NOTA 8,5 Intricada trama policial não perdeu o vigor e ainda é uma opção válida em tempos em que o espectador é subestimado |
Os filmes policiais já tiveram
seus tempos áureos, mas como tudo que é demais enjoa o gênero encontra-se em
decadência a alguns anos sobrevivendo as custas de produções medianas ou
medíocres que em geral não fazem mais nada que oferecer o arroz com feijão de
sempre com direito a final previsível como surpresa. Para os saudosos de
brincar de detetive e ladrão junto com os personagens, mas com qualidade e
inteligência, o jeito geralmente é recorrer a produções antigas. Uma boa dica é
rever, ou para as novas gerações descobrir, Os Suspeitos, uma intricada trama cujo roteiro
foi merecidamente agraciado com o Oscar. Livremente inspirado no clássico O
Segredo das Jóias, um filme com estilo noir que o famoso John Huston
dirigiu em 1950, este é o segundo longa da carreira do diretor Bryan Singer que
ficou em evidência nos últimos tempos por causa de suas aventuras com os mutantes
dos quadrinhos "X-Men". O novato na época surpreendeu construindo uma
boa história sobre homens que sonhavam em chegar ao topo, mas que seguiram
caminhos errados para tanto e terminaram encontrando a própria desgraça.
Para contar essas desventuras o cineasta contou com um elenco afiado e de peso
(bem, hoje em dia alguns são contratados a peso de ouro, mas na época ainda
eram estrelas de pouco brilho). Com uma produção modesta, o longa era como o
representante dos independentes da temporada de premiações 1995/96 e
infelizmente hoje em dia é mais lembrado justamente por suas indicações e
prêmios conquistados, uma injustiça que precisa ser corrigida a um trabalho
muito superior a produções atuais. Roteirizado por Christopher McQuarrie, a
trama começa com um incêndio no cais de Porto de San Pedro, na Califórnia, no
qual 27 pessoas morreram e apenas dois homens sobreviveram, um húngaro extremamente
debilitado por conta das queimaduras e Roger “Verbal” Kint (Kevin Spacey), criminoso
pé-de-chinelo portador de um defeito físico que saiu ileso do episódio e, como
seu próprio apelido indica, não é de hesitar em falar mais do que deve. Ele
será a principal testemunha que ajudará o detetive David Kujan (Chazz
Palminteri) a solucionar o mistério, mas lhe farão companhia na detenção outros
quatro suspeitos: o bandido de quadrilhas Michael McManus (Stephen Baldwin) e
seu parceiro de crimes Fred Fenster (Benicio Del Toro), o especialista em armas
pesadas Todd Hockney (Kevin Pollack) e o ex-tira corrupto Dean Keaton (Gabriel
Byrne). Não é apena a quantidade numerosa de mortos que motivam tal
investigação mas também o sumiço de uma quantia de dinheiro extraordinária. No
barco que explodiu estaria sendo negociado um carregamento de drogas oriundo da
Argentina, mas a ação foi sabotada por alguém. As suspeitas recaem sobre um lendário
terrorista da Hungria conhecido como Keyser Soze.
Na realidade, Kint confessa que
a história que liga ele e os demais suspeitos começou semanas antes da
explosão. Ele sustenta a informação de que eles não se conheciam até que foram
obrigados a passar uma noite juntos na delegacia para uma sessão de
reconhecimento de suspeito em um caso de roubo de caminhão. Na ocasião os
bandidos planejaram juntos um golpe, porém, a empreitada fracassou e então eles
descobrem que a prisão do bando foi armada pela quadrilha de Soze com quem cada
um dos capturados tem, por diversos motivos, um débito com ele. Para saldarem
suas dívidas, eles recebem a incumbência de destruir um navio carregado de
cocaína pertencente a um concorrente do chefão do crime. Eis que ocorre a
fatídica noite em que muitas vidas foram perdidas e acabou culminando com a
captura do bando. Para Kujan, ter os meliantes em seu poder não resolve o caso.
Ele tem certeza que existe alguma coisa muito suspeita nesta história e, por
ironia do destino, um bandido de segundo escalão pode ter as respostas e se
tornar o herói da vez. Kint avisa o detetive: “o maior truque do diabo foi
convencer o mundo de que ele não existe”, frase-chave que fará sentido no
último minuto. Soze é uma grande incógnita, não há nem mesmo certeza absoluta
se ele existe ou se é apenas uma invenção para desviar a atenção da polícia. O
fato é que tanto Kint quanto o húngaro debilitado internado no hospital parecem
tremer só de ouvir o nome do tal chefão do submundo. Se não dá para confiar
totalmente nem mesmo em um criminoso de má fama, no bom sentido, as respostas
para o caso poderiam estar com o tal sobrevivente queimado, mas ele só consegue
balbuciar nervosamente as palavras Keyser Soze e é justamente a construção do mito
em torno deste nome um dos pontos altos do longa. Só tomamos conhecimento de
sua existência já na metade da narrativa, mas pouco a pouco ele vai ganhando
contornos verossímeis sem ao menos precisar estar em cena em carne e osso. Os
próprios suspeitos tratam de nos passar com credibilidade a sensação de perigo
que este homem representa, principalmente o personagem de Spacey, merecidamente
recompensado com o Oscar de ator coadjuvante. Com voz trêmula e narrando os
fatos com nítida confusão devido ao estresse da situação, o ator então
despontava ao estrelato e meio sem querer roubando as atenções do filme para si
com um tipo que aguça a curiosidade do espectador que chega a um ponto de
duvidar se deve ou não torcer para que um cara do mal tenha um final no mínimo
razoavelmente positivo. Aliás, todo o elenco pode se considerar privilegiado
por ter conseguido se destacar com papéis que parecem ter sido escritos especialmente
para cada um deles, mas é uma pena que com exceção de Spacey e Del Toro o
restante dos atores seguiram suas carreiras em meio a projetos geralmente
obscuros.
Além de uma impecável
climatização proporcionada por uma impecável parte técnica em todos os
aspectos, como na reta final quando é mostrado um conflito derradeiro entre os
suspeitos dentro de um navio, cena de adrenalina e tensão que poderia ser igual
a tantas outras se não fosse o talento e a perspicácia de todos os envolvidos, Singer
também foi habilidoso na construção de um suspense inteligente contando com um
elenco uniforme e talentoso e com dois enigmas para o espectador desvendar:
quem de fato é o misterioso Soze e se ele realmente queria acabar com a vida
dos suspeitos na missão ou foi apenas uma terrível peça que o destino pregou
neles. A certa altura chega-se a um ponto-chave: seria algum dos suspeitos
capturados o tão temido bandido húngaro que no passado não hesitou em
sacrificar a própria família para não dar esse prazer aos seus inimigos?
McQuarrie, para criar todo esse mistério em torno de Soze, inspirou-se na
história real do assassino John List que ficou famoso por realmente exterminar
seus familiares em 1971 e Singer, por sua vez, captou perfeitamente a aura
assustadora que o criminoso poderia carregar. Além de construir de forma
eficiente a personalidade dos personagens, o diretor ainda espalha durante toda
a obra diversas pistas sutis que ajudariam a desvendar todo o mistério. Provavelmente
passado tantos anos a identidade do vilão já seja conhecida por milhares de
pessoas, mas nunca é demais rever histórias instigantes e sempre há renovação
de público, gente nova para descobrir os tesouros do cinema. Assim, ainda é
possível se envolver e se espantar com a revelação-surpresa do final que deixa
latente uma vontade de assistir a produção novamente para ter o gostinho de ir
juntando as peças e perceber que a resposta para o grande enigma não é algo tão
complexo para compreendermos. Essa trucagem que engana o espectador não é de
responsabilidade apenas do diretor, roteirista ou até mesmo do responsável pela
edição, mas é algo que o próprio espectador se permite afinal os primeiros
minutos não prometem muito e, como já dito, com o gênero policial desacreditado
não é difícil encararmos produções do tipo com um pé atrás. Claro que Os
Suspeitos hoje passa longe de sofrer com tal preconceito, sua fama já
está consolidada, mas por outro lado pode sofrer com o vício das novas gerações
com filmes onde tudo é muito fácil e mastigadinho e até mesmo ter que vencer as
barreiras do tempo já que o longa em 2013 atingiu de tempo de estrada sua
maioridade. Legítimo representante de produção independente que galgou os
degraus do sucesso um a um, esta é
a prova de que o essencial para se fazer um filme é ter uma boa ideia. Com um
roteiro inteligente, a obra consegue envolver o espectador em uma rede de
intrigas, cheia de pistas que podem ou não ser verdadeiras, e o convida a
brincar de detetive ao mesmo tempo em que o policial da história vai juntando
as peças do quebra-cabeça. No conjunto Singer, propositalmente, acaba pregando
uma peça no espectador. No fundo sua narrativa segue um único ponto de vista,
porém, a riqueza de detalhes do depoimento de Kint acaba recheando a trama de
pistas falsas, além da opção de dois tempos narrativos, o presente e o passado
em flashback, criar um nó na cabeça do público. Em tempos em que a indústria
cinematográfica subestima a inteligência do espectador, dá gosto recorrer a
produções como esta que consegue transformar um argumento simples em um
intricado jogo de investigação do qual o público tem total liberdade de
participar e repetir a dose quantas vezes achar necessário.
Vencedor do Oscar de roteiro original e ator coadjuvante (Kevin Spacey)
Vencedor do Oscar de roteiro original e ator coadjuvante (Kevin Spacey)
Suspense - 106 min - 1994
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