NOTA 8,5 Peter Jackson aposta suas fichas em drama narrado paralelamente entre dois mundos intimamente ligados |
Um diretor de cinema pode escolher entre dois caminhos para
definir seu trajeto profissional. Pode optar por trabalhar com um ou dois
gêneros constantes, criar uma legião de fãs e marcar seu estilo ou atirar para
tudo quanto é lado, ganhar seu dinheirinho e viver no anonimato. Porém, alguns
profissionais de trás das câmeras conseguem transitar tranquilamente entre os
mais variados tipos de filmes, mas o problema é quando o público petrifica uma
imagem deles e passa a repudiar qualquer “pulada de cerca”. Esse mal constantemente
é vivido por Peter Jackson que virou um nome quente em hollywood após o sucesso
da saga O Senhor dos Anéis, assim tornando-se um sinônimo de megaproduções e
efeitos especiais de ponta. Porém, este profissional começou sua carreira de
forma bem modesta apostando inclusive no estilo trash como no longa Os
Espíritos e ganhou certo prestígio com o drama independente Almas Gêmeas muito
antes de enveredar pelo caminho do cinema de fantasia, mas é certo que a recepção
pouco calorosa de Um Olhar do Paraíso tem muito a ver com a expectativa que seu
nome atrelado a um projeto gera. Para aproveitar da melhor maneira possível
esta obra é preciso procurar focar a atenção na história em si e não no
currículo do diretor. A trama é narrada pela adolescente Susie Salmon (Saoirse
Ronan), um espírito do bem que habita os céus. Ela conta um pouco de sua rápida
passagem pela Terra, sua adaptação ao outro mundo, suas novas descobertas e
sobre como sua família superou sua perda. No início da década de 1970 ela
estava voltando um dia da escola sozinha e por estar atrasada optou por cortar
caminho por uma região campestre. No meio do percurso ela encontrou um de seus
vizinhos, George Harvey (Stanley Tucci), um novo morador da região que ela já
tinha visto conversando com seu pai, Jack (Mark Wahlberg). Inocentemente a
garota acaba caindo em uma armadilha e teve sua vida interrompida de forma
brusca e precocemente. Após esta introdução, que de certa forma é demorada, mas
muito bem realizada, passamos a acompanhar a peregrinação de Susie em busca da
paz. Ela está tomando consciência do que lhe aconteceu, não tem noção de como é
a vida após a morte e ainda está apegada às lembranças da realidade. Sempre
viveu sobre as regras da moralidade e dos conselhos da família e não teve tempo
de viver um grande amor e tampouco ter uma profissão. Sofre também vendo a dor
de seu pai, da mãe Abigail (Rachel Weisz) e ainda se preocupa com a irmã mais
nova, Lindsey (Rose Mclver), que pode ser a próxima vítima de seu assassino.
Calcado em situações dramáticas, Jackson traça praticamente
duas tramas paralelas que estão intimamente ligadas. Mostra o empenho da
família da jovem em desvendar os mistérios do caso e a luta para superar a
tragédia e ao mesmo tempo a própria garota dá a sua visão sobre o desenrolar
dos fatos diretamente dos céus. Os tons pastéis predominam em todo o filme, mas
é interessante observar que a realidade sempre é pintada de forma mais
melancólica enquanto a ambientação após a morte é retratada com cores mais
vivas, embora tenha se optado por um visual um tanto artificial para compor este
cenário. Esse cuidado com o uso dos tons ajuda a acentuar a mensagem do longa,
mostrando os humanos vivendo em um plano astral dos piores. E olha que a época
em que a história se passa é praticamente quatro décadas atrás e já naqueles
tempos nem mesmo uma bucólica e pequena cidade estava livre do perigo. Fazer a
transposição dos fatos para nossa realidade é uma forma de tirar o melhor
proveito deste filme. Muitos soltam os cachorros pelo fato do cineasta ter
feito um melodrama assumido, mas qualquer um que saiba a premissa já deveria
assistir com outros olhos e não esperando um espetáculo pirotécnico. O que para
muitos é uma decadência, para outros é motivo de aplausos observar que Jackson
ainda sabe contar uma boa e emocionante história sem precisar recorrer a
efeitos especiais e cenários megalomaníacos. É dessa forma que constatamos os
bons profissionais afinal quem sabe criar um mundo fantástico e repleto de
criaturas imaginárias deve tirar de letra retratar algo atual e que levanta
discussões a respeito de justiça e espiritismo. Para não se sentir um peixe
fora d’água Jackson encontrou um ponto de apoio na construção da ambientação do
céu, assim ele também conseguiu presentear o público com belíssimas e oníricas
cenas e fazer o que sabe melhor: colocar o espectador em uma realidade
paralela. Drama e fantasia se misturam de maneira agradável tornando realidade
um roteiro que facilmente poderia pender para o dramalhão extremo, mas Jackson
e suas colaboradoras Philippa Boyens e Fran Walsh trataram de dar alguns
momentos de respiro ao texto adaptado do romance “Memórias de um Anjo
Assassinado”, de Alice Sebold. É nítido que existe a intenção de a todo
instante emocionar o espectador e deixá-lo com o coração apertado, mas ainda
que Susie tenha seus momentos de extravasar sua raiva em outros demonstra o que
há de bom no tão sonhado paraíso graças a ajuda que encontra de uma outra
garota.
Não é fácil defender um trabalho cuja proposta principal é
fazer o púbico se esvair em lágrimas, algo pouco apreciado hoje em dia em que o
cinema está voltado a provocar barulho e imagens impactantes, mas é estranho o
alto número de críticas negativas à esta obra. No conjunto o filme funciona
bem, é aceitável o vai e vem de cenas que diferem o mundo real do espiritual,
com relevância à oposição feita entre o clima de suspense e o de drama, e a
introdução mostrando o cotidiano caseiro e certinho da protagonista deveria ser
repetido a exaustão para os adolescentes de hoje em dia. O problema estaria
onde? A resposta é Peter Jackson na cadeira de diretor. Depois de três
gigantescas e fantásticas produções que acumularam milhares de fãs, e ainda de
quebra a polêmica refilmagem de King Kong, fica difícil para qualquer um
surpreender, mas parece que o cineasta quer seguir os passos de Steven
Spielberg e alternar projetos grandiosos com outros menores. Aliás, se alguém
que já viu esta obra sentiu um acentuado “estilo família” no enredo não é a toa
afinal o próprio homem que já levou aos cinemas extraterrestres, dinossauros e
tubarões assassinos é o produtor da fita. Em suma, Um Olhar do Paraíso é um
projeto que não é a tragédia que pintam, mas tinha potencial para ser melhor.
Tem um bom texto, mas talvez exagere na sua concepção visual muito por conta do
choque que causa as diferenças entre a realidade e o paraíso, certamente uma
opção estética de Jackson e não falta de recursos. Outro ponto incômodo no
longa é o desequilíbrio entre as interpretações. Saoirse está excepcional, mas
o restante do elenco deixa um pouco a desejar. Tucci teve em mãos o personagem
que poderia ser um divisor de águas em sua carreira, mas o trabalhou de maneira
extremamente intimista, porém, ainda assim merece elogios por construir um
vilão livre de estereótipos. Wahlberg também se sai bem como o pai desesperado
em busca da solução do caso e nos faz esquecer de algumas bobagens que andou se
metendo. Já Rachel Weisz e Susan Sarandon, esta que vive Lynn a avó de Susie, ambas
têm aqui uma de suas interpretações mais constrangedoras. Dessa forma,
novamente caímos na história de que Jackson é o problema do filme. Além das
expectativas que seu nome carrega, ele próprio parece estar obcecado pela ideia
de criar imagens marcantes e se preocupou mais em construir visualmente duas
realidades opostas do que investir em personagens críveis e em direção de
atores. De qualquer forma, esta é uma boa opção para um passatempo e que ainda
traz mensagens relevantes que precisam ser resgatadas. O ditado “a curiosidade
matou o gato” implícito na introdução do longa parece coisa do tempo da vovó?
Talvez ele nunca estivesse tão atual quanto agora. Vale a pena compreender as
mensagens do filme e transpor à nossa realidade.
Drama - 135 min - 2009
Eu achei o filme bem interessante, apesar da fantasia pós-morte da menina, mas no aspecto narrativo da situação foi bem feito.
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