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terça-feira, 5 de abril de 2016

OS SUSPEITOS (1995)

NOTA 8,5

Intricada trama policial não
perdeu o vigor e ainda é uma
opção válida em tempos em que
o espectador é subestimado 
Os filmes policiais já tiveram seus tempos áureos, mas como tudo que é demais enjoa o gênero encontra-se em decadência a alguns anos sobrevivendo as custas de produções medianas ou medíocres que em geral não fazem mais nada que oferecer o arroz com feijão de sempre com direito a final previsível como surpresa. Para os saudosos de brincar de detetive e ladrão junto com os personagens, mas com qualidade e inteligência, o jeito geralmente é recorrer a produções antigas. Uma boa dica é rever, ou para as novas gerações descobrir, Os Suspeitos, uma intricada trama cujo roteiro foi merecidamente agraciado com o Oscar. Livremente inspirado no clássico O Segredo das Jóias, um filme com estilo noir que o famoso John Huston dirigiu em 1950, este é o segundo longa da carreira do diretor Bryan Singer que ficou em evidência nos últimos tempos por causa de suas aventuras com os mutantes dos quadrinhos "X-Men". O novato na época surpreendeu construindo uma boa história sobre homens que sonhavam em chegar ao topo, mas que seguiram caminhos errados para tanto e terminaram encontrando a própria desgraça. Para contar essas desventuras o cineasta contou com um elenco afiado e de peso (bem, hoje em dia alguns são contratados a peso de ouro, mas na época ainda eram estrelas de pouco brilho). Com uma produção modesta, o longa era como o representante dos independentes da temporada de premiações 1995/96 e infelizmente hoje em dia é mais lembrado justamente por suas indicações e prêmios conquistados, uma injustiça que precisa ser corrigida a um trabalho muito superior a produções atuais. Roteirizado por Christopher McQuarrie, a trama começa com um incêndio no cais de Porto de San Pedro, na Califórnia, no qual 27 pessoas morreram e apenas dois homens sobreviveram, um húngaro extremamente debilitado por conta das queimaduras e Roger “Verbal” Kint (Kevin Spacey), criminoso pé-de-chinelo portador de um defeito físico que saiu ileso do episódio e, como seu próprio apelido indica, não é de hesitar em falar mais do que deve. Ele será a principal testemunha que ajudará o detetive David Kujan (Chazz Palminteri) a solucionar o mistério, mas lhe farão companhia na detenção outros quatro suspeitos: o bandido de quadrilhas Michael McManus (Stephen Baldwin) e seu parceiro de crimes Fred Fenster (Benicio Del Toro), o especialista em armas pesadas Todd Hockney (Kevin Pollack) e o ex-tira corrupto Dean Keaton (Gabriel Byrne). Não é apena a quantidade numerosa de mortos que motivam tal investigação mas também o sumiço de uma quantia de dinheiro extraordinária. No barco que explodiu estaria sendo negociado um carregamento de drogas oriundo da Argentina, mas a ação foi sabotada por alguém.  As suspeitas recaem sobre um lendário terrorista da Hungria conhecido como Keyser Soze.

Na realidade, Kint confessa que a história que liga ele e os demais suspeitos começou semanas antes da explosão. Ele sustenta a informação de que eles não se conheciam até que foram obrigados a passar uma noite juntos na delegacia para uma sessão de reconhecimento de suspeito em um caso de roubo de caminhão. Na ocasião os bandidos planejaram juntos um golpe, porém, a empreitada fracassou e então eles descobrem que a prisão do bando foi armada pela quadrilha de Soze com quem cada um dos capturados tem, por diversos motivos, um débito com ele. Para saldarem suas dívidas, eles recebem a incumbência de destruir um navio carregado de cocaína pertencente a um concorrente do chefão do crime. Eis que ocorre a fatídica noite em que muitas vidas foram perdidas e acabou culminando com a captura do bando. Para Kujan, ter os meliantes em seu poder não resolve o caso. Ele tem certeza que existe alguma coisa muito suspeita nesta história e, por ironia do destino, um bandido de segundo escalão pode ter as respostas e se tornar o herói da vez. Kint avisa o detetive: “o maior truque do diabo foi convencer o mundo de que ele não existe”, frase-chave que fará sentido no último minuto. Soze é uma grande incógnita, não há nem mesmo certeza absoluta se ele existe ou se é apenas uma invenção para desviar a atenção da polícia. O fato é que tanto Kint quanto o húngaro debilitado internado no hospital parecem tremer só de ouvir o nome do tal chefão do submundo. Se não dá para confiar totalmente nem mesmo em um criminoso de má fama, no bom sentido, as respostas para o caso poderiam estar com o tal sobrevivente queimado, mas ele só consegue balbuciar nervosamente as palavras Keyser Soze e é justamente a construção do mito em torno deste nome um dos pontos altos do longa. Só tomamos conhecimento de sua existência já na metade da narrativa, mas pouco a pouco ele vai ganhando contornos verossímeis sem ao menos precisar estar em cena em carne e osso. Os próprios suspeitos tratam de nos passar com credibilidade a sensação de perigo que este homem representa, principalmente o personagem de Spacey, merecidamente recompensado com o Oscar de ator coadjuvante. Com voz trêmula e narrando os fatos com nítida confusão devido ao estresse da situação, o ator então despontava ao estrelato e meio sem querer roubando as atenções do filme para si com um tipo que aguça a curiosidade do espectador que chega a um ponto de duvidar se deve ou não torcer para que um cara do mal tenha um final no mínimo razoavelmente positivo. Aliás, todo o elenco pode se considerar privilegiado por ter conseguido se destacar com papéis que parecem ter sido escritos especialmente para cada um deles, mas é uma pena que com exceção de Spacey e Del Toro o restante dos atores seguiram suas carreiras em meio a projetos geralmente obscuros.

Além de uma impecável climatização proporcionada por uma impecável parte técnica em todos os aspectos, como na reta final quando é mostrado um conflito derradeiro entre os suspeitos dentro de um navio, cena de adrenalina e tensão que poderia ser igual a tantas outras se não fosse o talento e a perspicácia de todos os envolvidos, Singer também foi habilidoso na construção de um suspense inteligente contando com um elenco uniforme e talentoso e com dois enigmas para o espectador desvendar: quem de fato é o misterioso Soze e se ele realmente queria acabar com a vida dos suspeitos na missão ou foi apenas uma terrível peça que o destino pregou neles. A certa altura chega-se a um ponto-chave: seria algum dos suspeitos capturados o tão temido bandido húngaro que no passado não hesitou em sacrificar a própria família para não dar esse prazer aos seus inimigos? McQuarrie, para criar todo esse mistério em torno de Soze, inspirou-se na história real do assassino John List que ficou famoso por realmente exterminar seus familiares em 1971 e Singer, por sua vez, captou perfeitamente a aura assustadora que o criminoso poderia carregar. Além de construir de forma eficiente a personalidade dos personagens, o diretor ainda espalha durante toda a obra diversas pistas sutis que ajudariam a desvendar todo o mistério. Provavelmente passado tantos anos a identidade do vilão já seja conhecida por milhares de pessoas, mas nunca é demais rever histórias instigantes e sempre há renovação de público, gente nova para descobrir os tesouros do cinema. Assim, ainda é possível se envolver e se espantar com a revelação-surpresa do final que deixa latente uma vontade de assistir a produção novamente para ter o gostinho de ir juntando as peças e perceber que a resposta para o grande enigma não é algo tão complexo para compreendermos. Essa trucagem que engana o espectador não é de responsabilidade apenas do diretor, roteirista ou até mesmo do responsável pela edição, mas é algo que o próprio espectador se permite afinal os primeiros minutos não prometem muito e, como já dito, com o gênero policial desacreditado não é difícil encararmos produções do tipo com um pé atrás. Claro que Os Suspeitos hoje passa longe de sofrer com tal preconceito, sua fama já está consolidada, mas por outro lado pode sofrer com o vício das novas gerações com filmes onde tudo é muito fácil e mastigadinho e até mesmo ter que vencer as barreiras do tempo já que o longa em 2013 atingiu de tempo de estrada sua maioridade. Legítimo representante de produção independente que galgou os degraus do sucesso um a um, esta é a prova de que o essencial para se fazer um filme é ter uma boa ideia. Com um roteiro inteligente, a obra consegue envolver o espectador em uma rede de intrigas, cheia de pistas que podem ou não ser verdadeiras, e o convida a brincar de detetive ao mesmo tempo em que o policial da história vai juntando as peças do quebra-cabeça. No conjunto Singer, propositalmente, acaba pregando uma peça no espectador. No fundo sua narrativa segue um único ponto de vista, porém, a riqueza de detalhes do depoimento de Kint acaba recheando a trama de pistas falsas, além da opção de dois tempos narrativos, o presente e o passado em flashback, criar um nó na cabeça do público. Em tempos em que a indústria cinematográfica subestima a inteligência do espectador, dá gosto recorrer a produções como esta que consegue transformar um argumento simples em um intricado jogo de investigação do qual o público tem total liberdade de participar e repetir a dose quantas vezes achar necessário.

Vencedor do Oscar de roteiro original e ator coadjuvante (Kevin Spacey)

Suspense - 106 min - 1994

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