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segunda-feira, 28 de março de 2016

PESADELO AMERICANO

NOTA 6,5

Com várias histórias sendo
narradas ao mesmo tempo,
drama aborda como a violência
interfere no cotidiano em geral
Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, fatídico episódio que parece que de uma vez por todas revelou ao mundo a fragilidade que os poderosos americanos tentavam esconder ao máximo para não diminuir o status e o poder de sua pátria, o cinema aparentemente passou a ter mais liberdade para abordar assuntos que antes eram jogados para debaixo do tapete para não aparecem nas fotografias e filmagens de um país que há séculos cultiva a soberania e a ilusão de que a felicidade mora lá. Bem, o cinema independente é que na realidade tem essa liberdade maior para mexer em feridas, mas cada vez mais tem sido frequente que pequenas obras sobre assuntos polêmicos tenham seu valor reconhecido e acabem furando as barreiras impostas ao cinema de arte ou de autor e passem a dividir espaço com o cinemão de Hollywood. Outro ponto interessante é que tais obras também apostam muito nas tramas interligadas, aquelas em que os conflitos de diversos personagens têm algum ponto em comum ou em alguns casos são todos dependentes, sendo alguns dos mais famosos exemplos desse casamento de temática e estilo narrativo Crash – No Limite e Babel. O problema desse tipo de filme é que geralmente ele frustra o espectador. Facilmente eles ganham prêmios, em pequenos ou grandes eventos, mas a opinião dos críticos e votantes deve levar em consideração a coragem de abordar temas controversos e as dificuldades que implicam a construção de uma narrativa picotada, mas para o público comum por vezes é um tanto tedioso ou dificultoso acompanhar narrativas assim e o incômodo é potencializado quando no final das contas o pacote não é fechado com um laço que una todas as pontas soltas. Pesadelo Americano, por exemplo, é um projeto independente e cheio de boas intenções, mas que abre mão de uma conclusão apoteótica, mesmo que infeliz. Exibido em alguns festivais menos divulgados, incluindo indicações ao Independent Spirit Awards, o Oscar dos independentes, o longa dirigido por Aric Avelino e com roteiro do próprio em parceria com Steven Bagatourian surgiu a partir de um artigo do jornal “Los Angeles Times” sobre estudantes que vão à escola armados, porém, sem a intenção de utilizá-las, apenas precaução para quando saem das instituições e precisam enfrentar os perigos das ruas. A legítima defesa é compreensível, mas o inesperado sempre pode acontecer. Um adolescente em sã consciência pode não ver problemas em andar armado, mas será que em sua cabeça passa a possibilidade de que a arma pode cair em mãos erradas e provocar uma tragédia?

A trama começa com um diálogo em off de uma mulher desesperada pedindo ajuda a polícia devido a uma chacina que aconteceu em um colégio em Oregon provocada por dois adolescentes. Três anos se passaram e a tragédia ainda continua causando reações e discussões. A mãe de um dos assassinos que acabou morrendo também, Janet (Marcia Gay Harden), aceita dar seu depoimento a um programa de TV que está fazendo uma retrospectiva do triste episódio. Em troca ela vai ganhar um dinheirinho extra para completar a renda, atitude que envergonha seu outro filho, David (Chris Marquette), adolescente revoltado pelo fato de se sentir marcado pelo crime do irmão e que vive mudando de colégio graças as constantes trocas de emprego da mãe que também parece estigmatizada. No mesmo documentário aparece em cenas de arquivo o policial Frank (Tony Goldwyn) que colaborou no salvamento das vítimas, porém, o seu trabalho e o dos colegas de corporação é alvo de críticas dos parentes das vítimas, professores e até a jornalista responsável de certa forma colabora para enfatizar que a ajuda da polícia foi ineficiente. Irritado, Frank pede direito de resposta em rede nacional e acaba revivendo as emoções dolorosas que pensava já estarem definitivamente enterradas. Em outro colégio, na Virgínia, Carter (Forest Whitaker) é um diretor que tenta ao máximo preservar a idoneidade de seus alunos, a começar pelo seu próprio filho, o pequeno Hakeem (Blake Nightower). Como teve uma infância difícil, ele cria seu filho ensinando a dar o devido valor as coisas, mas mesmo assim falta diálogo entre pai e filho o que tira do sério a sua esposa, Sara (Garcelle Bealivais- Nilon), que não se conforma do garoto ter visto o corpo de uma mulher morta a facadas na rua e não ter esboçado reação. Nesta escola também estuda Jay (Arien Escarpeta), um jovem com boas notas e que trabalha a noite como atendente em um posto de gasolina de auto-atendimento. Diante dos perigos que corre a noite e mesmo durante o dia, ele se acostumou a andar armado, mas deseja nunca ter que atirar em ninguém, contudo, suas intenções são mal interpretadas por Carter. Paralelo a isso, a jovem Mary Ann (Linda Carellini) está desanimada em ter que trabalhar na loja de armas do avô, Carl (Donald Sutherland), praticamente uma tradição de família. Não lhe agrada nada ter que lidar com armamentos, mas seu olhar sobre este comércio muda quando ela se dá conta de que as armas descarregadas são inofensivas, o perigo mesmo está nas mãos daqueles que as compram e no que suas mentes planejam.

Divulgado como um trabalho que faz uma crítica explícita a liberdade do uso de armas de fogo e o fascínio que elas exercem sobre os americanos, o longa na realidade aborda muito mais coisas, mensagens que não servem apenas para os ianques, mas dialogam perfeitamente com os espectadores de qualquer parte do mundo em tempos em que a violência é um problema universal. Temos um personagem que representa a premissa do projeto, mas Avelino abre espaço para falar que não é apenas uma arma que pode representar perigo na sociedade. A mãe com vida desregrada é um mau exemplo ao filho, os vizinhos revoltados ou uma crítica irresponsável podem ser tão perturbadores quanto o som de um tiro e a falta de diálogo em casa pode ser fatal para o desenvolvimento de uma criança. Analisando bem, a palavra é o grande mote desta produção. Um revólver, uma faca ou qualquer outro objeto que possa oferecer perigo só cumprem tal papel quando acionados e teoricamente o pudor e as convenções evitam que um bom número de acidentes e tragédias se concretize. Todavia, o poder da palavra ou sua ausência podem ser armas potenciais. O conturbado relacionamento entre David e Janet é potencializado pelas conversas truncadas que travam, geralmente envoltas a gritarias e cobranças, tanto que a mãe acredita que o filho é drogado quando na verdade ele erroneamente guarda tal porcaria para um amigo. Frank se sentiu diminuído graças as denúncias agressivas que o trabalho dos policiais recebeu, mas sua imagem é que ilustrava tais depoimentos. Somente ele para descrever a tensão e o sofrimento que vivenciou, todo o resto são impressões de pessoas mal intencionadas ou até compreensíveis diante da dor dos parentes das vítimas. Hakeem pode se tornar um adulto tolerante a tudo ou perturbado sem a orientação dos pais para ensiná-lo que nem tudo que ele vê no dia-a-dia é normal, existem bizarrices que precisam ser combatidas. Por fim, Carl já está tão imerso no mundo dos armamentos que não consegue perceber que nem todos acham comum tal comércio e sua neta precisou presenciar atos cruéis nas ruas (na verdade apenas a agressão de uma amiga em uma festa) para perceber que a crueldade é humana, não material. Pesadelo Americano é um produto que merece respeito, tem um bom conteúdo, mas peca por não se aprofundar totalmente em nenhuma de suas tramas, além de seu desfecho ausente de tensão ou conflito ser frustrante, mas dos males o menor. Apesar de alguns bons momentos serem desperdiçados, como a tentativa de assalto sofrida por Jay em seu trabalho, é um filme que merece ser discutido, uma excelente opção para escolas, faculdades ou qualquer grupo social que esteja disposto a fazer um amanhã diferente. O final fraquinho e as histórias sem um grande clímax podem ser vistas como uma opção do diretor em deixar para o espectador tirar suas próprias conclusões.

Drama - 95 min - 2004 

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