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domingo, 23 de maio de 2021

MILAGRE NA CELA 7


Nota 9 Obra turca exagera no sentimentalismo, mas mensagens positivas são sempre bem-vindas

Feito claramente para arrancar lágrimas até dos espectadores mais resistentes, Milagre na Cela 7 não poupa esforços para ser emotivo, razão pela qual a produção turca divide opiniões. A maior parte do público elogia, mas para a crítica o longa é execrável justamente pela manipulação das emoções que transformam a vida de Memo (Aras Bulut Iynemli) num verdadeiro calvário. Portador de uma deficiência intelectual que o faz se comportar como uma criança boa parte do tempo, o rapaz vive em um pequeno vilarejo com a avó Fatma (Celile Toyon Uysal) e com Ova (Nisa Sofiya Aksongur), sua pequena filha a quem dedica total atenção e carinho, cuidados plenamente recíprocos por parte da garota que não se importa com as brincadeiras dos colegas da escola por conta da condição de seu pai que mesmo com todas as dificuldades não a abandonou após a morte da esposa. A pacata vida dessa família muda completamente quando o rapaz se envolve em um acidente no qual falece a filha de Yarbay Aydin (Yurdaer Okur), um importante nome do exército local que tomado pela raiva ordena a prisão do suspeito. Embora tenha alguns dias de clausura na cadeia, praticamente de imediato é sentenciado que a destino de Memo é a execução, ainda que o longa se inicie com um telejornal noticiando o fim da pena de morte no país, uma decisão estratégica visando a entrada da Turquia no conglomerado da União Europeia, mas uma decisão que não agrada a muitas autoridades locais. 

Linchado por soldados e, como de costume, por outros encarcerados que se revoltam ao descobrirem o motivo de sua prisão, Memo fica a beira da morte, mas acaba sobrevivendo. Sua vida pode ter sido poupada graças a uma força divina, mas em um primeiro momento foi salva pelo masoquismo de Aydin que quer pessoalmente ver o rapaz ser enforcado para que sirva de exemplo. Destratado inicialmente pelos colegas de cela, o protagonista reverte a situação quando evita que o prisioneiro Askorozlu (Ilker Askum) seja morto por outro detento, assim passa a conquistar a simpatia dos companheiros com quem divide a tal cela do título. Logo eles estão convictos que Memo é vítima de uma armação, pois claramente não teria condições mentais e tampouco maldade para matar alguém. Nem mesmo Nail (Sarp Akkaya), o diretor do presídio, acredita que ele seja culpado e, embora reticente no início, aos poucos se compadece da situação até por conta da insistência de Mine (Deniz Baysal), a professora de Ova que passa a protegê-la e tentar uma maneira de fazer a garota conseguir visitar o pai. É nesse ponto que agem os presidiários que veem a possibilidade de se redimirem de seus pecados fazendo uma boa ação. O filme então ganha certo quê de A Vida é Bela no qual os detentos iludiam uma criança dizendo que o campo de concentração era na verdade uma grande gincana. No caso do filme turco, a cadeia é transformada para Ova em um hospital onde homens doentes de alma buscam redenção.


É impossível também acompanhar essa história sem não voltar a memória outros dois filme, À Espera de Um Milagre, por conta da condenação e morte injustas, e Uma Lição de Amor, que aborda a relação de um pai com retardo mental e sua filha. E para quem acha que a condensação das duas temáticas soa familiar é porque certamente já ouviu falar da versão homônima deste filme produzida em 2013 pela Coreia do Sul. O original tem premissa mais densa, com o protagonista sendo acusado de estuprar e assassinar uma garota. As mudanças na adaptação dos roteiristas Özge Efendioglu e Kubilay Tat tratam de criar um vínculo mais forte e emotivo com o espectador pelo fato do acusado simplesmente estar no lugar certo, mas na hora errada. Ele tentou ajudar uma pessoa, mas seu gesto acabou por questão de segundos sendo interpretado com um ato vil. Sua condenação se justifica mais pelo egoísmo do pai da vítima que precisa encontrar algum culpado para tentar aplacar um pouco sua dor, embora uma pessoa capaz de algo assim seja desprovida de sentimentalismos. Todavia, existe uma maneira de evitar a morte de um inocente. Em paralelo a vida de Memo na clausura, acompanhamos os esforços de Ova para encontrar um homem que ela aponta como uma possível testemunha do fatídico episódio. Estamos em meados da década de 1980, época em que a Turquia estava vivendo diversos problemas políticos, mas a paisagem árida e o comportamento controverso de autoridades não parecem ter evoluído, tornando a obra extremamente atual. Aydin fará de tudo para que o tal depoente não seja encontrado para fazer valer a sua palavra de ordem. 

O diretor Mehmet Ada Öztekin demonstra sensibilidade para conduzir com leveza uma trama repleta de momentos tristes, mas cujo cerne é revelar que a bondade pode vir de onde menos se espera. O título já deixa explícito que algo de bom irá acontecer, assim não seria necessário a produção se alongar além do necessário. É tocante ver como Memo e Ova modificam o modo de enxergar a vida de homens desesperançosos e até comovam autoridades do presídio, mas o enredo passa a ser repetitivo ao reiterar diversas vezes que a crueldade cedeu espaço para a humanidade. Contudo, somente dois colegas de cela do protagonista tem uma história própria a ser contada. Askorozlu tem uma convivência estremecida com a família, algo que acaba trazendo um momento de comicidade a certa altura, e Yusuf (Mesut Akusta), um homem calado e solitário que aparentemente carrega a culpa de maior peso entre todos. O tempo que falta para desenvolver o argumento de um acaba sendo cedido em excesso em prol do outro que, embora seja de vital importância para o desfecho e configure de fato o tal milagre prometido, acaba passando a maior parte do tempo olhando para uma mancha na parede que se assemelha a uma árvore, uma triste memória que é resgatada em pequenos flashbacks, mas que não chega a surpreender.


O grande problema de Milagre na Cela 7 ironicamente é também seu maior trunfo. O longa praticamente gira em torno da bela relação estabelecida entre Memo e Ova, um pai com mentalidade semelhante a da própria filha nesse momento, o que os torna melhores amigos. Eles não parecem se preocupar com o amanhã e sim em viver o presente juntos, assim as visitas escondidas da garota tornam-se momentos festivos e que acabam por contagiar aos demais que acabam tendo como única função servir aos anseios da dupla. A cumplicidade estabelecida entre Nisa e Iynemli, assim como a perspicácia de ambos, são essenciais para o sucesso da obra, ela equilibrando-se com naturalidade entre a inocência, a alegria e o desespero, enquanto ele leva a sério a fantasia que seu personagem estabelece para sobreviver dentro de um ambiente hostil, mas que nem de longe lembra o descaso de uma prisão no Brasil. Ainda que esconder a filha dos oficiais pareça uma brincadeira e também não distinga quando estão caçoando de si, Memo tem seus momentos de lucidez e isso fica ainda mais latente conforme começa a contagem regressiva de sua execução. Tais momentos podem não ser condizentes com a realidade de alguém com a mesma deficiência, mas se inserem com perfeição dentro do espírito onírico almejado. Uma obra que fala de maneira sensível sobre o lado bom do ser humano e traga uma mensagem de positividade é sempre bem-vinda.

Drama - 132 min - 2019

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