NOTA 9,0 Mescla de drama e suspense é imprevisível, cheio de reviravoltas e desperta as mais variadas sensações |
É curioso como uma
pequena indicação no pôster ou na capa do DVD de que um filme concorreu ou
ganhou algum prêmio consiga fascinar tanto o público. Se o Oscar ou o Globo de
Ouro para alguns é sinônimo de qualidade, para um nicho apenas aparentemente
pequeno outras premiações têm importância bem superior, como é o caso do
Festival de Cannes, badalação que tratou de fomentar a fama de Oldboy, misto de drama, ação e
suspense oriundo da Coréia do Sul cuja temática e estética estão longe da
delicadeza das tradicionais obras locais ou da suntuosidade de seus longas de
artes marciais e épicos. Quem encara produções do tipo apenas na lábia de que podem
ser considerados intelectuais ou chiques por tal atitude certamente levam um
soco no estômago duas vezes mais dolorido que aqueles que já estão acostumados
e apreciam um cinema mais visceral. E o que deve ter de gente que se arrependeu
amargamente de viver esta experiência proposta pelo cineasta Chanwook Park deve
surpreender, mas não tanto quanto o espanto de ver o número de críticas
positivas à produção. Goste ou não, é certo que esta obra não deixa de mexer
com o emocional de ninguém. Pode arrancar elogios ou xingamentos inflamados,
mas ninguém fica passivo à perturbadora e bizarra história de Dae-su Oh (Min-sik
Choi), rapaz que é detido brevemente pela polícia após uma bebedeira, foi
solto, mas foi novamente retido, porém, não sabe por quem. O fato é que ele
acorda em uma espécie de quarto de hotel onde permaneceu enclausurado durante
quinze anos. Nesse tempo ocioso ele só consegue pensar em descobrir quem fez
aquilo, mas aparentemente existem diversas possibilidades para responder tal
dúvida. Entre sessões de hipnose através de um gás que o faz dormir, treinos de
boxe com a parede e a escrita de um diário pessoal, este homem vive alimentando
o desejo de vingança a qualquer preço. O único contato seu com o mundo exterior
é através das informações que consegue através da televisão e assim fica
sabendo que sua esposa foi assassinada e que ele é o principal suspeito do
crime. Quando libertado, mesmo com a memória comprometida, Dae-su imediatamente
quer começar a desvendar o que aconteceu e aos poucos passa a encontrar pessoas
que podem ajudá-lo nessa missão, mas nada que o faça esquecer da vingança.
Na saída de sua clausura
Dae-su encontra algum dinheiro, roupas e um telefone celular que não tarda a
tocar. A ligação misteriosa o desafia a descobrir o motivo de sua clausura e a
identidade de seu algoz. A única certeza
deste homem é que ele está sozinho no mundo, qualquer um pode ser seu inimigo
já que para todos os efeitos é um foragido da polícia. E o pior de tudo é que
toda tortura que passou trancafiado no quarto não é nada perto do que o espera
em liberdade. Não bastassem todos esses problemas, ele ainda quer descobrir o
paradeiro da filha que viu pela última vez com três anos de idade. Para
ajudá-lo com tantos conflitos, o roteiro escrito pelo próprio diretor em
parceria com os autores Jo-yoon Hwang e Joon-hyung Im aproxima o protagonista
da sushi-woman Mi-do (Hye-jeong Kang) que se compadece com sua situação. Se
você já estiver com o estômago revirado até a sequência do encontro dos dois e
deseja seguir em frente tome um sal de frutas e prepare o espírito. Não se
importe ao ver o protagonista devorar um polvo vivo, esta louca viagem ainda
tem muitas surpresas desagradáveis. Para os cinéfilos de plantão, que
geralmente detestam o estilo açucarado made in Hollywood, este trabalho é um
prato cheio e dos mais exóticos. A receita ganha um tempero especial com as
referências culturais inseridas. A clausura e o instinto de vingança nos
remetem a um clássico literário e já diversas vezes adaptado para o cinema, O Conde de Monte Cristo. O estilo do
herói solitário, destemido e algumas vezes parecendo ser feito de algum material
indestrutível é uma marca dos ianques, desde os destemidos príncipes e
cavaleiros dos épicos, passando pelos mocinhos dos faroestes até o perfil dos
brucutus encarnados Sylvester Stallone, Jean-Claude Van Damme e companhia
bela. O suspense implícito é de
qualidade a ser comparada a obra de Alfred Jitchcock e a violência gráfica e a
ousadia são típicos da escola de Quentin Tarantino, este que nunca negou sua
inspiração nas produções orientais. Não por acaso muitos filmes dos povos dos
olhinhos puxados chegaram a ter projeção fora de seus países de origem graças a
este cineasta que ajudou a criar interesse nessas culturas e na promoção de
diversos títulos, inclusive a produção de Park que ficou famosa após ganhar o
Grande Prêmio do Júri em Cannes 2004, evento presidido na ocasião pelo próprio
Tarantino. Só assim mesmo para uma obra tão ousada sair consagrada de um
festival que é cercado de glamour, mas pouquíssimas obras laureadas no evento
conseguem vencer a ação implacável do tempo. Este trabalho de Park não só
conseguiu se manter em evidência (ao menos entre os cinéfilos de carteirinha),
como também chamou a atenção de produtores de Hollywood que durante anos
alimentaram a vontade de fazer uma refilmagem, projeto que mesmo antes de seu
lançamento já divide opiniões,
principalmente dos fãs do original que temem que o conservadorismo americano
imponha sua força e altere a essência visceral do material.
Não é errado dizer que
o filme revela o que há de pior no ser humano, o que explica a repulsa da
maioria dos espectadores. Até para aqueles que gostam deve ser muito difícil
logo numa primeira apreciação se envolver com esta história. O impacto negativo
é muito forte e por várias razões. O conto original de Garon Tsuchiya e Nobuaki
Minegishi, que deu origem a um mangá japonês homônimo, é transformado em
imagens sujas, ora escuras demais, ora com cores vibrantes e por várias vezes o
estilo de filmagem lembra a algo amador ou envelhecido, mas tudo isso são
opções estéticas do diretor para enaltecer seu trabalho e diferenciá-lo. A
pouca iluminação, os cortes rápidos de edição, as tomadas curtas e até as
sequências mais grotescas e escatológicas, tudo está a serviço da trama
colaborando para que a sensação de claustrofobia seja intensificada. Mesmo
quando o protagonista está em liberdade tal desconforto diminui, pelo
contrário. Enquanto Dae-su está na sua jornada investigativa, que se apóia em
hipóteses curiosas como chegar ao criminoso procurando em restaurantes o mesmo
sabor da comida que lhe era servida no cativeiro, paralelamente o sequestrador
misterioso está onipresente em toda a narrativa, mas à espreita e revelando
cuidadosamente todo o mistério. E Chanwook vai envolvendo ou repudiando cada
vez mais o espectador com cenas bacanas como a sequência em que o protagonista
é jogado de um lado para o outro atingindo e estilhaçando vitrines de vidros,
uma metáfora visual que faz alusão que ele seria uma peça de um jogo articulado
pelo vilão, e outras vezes apelando para o estilo trash como na cena em que em
poucos minutos Dae-su liquida dezenas de inimigos como se fosse um super-herói,
tipo que ele passa longe como fica provado em tantas outras cenas que
demonstram suas fragilidades. Este é
um filme que em geral sustenta sua audiência na base da curiosidade. São tantas
coisas imprevisíveis logo nos primeiros minutos que é difícil não ficar na
tentação de ver até onde essa história tão bizarra vai parar. Além do inegável
talento do diretor, roteiristas e equipe técnica que criou uma atmosfera
perfeita, o ator Min-sik Choi também é o responsável por boa parte das
atenções. Com cabelos desgrenhados, aspecto sujo e feições que sugerem
inocência e em alguns momentos perversidade, o protagonista não teve medo de se
entregar ao personagem e um close seu com um sorriso engraçado, mas ao mesmo
tempo perturbadoramente sinistro já virou uma imagem antológica na História do
cinema. Ele dispensou dublês, submeteu-se a treinos pesados para as cenas de
lutas e emagreceu doze quilos para dar veracidade a sua criação, sem dúvida a
alma de uma produção tão mórbida. Participante de uma trilogia em que cada
título é protagonizado por uma pessoa injustiçada em busca de reparação e
justiça por conta própria (os outros filmes são Mr. Vingança e Lady Vingança),
Oldboy é a obra de maior
repercussão entre todos eles. Como já dito, você pode gostar ou odiá-lo, cada
pessoa tem uma percepção particular acentuada neste caso, porém, não se pode
negar que é um projeto que desperta algum ou vários tipos de sentimentos. Veja
ou reveja e descubra quais as sensações que ele lhe provoca.
Drama - 120 min - 2003
Por revelar o pior do ser humano é que amo o filme.
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