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segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

A MÚMIA (2017)

NOTA 6,0

Reinvenção de história de monstro
clássico não se define entre aventura
ou horror e se atrapalha ao panfletar
sobre ambicioso projeto de seu estúdio
O cinema desde seus primórdios precisou se reinventar para não sucumbir ao esquecimento, mas neste início do século 21 passa por uma acirrada disputa com a internet. Além da pirataria, os próprios estúdios já estão com os olhos mais voltados aos serviços de streaming do que para as salas escuras, assim tornou-se uma raridade um filme modesto se sobressair. Até os blockbusters também estão tendo dificuldades para achar seu público, mas os arrasa-quarteirões encontraram um recurso rentável para sua sobrevivência: o 3D. A moda é fazer com que o espectador de certa forma assuma o lugar de um personagem, principalmente nas cenas de ação e apuros, entrando dentro do filme. A tentativa é válida, mas o problema é que tal tecnologia em muitos casos está se tornando a semente de projetos e os roteiros estão ficando em segundo plano. Anunciado com toda pompa, A Múmia lançado em 2017 sofre desse mal. Além da propaganda de ter Tom Cruise como protagonista, parece que a justificativa para a produção existir é o simples fato de usar a tecnologia tridimensional. Essa pode ser a interpretação do público, mas para o estúdio Universal a fita insere-se em um ambicioso projeto. Esta é a obra que deu o pontapé inicial ao Dark Universe (algo como Universo Sombrio), uma espécie de franquia não-oficial idealizada para resgatar monstros clássicos, personagens da literatura cujas caracterizações ganharam um visual definitivo e foram inseridas no universo pop graças as adaptações cinematográficas da produtora lançadas ainda em seus primórdios. Em 1932, o lendário Boris Karloff tocou o terror e tirou o sono de muita gente ao dar vida (literalmente) ao sacerdote egípcio que foi submetido a um terrível ritual de morte e prometeu se vingar. Quase na virada do século, em 1999, Brendan Fraser é quem enfrentou a criatura morta-viva em uma aventura que apenas tomou emprestada a essência do original, mas criou todo um background próprio. Quase vinte anos depois foi a vez de Cruise assumir o papel de herói em uma nova releitura do clássico, uma versão bem mais sombria em termos visuais, mas que fica a dever em suspense, exagera na ação e busca alívio cômico em momentos inoportunos.

A personagem-título agora é defendida por uma mulher, a atriz argeliana Sofia Boutella. A princesa egípcia Ahmamet matou toda sua família cega pela ânsia de poder e foi condenada à pagar por seus atos por toda a eternidade, sendo submetida a um doloroso processo de mumificação quando ainda estava viva. Séculos depois, já nos dias atuais, Nick Morton (Cruise), um soldado de moral duvidosa, acaba descobrindo por acaso seu sarcófago com a ajuda de um mapa do tesouro que roubou da  arqueóloga Jenny Halsey (Annabelle Wallis). Apoiado por seu fiel escudeiro Chris Vail (Jake Johnson), ele decide levar tal relíquia para Londres, mas no trajeto de avião a morta-viva é despertada, o que faz com que ela passe a persegui-lo a fim de completar um ritual de sacrifício que a dotaria de poderes insuperáveis unindo seu corpo e alma ao seu escolhido, no caso, nosso anti-herói provavelmente porque ele a despertou, mas os motivos da fixação por este homem nunca ficam claros. Ela já havia feito um pacto no passado com Set, o Deus da Morte, para ganhar dons especiais que a ajudariam a dominar o Egito ou quiçá o mundo todo, mas ele não foi concretizado. Ao saber da descoberta, o renomado Dr. Henry Jekyll (Russell Crowe), dono de uma organização envolta em mistérios, não mede esforços para capturar a múmia, mas esbarra em seu problema de dupla personalidade que as vezes o leva a assumir a identidade do maléfico Mr. Hyde. Ele luta diariamente contra essa maldição, mas não há tempo para desenvolver adequadamente um perfil tão complexo em uma trama tão frenética. Tal personagem, aqui coadjuvante, na verdade é o protagonista da clássica história de "O Médico e o Monstro", de Robert Louis Stevenson, mais uma obra literária que ganhou versão cinematográfica, se tornou um clássico do horror e consta nos planos da Universal para ser refilmado. A ideia seria que a cada lançamento da Dark Universe algum personagem ou elemento-chave próximo filme deste universo fosse inserido na trama de forma a fazer um link entre as obras e instigar a curiosidade do espectador. Aqui a carta na manga não deu certo. Além do roteiro entregar de bandeja ao espectador a identidade demoníaca de Jekyll abrindo mão do sugestionamento e apelando para uma exagerada maquiagem para demarcar a transformação de perfil, algo que pode ser prejudicial para seu filme-solo, muita gente não compreende sua participação na trama simplesmente porque nunca tiveram conhecimento de sua existência. A intenção é das melhores, porém, infelizmente esbarra na memória curta ou falta de repertório cultural do grande público.

Com um personagem canastrão e sem uma característica que o diferencie de tantos outros que já fez, sabe-se lá porque Cruise aceitou participar. Talvez para mostrar que mesmo cinquentão ainda está em boa forma e pode se dar ao luxo de dispensar dublês nas cenas perigosas. Resgatando a imagem clássica de herói, ajuda o perfil de seu par romântico. Sempre de visual impecável, Jenny é incapaz de se defender sozinha ou dar um passo sequer sem a ajuda do macho-alfa. A própria sobrevivência da vilã gravita em torno dele. A criatura passa a ser coadjuvante de luxo em seu próprio filme. Roteirista de aventuras como Missão Impossível 3 e Transformers, esperava-se algo bem mais divertido do diretor Alex Kurtzman, que até então só havia assinado a direção do drama familiar Bem Vindo à Vida, ou seja, inexperiente atrás das câmeras para um projeto tão ambicioso. Quando surgiram as primeiras notícias do projeto de imediato nasceu uma expectativa a respeito do que a vilã milenar aprontaria nos dias atuais, mas suas próprias ameaças e poderes não causam impacto e limitam-se a suscitar tempestades de areia e a ressuscitar cadáveres que formarão seu exército de aliados. Aliás, as múmias serviçais são dotadas de um visual bastante estilizado lembrando a zumbis, o que acaba desmistificando um pouco a clássica figura do morto-vivo enrolado em bandagens. A personagem-título também ganhou uma estética peculiar, mas nos momentos de mostrar sua força seu corpo curvilíneo mostra-se mirrado para a magnitude que seus atos deveriam representar. Lá pela metade, quando entra em cena Jekyll, Ahmamet literalmente fica presa por muito tempo e o filme perde completamente o ritmo. O roteiro de David Koepp, Christopher McQuarrie e Dylan Kussman não consegue desenvolver as situações que joga na tela, parecendo que esperavam que tudo seria resolvido magicamente na pós-produção com uma edição frenética e efeitos visuais e sonoros estridentes para distrair o espectador do foco do enredo. E assim foi feito. A Múmia se sustenta por uma série de sequências de ação que não empolgam e jamais o espectador percebe o clima de suspense ou horror que esperava. Não haveria problema algum em mudar a essência, desde que o perfil de aventura fosse assumido com dignidade. Kurtzman realiza um trabalho em cima do muro, mas ao menos mantém do início ao fim um visual bastante sombrio e oferece efeitos visuais bacanas, mas nada de excepcional. Por toda publicidade que teve, não é a toa que a produção decepcionou. Serve como lição para a Universal caso queira levar adiante o Dark Universe.

Terror - 111 min - 2017

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