NOTA 8,5 Animação traz de volta o contagiante clima dos filmes clássicos de sessões da tarde com pitadas de modernidade |
Qual criança
nunca sentiu aquela vontade de curtir um filme de terror, mas ainda assim o
pavor era maior e a impedia? Ainda bem que no mundo das animações tudo é
possível e até mesmo o que é feito para amedrontar pode ser uma excelente opção
para divertir. Na onda das produções feitas para agradar crianças e
adultos, A Casa Monstro é
um desenho com ar deliciosamente retrô que veio para suprir a necessidade de
sustos dos pequenos e de quebra fazer muito marmanjo relembrar bons tempos, porém,
apesar de todo estilo nostálgico, o filme em nenhum momento diz em que época a
história se passa. Fita cassete de música, estilo gótico de alguns personagens,
carros de modelos antigos e gírias ultrapassadas já são exemplos bem claros de
que o túnel do tempo foi aberto, provavelmente levando o espectador a saudosa
década de 1980, mas a atmosfera envolvente criada pelo diretor Gil Kenan logo
em sua estréia em longas animados não deixa em nenhum momento criança alguma
desconectada, muito pelo contrário. O enredo criado por Dan Harmon, Rob Schrab e Pamela Petiler é bem no
estilo de antigas produções que misturavam suspense, comédia e aventura e eram
repetidas a exaustão nas sessões da tarde da televisão (algumas até hoje). O
jovem e retraído D.J. sempre achou que havia algo muito estranho na velha casa
dos Nebbercraker do outro lado da sua rua. Tudo que passa perto da propriedade
simplesmente desaparece, desde uma simples folha de árvore até brinquedos bem
grandes. O dono da residência, o senhor Epaminondas, é muito rabugento e não
permite que nada e ninguém se aproximem nem mesmo do seu gramado. Após o
afastamento do velho senhor devido a problemas de saúde (as crianças acreditam
que ele foi desta para melhor), a casa ainda parece muito estranha e ganha vida
própria. Na véspera do Dia das Bruxas, quando a residência literalmente se
transforma em um monstro, D.J. convoca seu amigo Chowder e Jennny, uma garota pela
qual ambos se apaixonam, para descobrir o que há dentro da misteriosa
residência que a mantém viva, já que os pais do garoto não acreditam no que ele
diz a respeito do espírito do caquético senhor ainda estar por perto. O trio
recorre a Skull, um preparador de pizza preguiçoso que ganhou fama por no
passado ter jogado videogame por vários dias seguidos. Ele acredita que a casa
tenha adquirido alma humana e o único meio de eliminar o perigo que ela
representa seja acertando-a direto em seu coração. Assim, o trio de aventureiros
elabora um plano que permita que entrem lá dentro e destruam o que a mantém
viva, mas obviamente nada é muito simples e grandes sustos estão por vir.
As ideias de um grupo de crianças reunidas na época do Halloween, alguma
coisa estranha rondando a vizinhança e a presença de uma babá que está mais
preocupada em namorar do que fazer seu trabalho não são nada revolucionárias,
simplesmente eram os elementos essenciais de receitas que fizeram o sucesso de
muitos filmes infanto-juvenis décadas atrás. Inicialmente o roteiro seria
filmado com atores de verdade, mas isso traria dificuldades para a realização
de algumas sequências, principalmente as que fazem parte do clímax, que, diga-se de passagem,
quebra um pouco do clima da obra e exagera na modernidade, mas nada que
estrague o resultado final. Assim Kenan
preferiu utilizar a técnica de captura de movimentos de atores e animação
posterior, mesmo recurso usado, por exemplo, em O Expresso Polar e Os
Fantasmas de Scrooge. Para muitos, os personagens da trama são um tanto
estereotipados, mas a repetição de tipos tem uma razão: facilitar a
identificação do espectador com a história. Dessa forma, temos os velhos
clichês do garoto espertalhão que gosta de desvendar mistérios e parece
deslocado no mundo em que vive, o gordinho atrapalhado que sempre tem uma piada
na ponta da língua, a menina que se mostra mais madura e inteligente que os
meninos, o velho rabugento e com feições de bravo, a babá que usa a profissão
apenas de fachada e que só quer se divertir na casa dos patrões e até os
policiais que surgem lá pela metade do filme lembram o estilo de vestimenta
usado na cinessérie Loucademia de Polícia e nem o jeitão de
cegos perdidos em um tiroteio destes homens da lei é deixado de lado. Vale
lembrar que perfeição nos traços não era a prioridade. Assumidamente
caricaturais, todos os tipos criados foram pensados para se adequarem as
características físicas e de personalidades que lhe foram atribuídas. Apesar da
tecnologia de ponta utilizada para a criação dos personagens o que chama mesmo
a atenção é a ambientação criada. Kenan apresentou interessantes perspectivas
visuais para contar sua história em um espaço limitado, praticamente composto
por três cenários: a casa de D.J., a residência de Epaminondas e a rua quase
deserta que separa estes dois locais. Estabelecer o conflito entre as duas
calçadas e definir cada uma como se fossem mundos opostos não é uma tarefa
fácil, mas o desafio foi vencido com muitos méritos.
Em alguns momentos é
perceptível que o diretor pensou no filme como um projeto live-action antes de
visualizá-lo no campo da animação, incluindo alguns movimentos de câmera
consagrados o que de certa forma deu um toque de realismo ao trabalho, apesar
do enredo fantasioso que perfeitamente poderia ser confundido com uma obra do cultuado
cineasta Tim Burton, declaradamente adepto do estilo gótico e bizarrices
(talvez ele tenha até ficado com uma pontinha de inveja por tal projeto não ter
caído em suas mãos). O roteiro aparentemente simples e infantil em certas
partes revela-se um tanto complexo, como a explicação dada para os mistérios
que cercam a casa do velho senhor, sequência em que há uma sutil mudança no
tipo animação e até a personagem que surge lembra os traços de Botero, pintor colombiano que gosta de estampar em suas telas pessoas gordas e obesas. No geral, mesmo
sendo uma produção computadorizada, há uma simplicidade visual que nos remete a
desenhos feitos a mão e só nas cenas mais agitadas é perceptível o uso de
técnicas avançadas de animação, como no clímax da trama quando a história ganha
um ritmo mais acelerado e traços mais próximos de animações ligeiras feitas
para exibição na TV, mas nada que estrague o resultado final, embora o modelo
da casa quando adquire características de monstro seja um tanto esdrúxulo e o
roteiro possa deixar a desejar um pouco depois da metade quando o tom imaginário
toma conta quebrando o clima de realidade e mistério que tanto cativa
inicialmente os espectadores. Indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro de Melhor
Filme de Animação, só não foi premiado porque tinha fortes concorrentes naquela
temporada, ainda que em seus créditos os nomes de Steven Spielberg e Robert
Zemeckis constem como produtores. A Casa Monstro dá um tímido
passo para a modernização das animações dependendo do ponto de vista, mas é
inegável que ele já nasceu com pinta de clássico das sessões da tarde e o tempo
só deve confirmar isso. Recomendadíssimo para curtir em família e com amigos.
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