Nota 7 Obra aborda caso verídico de mulher vítima fatal de preconceito e absolvida tarde demais
Uma mulher é condenada a morte por conta do assassinato de um homem, mesmo alegando que agiu em legítima defesa. Esse realmente é o desfecho de A Verdadeira História de Lena Baker, mas saber como essa produção acaba não tira o prazer e a emoção de acompanhar a dramatização da história real da primeira e única mulher a ser condenada a cadeira elétrica no estado da Georgia, nos EUA. Se hoje em dia o preconceito racial ainda gera muitas discussões em todo o mundo, imagine como as coisas eram no início do século 20, principalmente em solo americano que serviu de palco para alguns dos principais conflitos étnicos da História mundial, em especial a região sul do país que virou uma espécie de refúgio dos negros. Lena Baker (Tichina Arnold) nasceu em uma família humilde, mas o longa escrito e dirigido por Ralph Wilcox não conta a história desta sofrida mulher de forma linear. Baseado no livro de Lela Bond Philips e Karam Pittman, a narrativa na verdade começa na noite de 30 de abril de 1944, data que mudaria o destino de Lena radicalmente. Seu choro sincero já denuncia que ela fez algo de muito grave, mas descobrir o que a levou a cometer um ato de loucura é o que importa nesta produção que constantemente vai e volta no tempo.
Quando criança, Lena era uma garota muito ajuizada, religiosa e esforçada que ajudava a mãe Annie (Bevery Todd) na colheita de algodão nas fazendas da região, mas já demonstrava sua indignação quanto ao preconceito que os negros sofriam. Assim como ocorreu no Brasil, a libertação dos escravos em terras americanas teoricamente foi cumprida, mas na prática as coisas continuaram na mesma, pois não haviam alternativas para os recém-libertos trabalharem fora das lavouras ou serviços domésticos nas casas dos brancos. Contudo, Lena chegou a conhecer patrões muito bondosos, embora sua mãe sempre recomendasse que a garota tomasse conhecimento de sua posição na sociedade. Quando adolescente, seu grande amigo de infância Royal (Laman Parkins Jr.) acabou se metendo em uma confusão por ter matado um homem e decidiu abandonar o campo e fugir para a cidade grande e foi no desespero que Lena também resolveu jogar tudo para o alto e tentar mudar os rumos de sua vida, assim como sua amiga Netty (Jasmine Farmer). Contudo, as garotas não conseguem mais achar Royal e as coisas se mostram mais difíceis do que pareciam. Lena sonhava em ter seu talento como cantora reconhecido nos clubes noturnos, habilidade que já demonstrava nos corais da igreja, mas acabou tendo que se prostituir, situação que encarava com mais dificuldades que sua amiga.
Quem procurava os serviços de prostituição eram homens brancos, rapazes muito jovens ou mais maduros em busca de diversão, muitos deles casados e defensores da moral e dos bons costumes. Já era de se esperar que em algum momento as moças seriam denunciadas pela atividade, afinal elas seriam as responsáveis por desvirtuar os homens de bem, o que levou Lena a passar alguns meses na prisão. Annie ficou arrasada com os rumos que a vida da filha tomou, mas apesar da vergonha que sente sua patroa na ocasião, a Sra. Riddle (Susie Spear), demonstra compaixão pela situação de Lena, esta que acaba sendo aceita pela mãe algum tempo depois graças aos conselhos do Reverendo James (Paul Montgomery), uma espécie de mentor para os religiosos da região. A ex-prostituta então começa a busca pela redenção e faz questão de passar aos seus filhos (cujas origens paternas não são reveladas) conceitos religiosos, todavia, seu período de abstinência do prazer sexual e do consumo de álcool não tarda a ser interrompido. A moça é contratada por Max Arthur (Chris Burns) para cuidar de seu pai, o Sr. Elliot (Peter Coyote), um recém-viúvo que cultiva má fama pela região por não ser um homem fácil de lidar. Lena aceita receosa, mas a busca por melhores condições de vida para seus filhos, ainda que as chances fossem remotas, fala mais alto. Logo no primeiro dia de trabalho, Elliot a provoca com questões a respeito de seu passado como prostituta e insiste para que comece a beber junto com ele, algo que ela já não fazia há anos.
O tempo foi passando e Lena não abandonou o emprego, pelo contrário, cada vez passava mais tempo no moinho da família Arthur, o que provocava a curiosidade da população e a ira de Max que apesar de saber que o pai não é nenhum santo faz questão de tapar o sol com a peneira jogando a culpa pelos vícios e o declínio da saúde física e mental dele na empregada, aproveitando-se mais uma vez do passado desfrutável dela. Na realidade Lena até tentava se esquivar do assédio do patrão, mas acabava sempre seduzida e embriagada, assim sendo constantemente agredida e violentada sexualmente. E a relação conturbada entre a sofrida mulher e o idoso foi desenvolvida durante anos, incluindo um período em que ele a sequestrou para levá-la a Flórida quando foi obrigado a viver na companhia de seu outro filho, Barry (Kenny Cook). De volta a Georgia, o relacionamento perdurou por cerca de três anos, mas o Estado proibia que um homem branco vivesse com uma mulher de cor, obviamente sendo considerado um crime por parte dela, efeitos do preconceito enraizado em uma sociedade extremamente hipócrita. Mesmo com a proteção de família e amigos, Elliot sempre dava um jeito de levar Lena para sua casa até que a situação chegou ao ápice do tolerável. Alegando legítima defesa, ela assassinou seu patrão e imediatamente foi presa, mas teria sido seu crime ter matado um homem ou ser uma negra que para todos os efeitos invadiu a propriedade de um branco? A segunda hipótese pesou mais em seu julgamento certamente.
A Verdadeira História de Lena Baker esteticamente é uma produção simplória, praticamente com visual de telefilme, mas cumpre bem seu papel de levar a público uma história que de certa forma é um tanto cruel. A sensação é que todo o circo promovido para o julgamento foi apenas uma forma de escamotear a sujeira que já estava previamente estabelecida. O próprio Max tratava de fazer intrigas e conchavos contra a condenada, uma maneira de esconder os podres de seu pai o que poderia arruinar também a sua reputação. Sem dúvidas, matar um homem poderia render a Lena alguns bons anos de clausura, mas seu maior pecado foi nascer com a pele escura. O longa segue a risca a trajetória criminal desta sofrida mulher, respeitando a fase do julgamento, apelação e finalmente sua execução, não faltando no final o adendo de que ela foi perdoada em 2005 pelo Estado da Georgia, seis décadas após sua morte, que assumiu que o veredicto original foi racista. Apesar da temática angustiante, o longa ganha certo respiro com as intercalações de cenas do passado e do presente (período de clausura e julgamento) da protagonista e merece ser visto para pensarmos a que ponto absurdo que o preconceito pode levar as pessoas. E quantas ainda hoje em dia olham com desconfiança para negros passando adiante pensamentos mesquinhos e ignorantes?
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