NOTA 6,5 Com várias histórias sendo narradas ao mesmo tempo, drama aborda como a violência interfere no cotidiano em geral |
Depois dos atentados de 11 de setembro
de 2001, fatídico episódio que parece que de uma vez por todas revelou ao mundo
a fragilidade que os poderosos americanos tentavam esconder ao máximo para não
diminuir o status e o poder de sua pátria, o cinema aparentemente passou a ter
mais liberdade para abordar assuntos que antes eram jogados para debaixo do
tapete para não aparecem nas fotografias e filmagens de um país que há séculos
cultiva a soberania e a ilusão de que a felicidade mora lá. Bem, o cinema
independente é que na realidade tem essa liberdade maior para mexer em feridas,
mas cada vez mais tem sido frequente que pequenas obras sobre assuntos
polêmicos tenham seu valor reconhecido e acabem furando as barreiras impostas
ao cinema de arte ou de autor e passem a dividir espaço com o cinemão de
Hollywood. Outro ponto interessante é que tais obras também apostam muito nas
tramas interligadas, aquelas em que os conflitos de diversos personagens têm
algum ponto em comum ou em alguns casos são todos dependentes, sendo alguns dos
mais famosos exemplos desse casamento de temática e estilo narrativo Crash – No Limite e Babel. O problema desse tipo de filme é que geralmente ele frustra
o espectador. Facilmente eles ganham prêmios, em pequenos ou grandes eventos,
mas a opinião dos críticos e votantes deve levar em consideração a coragem de
abordar temas controversos e as dificuldades que implicam a construção de uma
narrativa picotada, mas para o público comum por vezes é um tanto tedioso ou
dificultoso acompanhar narrativas assim e o incômodo é potencializado quando no
final das contas o pacote não é fechado com um laço que una todas as pontas
soltas. Pesadelo Americano, por exemplo, é um projeto independente e
cheio de boas intenções, mas que abre mão de uma conclusão apoteótica, mesmo
que infeliz. Exibido em alguns festivais menos divulgados, incluindo indicações
ao Independent Spirit Awards, o Oscar dos independentes, o longa dirigido por
Aric Avelino e com roteiro do próprio em parceria com Steven Bagatourian surgiu
a partir de um artigo do jornal “Los Angeles Times” sobre estudantes que vão à
escola armados, porém, sem a intenção de utilizá-las, apenas precaução para
quando saem das instituições e precisam enfrentar os perigos das ruas. A
legítima defesa é compreensível, mas o inesperado sempre pode acontecer. Um
adolescente em sã consciência pode não ver problemas em andar armado, mas será
que em sua cabeça passa a possibilidade de que a arma pode cair em mãos erradas
e provocar uma tragédia?
A trama começa com um diálogo em off de
uma mulher desesperada pedindo ajuda a polícia devido a uma chacina que
aconteceu em um colégio em Oregon provocada por dois adolescentes. Três anos se
passaram e a tragédia ainda continua causando reações e discussões. A mãe de um
dos assassinos que acabou morrendo também, Janet (Marcia Gay Harden), aceita
dar seu depoimento a um programa de TV que está fazendo uma retrospectiva do triste
episódio. Em troca ela vai ganhar um dinheirinho extra para completar a renda,
atitude que envergonha seu outro filho, David (Chris Marquette), adolescente
revoltado pelo fato de se sentir marcado pelo crime do irmão e que vive mudando
de colégio graças as constantes trocas de emprego da mãe que também parece
estigmatizada. No mesmo documentário aparece em cenas de arquivo o policial
Frank (Tony Goldwyn) que colaborou no salvamento das vítimas, porém, o seu
trabalho e o dos colegas de corporação é alvo de críticas dos parentes das
vítimas, professores e até a jornalista responsável de certa forma colabora
para enfatizar que a ajuda da polícia foi ineficiente. Irritado, Frank pede
direito de resposta em rede nacional e acaba revivendo as emoções dolorosas que
pensava já estarem definitivamente enterradas. Em outro colégio, na Virgínia, Carter
(Forest Whitaker) é um diretor que tenta ao máximo preservar a idoneidade de
seus alunos, a começar pelo seu próprio filho, o pequeno Hakeem (Blake Nightower).
Como teve uma infância difícil, ele cria seu filho ensinando a dar o devido
valor as coisas, mas mesmo assim falta diálogo entre pai e filho o que tira do
sério a sua esposa, Sara (Garcelle Bealivais- Nilon), que não se conforma do
garoto ter visto o corpo de uma mulher morta a facadas na rua e não ter
esboçado reação. Nesta escola também estuda Jay (Arien Escarpeta), um jovem com
boas notas e que trabalha a noite como atendente em um posto de gasolina de
auto-atendimento. Diante dos perigos que corre a noite e mesmo durante o dia,
ele se acostumou a andar armado, mas deseja nunca ter que atirar em ninguém,
contudo, suas intenções são mal interpretadas por Carter. Paralelo a isso, a
jovem Mary Ann (Linda Carellini) está desanimada em ter que trabalhar na loja
de armas do avô, Carl (Donald Sutherland), praticamente uma tradição de
família. Não lhe agrada nada ter que lidar com armamentos, mas seu olhar sobre
este comércio muda quando ela se dá conta de que as armas descarregadas são
inofensivas, o perigo mesmo está nas mãos daqueles que as compram e no que suas
mentes planejam.
Divulgado como um trabalho que faz uma
crítica explícita a liberdade do uso de armas de fogo e o fascínio que elas
exercem sobre os americanos, o longa na realidade aborda muito mais coisas,
mensagens que não servem apenas para os ianques, mas dialogam perfeitamente com
os espectadores de qualquer parte do mundo em tempos em que a violência é um
problema universal. Temos um personagem que representa a premissa do projeto,
mas Avelino abre espaço para falar que não é apenas uma arma que pode
representar perigo na sociedade. A mãe com vida desregrada é um mau exemplo ao
filho, os vizinhos revoltados ou uma crítica irresponsável podem ser tão
perturbadores quanto o som de um tiro e a falta de diálogo em casa pode ser
fatal para o desenvolvimento de uma criança. Analisando bem, a palavra é o
grande mote desta produção. Um revólver, uma faca ou qualquer outro objeto que
possa oferecer perigo só cumprem tal papel quando acionados e teoricamente o
pudor e as convenções evitam que um bom número de acidentes e tragédias se concretize.
Todavia, o poder da palavra ou sua ausência podem ser armas potenciais. O
conturbado relacionamento entre David e Janet é potencializado pelas conversas
truncadas que travam, geralmente envoltas a gritarias e cobranças, tanto que a
mãe acredita que o filho é drogado quando na verdade ele erroneamente guarda
tal porcaria para um amigo. Frank se sentiu diminuído graças as denúncias agressivas
que o trabalho dos policiais recebeu, mas sua imagem é que ilustrava tais
depoimentos. Somente ele para descrever a tensão e o sofrimento que vivenciou,
todo o resto são impressões de pessoas mal intencionadas ou até compreensíveis
diante da dor dos parentes das vítimas. Hakeem pode se tornar um adulto
tolerante a tudo ou perturbado sem a orientação dos pais para ensiná-lo que nem
tudo que ele vê no dia-a-dia é normal, existem bizarrices que precisam ser combatidas.
Por fim, Carl já está tão imerso no mundo dos armamentos que não consegue
perceber que nem todos acham comum tal comércio e sua neta precisou presenciar
atos cruéis nas ruas (na verdade apenas a agressão de uma amiga em uma festa)
para perceber que a crueldade é humana, não material. Pesadelo Americano é um
produto que merece respeito, tem um bom conteúdo, mas peca por não se
aprofundar totalmente em nenhuma de suas tramas, além de seu desfecho ausente
de tensão ou conflito ser frustrante, mas dos males o menor. Apesar de alguns
bons momentos serem desperdiçados, como a tentativa de assalto sofrida por Jay
em seu trabalho, é um filme que merece ser discutido, uma excelente opção para
escolas, faculdades ou qualquer grupo social que esteja disposto a fazer um
amanhã diferente. O final fraquinho e as histórias sem um grande clímax podem
ser vistas como uma opção do diretor em deixar para o espectador tirar suas
próprias conclusões.
Drama - 95 min - 2004
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