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quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

UM DIA MUITO ESPECIAL (2005)

NOTA 6,0

Produção de país pouco conhecido
surpreende com seu visual, mas
seu estilo narrativo e o próprio
enredo são irregulares
Com o sucesso de mostras de cinema, a imprensa dando destaque a premiações menores ou praticamente desconhecidas e distribuidoras especializadas em garimpar títulos raros mundo a fora, tem se tornado cada vez mais acessíveis obras de países distantes e de cultura pouco difundida como Croácia, Finlândia, Nova Zelândia entre tantos outros. Nessa onda de cinema globalizado, que tal curtir uma produção do Tadjiquistão? De onde? Pois é, este país provavelmente a maioria sequer sabe que existe, que dirá que lá também são feitos filmes? Localizado na Ásia Central e fazendo fronteira com o Afeganistão, o país até compartilha diversas características com o seu vizinho cuja imagem nos acostumamos afiliar ao sentido da palavra devastação, mas o que vemos em Um Dia Muito Especial é uma paisagem bem diferente, uma região com belas paisagens outonais, talvez o verdadeiro trunfo do projeto que é um tanto irregular. Falado no idioma local, o tadjique, este filme na realidade também é uma co-produção com a França e o Irã, um drama romântico leve, porém, por vezes estranho e que coloca em discussão a paixão e a possessão em uma sociedade onde homens e mulheres não dividem as mesmas regras. Contudo, esqueça a imagem da mulher asiática submissa para conhecer perfis femininos bem mais próximos do comportamento das ocidentais. A trama começa nos apresentando o protagonista Jân (Daler Nazarov) que no dia de seu aniversário de quarenta anos resolve fazer, em suas palavras, uma revolução contra si mesmo. Ele quer revelar um grande segredo que mudará sua vida para sempre e então marca um encontro com quatro mulheres em sua escola de dança. Mariam (Mariam Gaibova), Farzaneh (Farzona Beknazarova), Tahmineh (Tahmineh Ebrahimova) e Malahat (Malohat Abdulloev) comparecem no horário marcado, mas nunca se viram e nem esperavam se encontrar. Certamente estavam esperando um encontro romântico com o namorado. Sim, todas elas estavam se relacionando com Jân, este que finalmente decidiu abrir o jogo e tentar explicar seus sentimentos. Ele ama a todas elas, cada uma de uma forma, mas só agora ele se deu conta que seu tempo é limitado para se dedicar o suficiente e corresponder a esses amores, embora seus encontros sempre fossem cronometrados com um antigo relógio.

Se fosse um filme americano, certamente tal premissa seria um prato cheio para uma comédia pastelão, com direito a barraco entre as quatro amantes e planos de vingança, mas esta é uma produção diferenciada. Ao invés de brigarem, as mulheres começam a dançar ao som de uma agradável melodia enquanto escutam atentas as explicações do quarentão. Para nossos padrões a aparente indiferença das mulheres quanto a traição é um pouco incômoda, o que compromete a narrativa assim como tantos outros detalhes. As cenas do presente, quase um teatro musical filmado, são entrecortadas por flashbacks que mostram o início da relação de Jân com cada uma delas, apenas uma dessas histórias é omitida, o que já traz certo desequilíbrio ao enredo. Quando percebemos o exagero de tempo dedicado a subtrama de uma das amantes, completamente desproporcional ao das demais, a tendência é já tecermos comentários negativos, todavia, ao mesmo tempo em que encontramos pontos críticos ainda nos sentimos tentados a dar continuidade, talvez embriagados pela atmosfera diferenciada e fascinante da obra. Em tempos em que falta amor entre os seres humanos, chega a ser reconfortante acompanhar os esforços de um homem em tentar convencer suas amantes e o próprio espectador que ele não é um malandro, apenas uma pessoa sentimental, que busca a felicidade e que procurou levar a sério a máxima que diz que a vida é curta e não se pode deixar passar as oportunidades. A riqueza de detalhes com que Jân conta como conheceu Mariam, por exemplo, é extremamente envolvente, até porque parte de uma ideia típica de produções americanas. Único passageiro de um avião, homem desiludido com sua vida amorosa sente pela primeira vez que tem a real atenção de uma mulher, a aeromoça. Após muitos amores terrenos, pela primeira vez e literalmente ele vivia um amor celestial, dos céus. Não é a toa que a jovem tem mais tempo de tela que as demais. Farzaneh ele conheceu quando saia de um bar, na mesma noite foi para a casa dela, mas o misto de desejo e repulsa da moça quanto a um desconhecido não envolve quem está assistindo. Já Tahmineh, funcionária de um hospital, ele conheceu certa vez que precisou ser internado. O gosto pela poesia os aproximou, mas como em todos os casos amorosos os eventos triviais do dia-a-dia acabaram por esfriar a relação, segundo o próprio Jân filosofa. A forma como conheceu Malahat não é explicada como já dito. Poderia ser propositalmente, mas no conjunto soa mais como uma falha do texto.

Escrito e dirigido por Mohsen Makhmalbaf, esta obra é literalmente para quem gosta de filmes alternativos, mas mesmo os adeptos devem custar a tecer elogios rasgados. A introdução com Jân fazendo os convites através de mensagens que deixa em secretárias eletrônicas é bem interessante, mas não tarda a nos perguntarmos aonde o filme quer chegar. Não deixa de ser estranho ver as mulheres dançando ao invés de chorarem ou extravasarem raiva, mas tal atitude é até justificada quando ficamos conhecendo detalhes de suas relações com o protagonista, todas muito frágeis, nenhum amor avassalador, embora pareça que o cineasta tente nos convencer do contrário visualmente e através das frases poéticas de Jân. Se a narrativa deixa a desejar, visualmente o longa é riquíssimo. Além do uso de cores vibrantes e paisagens maravilhosas, Makhmalbaf também capricha no uso de sua câmera, procurando captar a melancolia das cenas e fazer poesia com pequenos detalhes, como um lençol que divide a tela deixando um personagem de cada lado metaforizando que cada um está vivendo uma emoção diferente quanto ao amor ou um suave e sentimental toque de mãos em close evidenciando que apesar de Jân estar querendo se afastar de todas elas, ao menos uma realmente demonstra ter o amado de verdade. Por fim, Mariam e Malahat são as personagens femininas mais enigmáticas pelo tempo em cena contraditório. Uma aparece demais, a outra de menos. Qual delas teria uma surpresa ao final? A única coisa que se pode dizer, e já adiantando bastante, é que na conclusão o feitiço vira contra o feiticeiro. Originalmente “Sexo e Filosofia”, no Brasil a obra ganhou o genérico título Um Dia Muito Especial, mais um exemplo de marketing errado e que não transmite as reais intenções do enredo, uma discussão indolor a respeito do que é o amor. Para Jân tal sentimento é medido pelo tempo que uma relação pode durar honestamente, fazendo bem para todos os envolvidos, e não por questões de lealdade forçada e presas a convenções. Sua visão é liberal, mas bem realista. O problema é levá-la adiante em meio a sociedades hipócritas, esteja onde estiver, seja no Brasil, no Tadjiquistão ou onde for. Boa parte dos espectadores (que não devem somar um número exagerado) se sentiu atraída pelo açucarado título, provavelmente se decepcionou e consequentemente ajudou a jogar o longa no limbo. Longe de ser excepcional, todavia não merecia o esquecimento.

Drama - 101 min - 2005

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