempre que provar seu talento a cada
nova obra que lançar, inclusive como atriz. Na época em que teve a idéia do
filme, ela filmava com Julie A Vida
Secreta das Palavras e automaticamente convidou a atriz para protagonizar
seu longa. Logo o cineasta Atom Egoyan, como quem a novata diretora havia
trabalhado em O Doce Amanhã, atrelou
seu nome ao projeto como produtor, intensificando a escolha do tom contemplativo
da narrativa na qual literalmente cada gesto vale mais que mil palavras. Mesmo
com nomes famosos, o trabalho foi realizado sem incentivos de grandes estúdios
ou produtoras e teve suas filmagens concentradas no Canadá. Sua caminhada rumo
às premiações foi liderada pelos próprios esforços da equipe e a cada nova
crítica positiva que surgia aumentava a certeza de que um novo tesouro do
cinema independente havia nascido, assim como mais um grande nome para levar
sensibilidade e conteúdo as platéias de todo mundo. A aptidão de Sarah para
construir um filme é percebida logo nos primeiros minutos quando ela usa com
habilidade a câmera para mostrar a protagonista perdida quando estava fazendo
esqui nas montanhas repletas de neve. Focada inicialmente nas expressões da
atriz assustada por não saber onde está, logo a lente amplia seu ângulo para
captar a vasta área branca que a cerca, uma mensagem visual que confirma o
estado enfermo daquela mulher. Para apreciar todos os detalhes preciosos desta
pequena obra-prima, desde a escolha das gélidas locações até o julgamento das
interpretações, é preciso estar com o espírito preparado, principalmente
aqueles que vivem de perto o sofrimento de um ente querido por causa do mal de
Alzheimer, mas quem se propor a compartilhar deste trabalho não deve se
arrepender. E não importa se você viu este filme ontem, hoje, se verá amanhã ou
no ano que vem. O que é bom não envelhece só melhora conforme o tempo passa.

2 comentários:
Seu texto me obrigou a colocar o filme em destaque para as próximas visitas.
Adoro filmes densos e que fazem refletir.
Lembro de O Filho da Noiva, um dos cinco melhores filmes que vi na vida com seu texto.
Longe Dela é minha próxima pedida.
Sim, realmente a idéia do filme "Longe Dela" também está presente em "O Filho da Noiva", duas ótimas opções para quem quer compreender melhor o mal de Alzheimer, mas, como digo no texto, é preciso estar com o espírito preparado.
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