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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

ADORAÇÃO

NOTA 6,0

Proposta relativamente simples de
discutir o terrorismo através de um
drama familiar acaba tornando-se
complexa pelos exageros do diretor
Estranho, tedioso, vazio ou confuso. Realmente quem assistir uma única vez o filme Adoração não terá muito subsídios para rotular este drama de forma positiva. O público em geral nem deve se interessar pela temática, até porque não há atores renomados no elenco. No entanto os cinéfilos e adeptos de cinema alternativo devem ficar tentados a realizar um repeteco para avaliar melhor a produção já que o diretor e roteirista é Atom Egoyan, famoso nos anos 90 por Exótica e O Doce Amanhã. Natural do Egito, este profissional radicado no Canadá vem construindo uma carreira relativamente de sucesso e a maioria de suas obras trazem uma espécie de assinatura através de elementos em comum: a atmosfera introspectiva para contar histórias que procuram traçar paralelos entre tragédias coletivas e dramas particulares, tramas que irremediavelmente exigem atenção redobrada do espectador. É uma pena que até uma segunda avaliação neste caso não deve trazer um saldo muito positivo. A melhor forma de se julgar um filme é tentando recontar em detalhes sua trama. Quando não é fácil fazer isso significa que o filme tem problemas ou não te envolveu satisfatoriamente. As duas opções justificam as dificuldades para escrever uma crítica a respeito deste trabalho de Egoyam. Ao mesmo tempo em que tem muito conteúdo a oferecer, faz isso de forma que no fundo parece não ter nada a dizer, apenas alimentar o ego de deslumbrados cinéfilos que acreditam que mencionar que viu o filme de um cineasta renomado ou participante de festivais possa rotulá-los como mentes privilegiadas. A obra em questão não foge a regra do manual de trabalho de Egoyan e conta uma história sobre intolerância a cultura muçulmana atrelada a um problema familiar, todavia, o que fica mais em evidência é discutir os limites entre a realidade e a ficção, principalmente em tempos de tecnologia comandando os rumos e a velocidade da comunicação.  Simon (Devon Bostick) é um jovem estudante que lê para seus colegas de classe uma redação na qual aborda um assunto relacionado ao passado de seus pais, algo envolvendo um ato terrorista. A atividade fazia parte da aula de francês de Sabine (Arsinée Khanjian), uma libanesa que também é professora de teatro e que contou a tal história primeiro com o intuito dos alunos a reescreverem com as suas próprias palavras. Há cerca de 18 anos atrás um árabe teria usado a própria esposa grávida em um plano para explodir um avião que seguia para Israel, porém, o artefato não chegou a funcionar e o bebê nasceu.

Simon surpreendeu a professora com uma transcrição narrativa na qual se posicionou como se fosse o filho desse casal e ela ficou tão fascinada pelo texto que incentivou o aluno a dar continuidade a farsa como se fosse uma espécie de experimento para ver como as pessoas reagiriam a um argumento tão polêmico.  Na verdade o jovem projetou o drama de sua família na notícia já que perdeu seus pais em um acidente de automóvel e desde então é criado pelo seu tio Tom (Scott Speedman), que não gosta de ver a repercussão que a tal redação alcançou. Simon continuou com o trabalho colocando-se no lugar do adolescente da ficção levando o assunto a ser debatido não só em sala de aula, mas também chegar até as redes sociais, forjando outra identidade, provocando discussões, depoimentos e opiniões sobre o fanatismo religioso árabe, a respeito da valorização da vida e acerca da manutenção de tradições. O problema é que o adolescente extrapola os limites da fantasia e isso força seu tio a remexer em dolorosas lembranças do passado. Desde os atentados de 11 de setembro de 2001 o assunto terrorismo acabou sendo incorporado ao cotidiano popular. Antes do episódio muitos nem sabiam que essa palavra existia e os que tinham conhecimento imaginavam como algo distante, atos restritos a territórios árabes. A queda das torres gêmeas nos EUA deu sentido visual ao termo e resaltou o problema do preconceito étnico que perdura até hoje. Egoyan tem boas intenções ao mostrar como esse comportamento receoso interfere no dia-a-dia das pessoas através da repercussão da história criada por Simon, aliás, a trama do filme em si não é complexa, pelo contrário, é relativamente simples, mas para que simplificar quando se pode complicar? Praticamente um fetiche dos cineastas que batem cartão nos festivais mais prestigiados do mundo todo (se por ventura indicados aos Oscar e Globo de Ouro é por consequência de um marketing bem feito de seus produtos ou de seus próprios nomes), a trama entrecortada por flashbacks é muito apreciada por críticos que então conseguem avaliar o real talento de seus realizadores. Não é nada fácil manter uma linha de raciocínio durante as filmagens quando na edição tudo será misturado e ainda assim terá que respeitar certa lógica. Egoyan aposta em uma narrativa desenvolvida em tempos distintos. Ficção e realidade se alternam ao longo do filme, mas aos poucos o roteiro vai se tornando mais compreensível conforme os fatos encobertos pelas mentiras vêm à tona. O problema é que o início extremamente confuso pode afugentar o espectador. Temos um pouco da história fictícia de Simon e alguns flashs da sua verdadeira infância. Nos familiarizamos de sua relação com Tom e este trava um estranho diálogo sobre religião com uma mulher de origem árabe. Depois o jovem está em sala de aula lendo sua redação e em poucos minutos gravando o depoimento de seu avô relembrando a convivência com os pais do menino. Por fim, ainda temos o protagonista envolvido em uma acalorada discussão via internet sobre terrorismo.

A introdução realmente merece uma reavaliação por aqueles que tiverem disposição de chegar até os créditos finais. É nas últimas cenas que encontramos (algumas) respostas para este quebra-cabeça, ainda que algumas sequências poderiam ter sido excluídas, servem só para confundir. E não é apenas nos dez minutos iniciais que existem excessos, o filme todo poderia ter tido alguns cortes que certamente ajudariam a fluir a narrativa de forma mais agradável. Mesmo tendo um bonito final é difícil dizer que é um bom filme, pois o caminho para chegar até a conclusão é tortuoso. A obra tem pouco mais de uma hora e meia, mas parece que tem o dobro do tempo devido ao seu ritmo lento. Nem mesmo a narrativa entrecortada ajuda a dar alguma agilidade, pelo contrário, só contribui para tornar a produção mais arrastada visto que em vários momentos é possível se sentir “boiando” na história. O pior é notar que Egoyan tentou se comunicar com os tempos atuais, seria o grande trunfo do filme, mas se enrolou feio. Além de mostrar como o terrorismo desperta polêmicas, principalmente por conta dos atos violentos cometidos supostamente em prol de um bem maior, o cineasta quis avaliar como a velocidade na comunicação altera o cotidiano. A história criada por Simon poderia ter ficado restrita a sala de aula, no máximo chegar aos ouvidos de outros frequentadores do colégio, mas a partir do momento que caiu na internet o jovem autor conseguiu entrar em contato com os mais variados pensamentos a respeito do terrorismo. Adolescentes, idosos, pessoas maduras, homens, mulheres, americanos e até árabes, qualquer um que teve acesso a polêmica pode se manifestar no universo virtual que no filme parece muito adiantado. Simon consegue dividir sua tela do computador em vários quadrados, cada qual ocupado por uma pessoa conversando via webcam em tempo real, algo difícil para uma máquina de uso doméstico, ainda mais que o longa é de 2008. Por outro lado, ele pode usar vários equipamentos portáteis para alastrar sua trama ficcional, desde gravadores de voz até as câmeras de celulares, tudo para acrescentar mais veracidade e fomentar mais discussões. É uma pena que essas sequências de apelo tecnológico são enfadonhas e destoam do conjunto que já sofre de uma séria crise de identidade. Em suma, Adoração tem um bom argumento que poderia ser desenvolvido de forma simples e sem subestimar a inteligência do espectador, tampouco as plateias cults que parece ser o foco de Egoyan, todavia, desculpem o trocadilho, as intenções de fazer um filme-cabeça acabaram neste caso resultando em uma obra quase sem pé nem cabeça, mesmo assim vencedora do prêmio do Júri Ecumênico do Festival de Cannes.
Drama - 101 min - 2008 
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