NOTA 3,5 Refilmagem de clássico do terror frustra com trama previsível, pouco sustos e aura de golpe de marketing |
A data 06/06 é repetida todos os
anos, agora 06/06/06 é uma raridade e caiu como uma luva para os propósitos do
diretor John Moore, vindo da aventura O
Voo da Fênix. A sequência numérica 666 é conhecida por representar uma
simbologia que evoca o demônio. Certamente essa coincidência única foi a
justificativa para a existência de um remake de A Profecia e também é o
que explica o fracasso da produção. É provável que alguns executivos perceberam
tardiamente essa “data-evento” e encomendaram uma refilmagem deste clássico de
terror em velocidade recorde para realizarem um lançamento mundial e
oportunista, inclusive obrigando os cinemas a alterarem suas grades de horário
em uma terça-feira confiando na audiência dos supersticiosos. Se perdessem essa
chance para gerar burburinho em torno do temido número outra igual só depois de
cem anos, porém, a pressa é inimiga da perfeição. Passado o impacto da temida e
enigmática data, qual o propósito do projeto? A ideia de um remake certamente
já estava sendo amadurecida para aproveitar as comemorações dos trinta anos de
lançamento do longa original dirigido por Richard Donner, um marco na História
do cinema e que arrecadou uma polpuda bilheteria, contudo, não conseguiu
sobreviver a ação implacável do tempo, não chegando ao status de O Exorcista, por exemplo. Mesmo com a
obra disponível em DVD e vez ou outra sendo exibida na TV, é difícil convencer
espectadores mais jovens a conferirem a produção, assim refazê-la viria a
calhar, mas o problema é que a nova versão jamais seria totalmente igual a
primeira, pior ainda, teria que se adequar ao século 21. Na realidade esta
refilmagem tem apenas algumas sequências adicionais e apresenta sensível queda
no nível de interpretação do elenco em relação à obra original, mas a trama é
basicamente a mesma. O título está relacionado a uma passagem que consta na
Bíblia a respeito do nascimento do Anticristo justamente na tal data
cabalística. A ação do filme começa em Roma cinco anos antes mostrando o
nascimento do filho de Katherine (Julia Stiles) e Robert Thorn (Liev
Schreiber), este acompanhando a comitiva do embaixador dos EUA em sua visita à
Itália. Infelizmente a criança acaba morrendo no parto e antes que a mãe se dê
conta Spiletto (Giovani Lombrado Radice), um padre do hospital, convence o
marido a adotar um bebê que nasceu quase simultaneamente, no sugestivo dia 06
de junho às seis horas da manhã, mas cujo pai é ausente e a mãe não resistiu à
cirurgia. Pensando no desespero da esposa ao saber o que aconteceu, e ainda
mais com o risco de não poder mais ter filhos, Robert concorda com a adoção,
mas pede sigilo absoluto.
Damien (Seamus Davey-Fitzpatrick)
cresceu cercado de mimos e presentes. A tradicional sequência de filmes
caseiros de festas natalinas e de aniversários comprova que ele era um menino
feliz e amado, mas as coisas não tardam a mudar. Pequenos incidentes e fatos
estranhos começam a acontecer com pessoas próximas a família Thorn, como a
explosão do carro em que estava Steven Haines (Marshall Crudup), para quem
Robert trabalhava e acabou herdando sua vaga como embaixador da Grã-Bretanha e
a luxuosa mansão que lhe era destinada. Dois anos depois, durante a festa do
quinto aniversário de Damien, sua jovem babá (Amy Huck) comete suicídio na
frente dos convidados, mas antes estranhamente dedica sua morte ao garoto que
não reage de forma alguma à cena. Situações bizarras ou inexplicáveis começam a
ficar mais constantes e paralelamente o pai do menino passa a ser perseguido
pelo padre Brennan (Pete Postlethwaite) que tenta convencê-lo sobre a profecia
bíblica e que o aparentemente inocente Damien poderia ser o Anticristo. É óbvio
que Robert não acredita em um primeiro momento, mas quando o fotógrafo Keith
(David Thewlis) o procura com fotos intrigantes de pessoas que morreram e
tiveram algum tipo de contato recente com os Thorn ele se convence de que a
troca de bebês foi uma armação e começa uma verdadeira peregrinação em busca de
respostas e das adagas que poderiam livrar o mundo do Mal, mesmo Damien sendo
uma criança que ele amou como se fosse seu filho de sangue. A essa altura a
situação está mais complicada com o envolvimento da senhorita Baylock (Mia
Farrow), uma mulher que se infiltrou na mansão da família para ser a babá do
menino, mais precisamente protegê-lo para que o filho do capeta não fosse
exterminado. Tal qual Gus Van Sant procurou respeitar ao máximo a obra de
Alfred Hitchcock quando decidiu refilmar Psicose,
Moore tentou fazer o mesmo em consideração ao trabalho de Donner praticamente
decalcando o original cena por cena, no entanto, o resultado ficou aquém do
esperado por conta de pequenos detalhes que fazem toda a diferença. Embora
trabalhando com o script original de David Seltzer, que é creditado também como
autor do remake, na realidade a obra foi reescrita por Dan McDermott que deu
uma leve atualizada modernizando diálogos e obviamente adicionando a
tecnologia, como os celulares e internet, no cotidiano dos personagens. O
grande pepino para o roteirista é que aquilo que aterrorizava nos anos 70 três
décadas depois mal causa arrepios. Como assustar as plateias moderninhas depois
que dezenas de filmes a respeito de evocações demoníacas esgotaram o assunto?
Apenas com o olhar dúbio do protagonista-mirim alternando doçura e maldade é
que não iam conseguir. O caminho mais fácil é a violência gráfica que neste
caso acabou sendo usada com parcimônia. Se as contas não estão erradas, temos
seis mortes marcantes ao longo da trama, mas duas não convencem, justamenta as
que envolvem sangue e filmadas no estilo do terror teen Premonição. Não adianta fugir, se chegou a sua vez não há como
escapar, mas tais cenas destoam no conjunto.
Os outros falecimentos são mais
críveis e envoltos no contexto, até mesmo a rápida morte do embaixador Haines
que pode parecer sem propósitos. A cena foi adicionada na atualização como
forma de enfatizar a energia negativa que ronda o mundo nesta fase em que boa
parte das pessoas estão desacreditadas da fé, assim como o prólogo que busca
relacionar os sinais do Apocalipse descritos na Bíblia com tragédias recentes
como os ataque às Torres Gêmas, o tsunami na Ásia ou até mesmo a violência tão
presente no cotidiano de todos os países. A morte do embaixador ainda abre
frente para outra interpretação. Robert assumindo seu cargo de confiança
ficaria ainda mais rico e toda esta fortuna seria herdada por Damien. Quem tem
dinheiro e poder manda e o demônio quer reinar absoluto, assim o menino dá um jeitinho
de tirar de seu caminho um possível irmãozinho, uma sutil ideia de que Deus
poderia estar mandando um salvador inesperada e ironicamente através do ventre
de Katherine, esta que decepcionada com as atitudes do outro filho não quer
levar a gravidez adiante. Interpretações como esta só são possíveis com
reflexões posteriores e um pouco de boa vontade por parte do espectador. Faltam
ao filme frases, gestos, olhares, enfim elementos que liguem os pontos. Quando
o analisamos como um todo percebemos que ele tem seus bons momentos, mas eles
parecem flutuar na narrativa. A cena da perda do bebê é muito bem realizada e
uma das poucas em que a sutileza mostra-se presente. Uma inocente sequência
entre Damien e Baylock sem diálogo algum, apenas uma tímida troca de olhares e
um bom trabalho de câmera, já nos faz compreender qual a intenção da dupla
perfeitamente. Aliás, a presença de Farrow ajudou nas expectativas quanto ao
lançamento. A mãe do capeta em O Bebê de
Rosemary então voltava para mais uma vez cumprir a missão de proteger o
enviado das trevas, mas sua atuação decepciona, principalmente no clímax que
culmina em um patético desfecho para sua senhora malvada. Schreiber e Stiles
também fracassam, não há química entre eles e parece que o casal foi unido apenas
por questões financeiras e de status, assim criar literalmente um demônio em
casa serviria até como um castigo pela falta de amor. Seria outra mensagem
subliminar? Em suma, o remake de A Profecia não é um lixo como muitos
dizem, só é desnecessário. Havia muito a ser explorado, mas talvez a pressa
para finalizá-lo tenha levado Moore a copiar apenas o principal do filme
setentista e os pequenos detalhes que deixou de fora fizeram diferença para a
narrativa fluir com eficiência e os personagens cativarem. Do jeito que foi
entregue pouco nos importamos com o destino do casal Thorn. Os erros como cenas
desconexas, sustos frágeis, cenografia batida e uma chuva torrencial destoante,
poderiam ser perdoados em outro terror ou suspense qualquer, mas o problema é que
se trata de uma obra que procura apresentar um clássico para uma nova geração.
O máximo que conseguiram foi mais um título para vez ou outra ser lembrado por
adolescentes mais interessados em uma desculpa para namorar ou se reunir com
amigos para zoarem.
Terror - 109 min - 2006
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