NOTA 9,0 Protagonista é o retrato do povo humilde da Sicília após a Segunda Guerra e faz uso da magia do cinema para sobreviver em tempos de incertezas |
O cineasta tem competência de sobra para falar da Sicília,
seu cenário de costume, apesar de não ser natural da ilha, mas fez do local o
seu porto seguro cinematográfico. A Segunda Guerra ou o período posterior a ela
também são temas comuns em sua obra, pois remetem as memórias de sua infância.
Um cenário belíssimo na Itália, a paixão pelo cinema e o contexto histórico
como pano de fundo são os ingredientes básicos de grande parte da filmografia
de Tornatore e sempre ganham uma nova visão através de propostas diferenciadas
de trabalho. Para narrar a vida de peripécias e amores de Morelli o tema
central é entender uma cultura através do próprio cinema. O protagonista é um
dos tantos que tentaram seguir a vida após o período de combates inventando
atividades para sobreviver. Por trás da aparente malandragem de enganar os
populares que queriam uma oportunidade de brilhar e serem lembrados se escondia
um homem ingênuo e sonhador, assim como sua clientela, e ele só se destacava
porque achou um meio para tanto, apesar que depois isso lhe traria
complicações. O filme consegue trazer uma linha narrativa diferenciada das
tradicionais tragicomédias, aquelas que começam leves e com momentos divertidos
e que aos poucos deixam cair o ritmo e abrindo espaço para as desgraças
acontecerem. Aqui Tornatore consegue dividir sua trama em dois momentos
distintos e uma cena em particular trata de romper com um gênero para abraçar
outro. O amor ao cinema fica declaradamente em segundo plano para dar espaço a
um retrato realista e contundente de uma Sicília ferida após a guerra e com uma
população contrastante e variada, mas que pode ser resumida em uma única
pessoa: Morelli. Pessoa humilde, batalhadora e que não quer ter sua passagem na
Terra despercebida. Enfim, um típico siciliano. Um típico italiano. Um típico
ser humano com todos os seus defeitos e qualidades. Quem aprecia o cinema
brasileiro pode até notar semelhanças do argumento com Bye Bye Brasil, que
aborda uma trupe de artistas de rua que viaja para regiões interioranas
vendendo ilusões, e também com Central do Brasil, no qual a protagonista
escrevia cartas dando esperanças aos que não sabiam ler e escrever que seus
parentes distantes receberiam notícias, porém, as cartas nunca eram enviadas,
somente o dinheiro lhe interessava até que algo lhe faz repensar suas atitudes.
O roteiro assinado por Tornatore em parceria com Fabio
Rinaudo no fundo desenvolve uma temática presente até os dias atuais, a busca
pela fama e o enriquecimento rápido. No passado, fazer cinema era o que
alimentava os sonhos de populares. Hoje, ter os quinze minutos de fama na TV já
são o suficiente para alguns darem uma guinada em suas vidas, mesmo que isso
acarrete uma avalanche de achincalhes. Ilustrando tal ilusão, surge em cena o
Brigadeiro Mastropaolo (Franco Scaldati), que por traz de sua farda imponente
esconde-se um sujeito frustrado que entrou para a carreira policial apenas para
agradar ao pai, mas deixa subentendido que a época e o local não lhe permitiam
sonhar mais alto. Assim como ele, muitos outros populares expuseram seus
desejos confiando no caráter de Morelli, mas sem perceber que a câmera nada
filmava. Aparentemente simples, O Homem das Estrelas é mais um
importante trabalho de Tornatore que só revela sua beleza e raízes quando
dissecado minuciosamente. A poesia do texto e as belas paisagens impressas em
cada cena podem dispersar a atenção do conteúdo implícito e é preciso pelo mais
uma sessão para poder se aprofundar no enredo. O próprio cineasta comparou esta
obra a seu sucesso máximo, Cinema Paradiso. Enquanto em sua oscarizada produção
procurou extravasar seu amor pelo cinema deixando a Sicília em segunda plano,
anos depois sua intenção era colocar sua amada cidade em destaque e usou a
magia das telonas para denunciar a situação de miséria de boa parte da
população local. A arte cinematográfica encanta e seduz, mas também pode trair
e fazer sofrer. Não há desculpas para explicar o porquê desta produção não
estar disponível no mercado de varejo ou locação hoje em dia no Brasil e em
tantos outros países Tema relevante, obra prestigiada e premiada, um cineasta
cultuado por trás das câmeras e uma excelente história. Com certeza
saudosistas, cinéfilos e novas plateias se interessariam pelo título. Pena que
o ditado que diz que brasileiro tem memória curta parece reger as ações da
maioria das distribuidoras e produtoras de filmes que ainda nos privam de
grandes obras do cinema.
Drama - 113 min - 1995
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