Nota 8 Mercado clandestino de órgãos é revelado através de um pai tentando salvar a filha
As regiões que ficam na fronteira do México com os EUA são conhecidas pelas altas taxas de produção industrial visto o grande número de multinacionais que se instalam por lá em busca de benefícios fiscais e mão-de-obra barata, mas as mesmas áreas também carregam a fama de serem territórios perigosos e com grande concentração de atividades ilegais. Uma das cidades mais famosas da região é Juarez, local que já serviu como palco das ações de diversos filmes que procuraram denunciar os crimes que por lá ocorrem e são encobertos pela polícia e governantes. Drogas, prostituição, trabalho escravo, estupros e mutilações são alguns dos delitos comuns por lá, mas o longa Tráfico de Órgãos escancara mais uma absurda realidade. Como o próprio título deixa claro, o diretor Baltasar Kormákur explora a temática do comércio de órgãos humanos que chocantemente não se restringe a violentar cadáveres vítimas de morte natural.
Para escancarar os podres deste submundo o roteiro de Christian Escario, John Clafim e Walter A. Doty III mantém o foco em um pai desesperado para salvar a vida de sua filha pequena. O promotor público Paul Stanton (Dermot Mulroney) está sofrendo com a piora do estado de saúde da garotinha que tem uma doença degenerativa pulmonar. O tempo para salvá-la está se esgotando e ele se revolta quando descobre que surgiu um pulmão compatível e que está aguardando em uma unidade hospitalar próxima a eles, mas segundo a lista de cadastrados a espera de um transplante o órgão deveria ser destinado a um garoto que se encontra em uma cidade afastada, correndo inclusive o risco da doação perder a viabilidade. É nesse período que ele descobre que o político Jim Harrison (Sam Shepard) provavelmente furou a fila de espera e conseguiu um coração de forma ilegal, o que o faz viajar até Juarez em busca do médico que realizou esta cirurgia, mas parece que o tal Dr. Navarro é uma lenda. O que é realidade é que Stanton acaba se envolvendo com pessoas barra pesada, gente que está acostumada a tirar proveito dos visitantes e não pensa duas vezes se precisar matar alguém.
Por outro lado, o promotor também encontra gente do bem como o médico Hector Martinez (Vicent Perez), um dos voluntários de um hospital dedicado a atender a população carente local. Todavia, este profissional pode não ser tão bonzinho assim e acaba fazendo uma proposta tentadora a Stanton para salvar sua filha, porém, se aceitá-la ele estará em meio a um conflito ético afinal alguns dos lemas de sua profissão é preservar ao máximo a verdade e não infringir leis. Contudo, caso pense em seu próprio bem-estar, o promotor terá uma desagradável surpresa. Bem, não convém dizer qual o desfecho, mas fica o aviso de que Kormákur dá um belo de um soco no estômago do espectador. O filme obviamente não é uma produção para grandes plateias e foi lançado sem alardes, o que é uma pena já que a temática é universal. Segundo o longa, só nos EUA a procura por órgãos chega a ser dez vezes maior que a oferta, um nicho e tanto a ser explorado pelo crime organizado, ainda mais porque os envolvidos ao que tudo indica agem sem medo de qualquer tipo de repreensão.
O aspecto sujo e arenoso das imagens pode desagradar a muitos, mas combina muito bem com a temática ríspida que certamente deve mexer com o emocional até dos mais insensíveis. É perturbador ver que hoje em dia ética é um conceito quase em extinção, admitir que governantes e pessoas ligadas a área de saúde cometam crimes e fiquem impunes, perceber o quanto o ser humano pode ser egoísta e cruel e ainda constatar que continuam existindo lugares paupérrimos no mundo onde as pessoas vivem como animais literalmente esperando a hora de seus abates. O comércio clandestino de órgãos é praticamente um ato de canibalismo cujas principais vítimas são aquelas mais miseráveis. Se estiver sozinho no mundo ou não tiver expectativas para o futuro, quem se importaria com o sumiço de alguém nestas circunstâncias? Por outro lado é possível viver em paz sabendo que seu bem-estar provém do sofrimento de outra pessoa? Com estilo narrativo enxuto e sustentado em cima de uma série de denúncias, Tráfico de Órgãos serve como um registro de um período e um lugar peculiar onde realmente vale tudo por dinheiro.
É muito bom ver que um filme aparentemente sem atrativos no final das contas se revela uma grande produção em termos de conteúdo, mas é uma pena que trabalhos do tipo acabem sumindo em meio aos blockbusters, muitos deles de qualidade duvidosa e com roteiros sem um pingo de criatividade. Talvez disponível em algum serviço de streaming da vida ou garimpando pela internet, eis aqui um belo exemplo, um filme-denúncia extremamente eficiente e que certamente fará o espectador refletir por muito tempo, se sentir no lugar do protagonista e imaginar o que faria em uma situação semelhante, afinal de contas ninguém está livre de viver um problema do tipo e órgão compatível não se compra em qualquer esquina. Bem, há controvérsias. Em Juarez tal ironia pode fazer sentido.
Drama - 83 min - 2010
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