Nota 6 Apoiada em piadas previsíveis sobre choque cultural, carisma do elenco eleva a produção
Sarah Jessica Parker caiu nas graças do público feminino com o seriado e os filmes Sex And The City. Hugh Grant construiu sua carreira tendo com alicerces sua cara de bom moço e charme inglês e se tornou um sinônimo de comédias românticas, tendo como um de seus ápices Um Lugar Chamado Notthing Hill. Um encontro cinematográfico entre eles demorou, mas aconteceu no despretensioso Cadê os Morgan? no qual vivem Meryl e Paul, ela uma corretora de imóveis de sucesso e ele um requisitado advogado. Workaholics assumidos, o tempo passou e eles não tiveram filhos, o que certamente balançou a relação. A gota d'água foi uma pulada de cerca do rapaz, mas prestes a assinarem o divórcio ele quase consegue fazê-la desistir da ideia após um jantar romântico. Isso se a noite não terminasse com o casal testemunhando um assassinato e visto o rosto do criminoso. Agora eles são obrigados pelo FBI a abandonarem Nova York e entrarem para o programa de proteção às testemunhas, assim são enviados à pequena cidade de Ray no interior dos EUA e ganham até novas identidades.
O casal será forçado a voltar a morar sob um mesmo teto, pelo menos por alguns dias, e serão acolhidos por um outro casal, o xerife Wheeler (Sam Elliott) e sua esposa Emma (Mary Steenburgen), mais experientes e em plena harmonia. A convivência obviamente fará com que os Morgan repensem a relação. E não é só isso. O cotidiano tranquilo do interior também os faz rever suas rotinas. O roteiro de Marc Lawrence, também diretor, é limitado a fazer graça contrastando os costumes e bucolismo do campo com a agitação e neuroses metropolitanas. Algumas piadas são previsíveis, como reclamarem do silêncio absoluto a noite e da sufocante pureza do ar. Outras soam exageradas, como ter à mão um manual de instruções para se proteger se porventura um urso invadir seu jardim. Todavia também há boas sacadas envolvendo a política da boa vizinhança que impera na cidade. Todos se conhecem e se ajudam. Os carros, por exemplo, estão sempre estacionados nas ruas destrancados e com as chaves no contato, afinal nunca se sabe quando alguém vai precisar em caso de emergência. O casal nova iorquino se limita a dizer que na cidade grande as pessoas também pegam os veículos umas das outras, apenas as normas de devolução são um pouco complicadas. Assim por escrito a piada pode parecer sem graça, mas ganha vida nas interpretações de Grant e Parker que não fazem absolutamente nada de diferente do que já apresentaram em outras comédias.
Mais uma vez a atriz interpreta a mulher de meia idade bem-sucedida profissionalmente e acostumada a uma vida confortável e com tudo que a modernidade pode lhe oferecer de bom. Neste caso, só não está à procura de um homem e sim de realizar seu sonho de ser mãe, mesmo que seja por meio de adoção. Já o rapaz continua com seus trejeitos levemente atrapalhados e olhar de cachorro que caiu do caminhão de mudanças, suas armas infalíveis de conquista. Seu humor inglês, divertido e cheio de ironias, também não é desperdiçado. Lawrence sabe muito bem como explorar o potencial do ator. A dupla já havia feito Amor à Segunda Vista e Letra e Música. Apesar da química com Sandra Bullock e Drew Barrymore, respectivamente, o diretor resolveu testar uma nova parceira para Grant e se o resultado não é um casal que exala paixão, também passa longe de decepcionar. Os protagonistas demonstram entrosamento e compartilham um bom timing para comédia, mas acabam prejudicados pelo roteiro previsível no qual as situações vão se encaixando perfeitamente para reuni-los novamente e, mais importante, ensinar a valorizar as coisas simples da vida como relaxar sob um céu estrelado, conviver com seus vizinhos ou simplesmente colocar a cabeça no travesseiro e esquecer os problemas até o nascer do dia. Depois desta experiência os Morgan nunca mais serão os mesmos, o que pode ser uma justificativa para o tolo título nacional.
Os personagens de Elliot e Steenburgen deixam de ser meros coadjuvantes justamente por serem o contraponto ao casal principal. Transmitindo invejável tranquilidade e harmonia, eles estão juntos há décadas e compartilham o apreço pela simplicidade e solidariedade e não há o menor sinal de estresse na relação. Sem dúvidas a vida bucólica no campo é o segredo do sucesso desta união. Apesar do foco ser a valorização das amizades, sentimentos e afins, não podemos nos esquecer que há um vilão nesta história. Michael Kelly assume a ingrata tarefa de interpretar Vincent, o tal assassino que passa a perseguir os Morgan. Ou ao menos deveria ser assim. Fora o rastreamento de um telefonema indevido, o roteiro simplesmente esquece de desenvolver tal gancho e só aciona a participação do criminoso para um patético final. Também são desnecessárias as poucas cenas de Jackie (Elisabeth Moss) e Adam (Jesse Liebman), assistentes de trabalho dos Morgan, ela dominadora e ele submisso. É ensaiado um romance entre eles para encher linguiça, mas a sensação é de que na edição a subtrama foi considerada insossa sendo resumida ao mínimo, porém, não se pode descartar a hipótese da relação mal desenvolvida ser de fato fruto de um descuido do próprio Lawrence.
Apesar de alguns deslizes, no geral, Cadê os Morgan? cumpre seu papel de entreter mais que emocionar. Sim, apesar de ser classificada como comédia romântica, a fita deixa de lado as cenas melosas e investe mais em piadas, tanto visuais explorando os exageros quanto ironias explícitas no texto. Não é spoiler revelar que os protagonistas reatarão, isso é uma regra básica que poucos ousam quebrar. O importante neste gênero é criar uma trajetória interessante para justificar o happy end. Lawrence consegue construir uma trama bastante agradável e até certo ponto acima da média, mais pelo trabalho dos atores que pelo texto em si, mas fica a impressão que o ato final passou longe de suas mãos, inclusive quanto a direção. Infelizmente acabou sendo aquele tijolinho que faz a casa ruir.
Comédia - 103 min - 2009
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