Nota 6 Comédia recicla a velha fórmula do macho brutamontes obrigado a cuidar de crianças
Aconteceu com Arnold Schwarzenegger, Sylvester Stallone, Vin Diesel... Parece uma tradição em Holywood emplacar estrelas de ação em filmes com temática de humor e infanto-juvenil. Talvez por ser um público menos exigente, essa seria uma forma mais fácil dos atores mais acostumados a lidar com armas e sopapos a mostrarem versatilidade. John Cena, nome de peso na luta livre profissional e lançado como protagonista nos cinemas em Busca Explosiva, também acabou sendo testado em comédias e teve a chance de se aproximar das crianças com Brincando Com Fogo. E deu certo! O ator ganhou um papel sob medida e aprendeu a tirar vantagem e fazer graça com seu porte físico grandalhão. Ele dá vida ao rígido Jake Carson, líder de uma equipe de bombeiros florestais que certa vez resgata três crianças de uma cabana ameaçada por uma forte nevasca que se aproximava. Enquanto tenta entrar em contato com os pais delas, que sempre tem alguma desculpa para explicar suas ausências, o superintendente assume a difícil missão de bancar a babá com a ajuda de seus colegas de trabalho, Mark (Keegan-Michael Key), Rodrigo (John Leguizamo) e Machado (Tyler Mane), todos com o menor traquejo para lidar com a situação.
Dirigido por Andy Fickman, que já havia testado o astro de ação Dwayne Johnson em Treinando o Papai e A Montanha Enfeitiçada, o longa tem como foco apostar no básico para não errar. As piadas, na sua maioria, devem funcionar para o público mais jovem, podendo até tirar algumas risadas dos pais que decidirem assistir com os filhos. As diversas situações cômicas são abordadas como se fossem esquetes independentes uma das outras, assim alguns momentos conflituosos ou catalisadores de emoções genuínas não funcionam. Priorizando uma montagem apressada para narrar uma trama sem muitos problemas a serem resolvidos, fica latente o apego por sentimentalismos e o que se sobressai são os esforços do elenco que criam tipos cativantes apesar de suas rasas profundidades. Carece de um pouco mais de intensidade no que diz respeito à dinâmica familiar que nasce rapidamente no posto de trabalho de Carson. Além de ser como um pai para os amigos com quem divide o alojamento, o bombeiro também logo se afeiçoa as crianças que oferece guarita, um comportamento curioso para alguém que evidencia ter um bloqueio emocional, algum tipo de trauma envolvendo relacionamentos afetivos.
Contudo, o que há de mais interessante reside justamente no elemento transformador de Carson que não entende a princípio que seu gesto de solidariedade não é apenas para honrar sua patente, mas também condiz com um resgate próprio. Um piano antigo e há tempos inativo, uma brincadeira com uma criança ou uma simples ida ao shopping para comprar presentes podem parecer banais, mas no enredo assinado por Dan Ewen e Matt Lieberman tornam-se elementos essenciais para que haja uma transformação entre todos ali presentes no abrigo. Soa artificial quando pensamos na facilidade com que aquelas pessoas puderam criar laços afetivos em tão pouco tempo, mas não deixa de ter certo brilho quando somado a mensagem edificante de que família de verdade é aquela que se escolhe por afinidades e sentimentos genuínos. Colabora para aceitarmos a rápida mudança de comportamento do protagonista o carisma das crianças. Brynn (Brianna Hildebrand), entrando na pré-adolescência, demonstra certa maturidade para lidar com seus irmãos mais novos, Will (Christian Convery) e Zoey (Finley Rose Slater), e para dialogar com Carson.
Cena ganhou um papel dependente de seu físico avantajado e da aparência sisuda que naturalmente carrega, mas em alguns momentos são perceptíveis características que poderiam credenciá-lo a virar figurinha fácil em romances água-com-açúcar, mas fica evidente que necessita de auxílio e treino para desbloquear seu potencial por completo. Claro que há um interesse romântico para seu personagem, a pesquisadora Amy Hicks (Judy Greer), mas o roteiro é preguiçoso até para criar algum tipo de atrito entre eles, o envolvimento é ligeiro e previsível. Ao se aproximar do bombeiro, sensibilizada por ele se dedicar a cuidar de crianças desamparadas, tal figura feminina poderia facilmente assumir um lugar maternal no enredo, mas fica como coadjuvante numa trama que faz de tudo para aflorar o lado mais sensível de machões. Até os colegas de Carson ganham mais importância, afinal compartilham a guarda temporária dos menores, mas todos em cena sofrem com os mesmos males: o excesso de piadas com escatologia. De qualquer forma, o elenco transmite harmonia e entusiasmo e chega ao ápice do entrosamento quando decidem fazer uma festa de aniversário para Zoey, um momento para lá de lúdico, emotivo e até nostálgico.
Não é exagero dizer que Brincando com Fogo é uma mescla de Um Tira no Jardim de Infância e Esqueceram de Mim, embora sem o gás para vir a se tornar um clássico como os filmes que referencia. Do primeiro, o roteiro herda a temática do adulto bruto e sisudo que é desarmado pouco a pouco pelo convívio forçado com a inocência que achava que não voltaria a reencontrar, ao passo que do segundo título vem a inspiração para humor físico e situações constrangedoras, como quedas e escorregões. Com semelhanças ainda mais evidentes, também não se pode negar que o longa de Fickman dialoga diretamente com a temática de Operação Babá, mais uma produção com um protagonista linha dura e enérgico que encara a missão de cuidar de crianças como uma obrigação inerente a sua profissão, mas uma experiência que acaba trazendo um ganho e tanto para sua vida pessoal. Projetos do tipo sempre são bem-vindos, principalmente pelas mensagens edificantes que deixam, e tem seu público cativo, não necessariamente infantil, mas também adultos resgando a inocência que julgavam perdida. Resta saber quais serão os próximos astros de ação recrutados para estrelar produções do tipo.
Comédia - 2019 - 96 min
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