Nota 4 Apesar de trocar o catolicismo pelo judaísmo, longa sobre possessão não foge de clichês
Filmes a respeito de invocações demoníacas existem aos montes e suas produções não cessam, afinal há um público-cativo cujo apreço parece ser identificar num produto inédito referências a outras obras de temática semelhante. Não é a toa que muitos títulos da seara trabalham pelo viés do catolicismo, não raramente colocando religiosos que perderam a fé como alvos em potencial para almas atormentadas dominarem seus corpos e como solução, em geral, recorrem a rituais de exorcismos. Só por trabalhar a temática dentro do universo judaico, Oferenda ao Demônio já traz certo frescor a este subgênero do terror, contudo, não lhe recobra prestígio e reforça deficiências. Acompanhamos o regresso de Art (Nick Blood) à casa de seu pai Saul (Allan Corduner), de quem se distanciou há anos. O motivo para a reaproximação está no ventre de Claire (Emily Wiseman), a esposa do rapaz que está prestes a dar a luz. Crianças são sempre bem-vindas para ajudar a reatar laços familiares, mas neste caso também significa colocar o rapaz novamente em contato com as tradições judaicas, embora sua esposa não seja da mesma religião, e voltar a lidar com a morte. O luto é o tema central da narrativa, o que desencadeia os problemas que a tal família enfrentará.
Saul é médico legista e mantém no subsolo de sua casa um necrotério exclusivamente para judeus e seu filho costumava ajudá-lo a preparar os corpos para o sepultamento. Simultâneo ao retorno de Art, a comunidade judaica local lida com o desaparecimento da menina Sarah (Sofia Weldon) e também chega para a necropsia o cadáver de Yosille Fishbein (Anton Trendafilov), vítima de um suicídio e portando uma espécie de amuleto, um artefato onde está aprisionado um poder maligno. Logo no início do filme, tal personagem aparece fazendo algum tipo de ritual para trazer sua esposa de volta, que pode estar morta ou sob o poder de algum ser sobrenatural. A sequência não é demorada, mas é muito bem aproveitada pelo diretor Oliver Park que dedica atenção aos detalhes, como a leitura dos passos do ritual e a tensão de Fishbein ao manipular a faca que colocaria fim a seu sofrimento. Apesar do prólogo ser intrigante e com uma atmosfera soturna e tensional, infelizmente o restante do filme não segue a mesma linha. O roteiro é mais preocupado em estabelecer que as relações familiares conturbadas se sobressaiam à questão sobrenatural, talvez para fugir do lugar comum, mas a tentativa é em vão.
Art não deseja de fato reestabelecer a harmonia familiar, mas sim sanar problemas financeiros aproveitando-se da inocência do pai, contudo, o plano é descoberto por Heimish (Paul Kaye), grande amigo de Saul, e um momento que poderia ser de catarse acaba sendo desperdiçado quando a narrativa mal chega a sua metade. Só as tensas relações estabelecidas entre o trio, se bem trabalhadas, já seriam suficientes para segurar um filme, mas a ideia não era fazer um drama e sim um filme de terror. Como o próprio título deixa explícito, as atenções se voltam ao bebê de Claire que é ameaçado por uma entidade maligna aprisionada no tal amuleto de Fishbein e que acaba sendo libertada por um descuido de Art. Mesmo assim, ao espectador são entregues eventuais cenas de causar arrepios, mas no geral o longa é morno e o tal demônio demora a aparecer, além de sua criação visual decepcionar por destoar do conjunto. Seria mais adequado apenas sugestionar a presença do Mal, afinal o próprio cenário é propício a delírios e sustos. Além de abrigar um necrotério em seu subsolo, o casarão onde praticamente toda a ação se desenrola é por si só agoniante e clausrofóbico, com uma decoração carregada de tapeçarias, o que ajuda a criar a sensação de que mesmo razoavelmente iluminada a residência parece imersa em um clima fúnebre constante.
Quem já assistiu a outros filmes com temática semelhante certamente consegue prever com antecedência os clichês que permeiam o longa, mas por ter certo ineditismo na abordagem religiosa ficamos com a expectativa de que algo poderá vir a surpreender, negativa ou positivamente. Diversidade e inclusão, Oferenda ao Demônio também é sobre isso, ou ao menos teve a chance de se sobressair e desperdiçou. O roteiro de de Hank Hoffman e Jonathan Younger não se aprofunda nos aspectos culturais que envolvem o judaísmo, tradições que impactam o comportamento dos personagens, e tampouco trabalha alguma tensão entre Claire e o sogro pelo fato de não ser judia. Com desenvolvimento confuso, lento, previsível e cansativo para o espectador, um bom argumento é desperdiçado e o elenco fica refém de personagens suscetíveis ao vacilo, principalmente o casal protagonista, afinal quais pais em sã consciência se sentiriam bem em aguardar os últimos instantes de uma gestação em um ambiente literalmente tão fúnebre?
Descartando os conhecidos rituais de exorcismos, com discursos escandalosos e pessoas se estrebuchando, o último ato é recheado de acontecimentos e simbologias colocando Art em um looping temporal que pode indicar que o seu sofrimento e o da esposa não terá fim até que a entidade das trevas leve consigo o bebê. Com uma edição frenética e uma injeção de adrenalina, tais sequências são caóticas, mas no bom sentido visto que desperta a atenção do espectador entediado pelo que acompanhou até então. Pena que seja tarde demais. A cena derradeira impacta, porém, deixa certas indagações no ar ficando clara a intenção de Park querer fazer de sua obra algo muito maior que suas reais possibilidades. Ainda assim, há de se elogiar o diretor pelo bom aproveitamento do cenário e por usar o mínimo possível de efeitos sonoros ou cortes bruscos de cenas para provocar sustos. Com um texto melhor lapidado, principalmente quanto ao núcleo familiar apresentado e suas questões do passado e presente a serem esclarecidas, esta poderia ser uma obra acima da média e provocativa ao espectador, mas o rótulo de filme de terror dificilmente abre espaço para discussões do tipo.
Terror - 93 min - 2022
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