Nota 4,0 Drama faz relato da perda da inocência em ambiente hostil, mas peca pela morosidade
Só quem é
criado na periferia sabe como é viver em meio a criminosos, drogas e a falta de
pudor. Quem tem um padrão de vida melhor costuma ver a vida dos “desvirtuados”
com um olhar mais malicioso, não pensando duas vezes antes de apontar
comportamentos fora dos padrões como opção e não uma imposição. Falar sobre
vidas fora-da-lei, principalmente quando envolve menores, é um tema complicado
e polêmico e constantemente o cinema tenta desmitificar preconceitos. Tal onda
não é recente, vem de longa data como mostra Fresh - Inocência Perdida, longa de 1994 cuja
trama gira em torno de Michael (Sean Nelson), um garoto negro de apenas 12 anos
que apesar de muito inteligente acabou se envolvendo no tráfico de drogas.
Morador da região do Brooklyn, na época assombrada por mafiosos, Fresh, como é
chamado, acabou desiludido pelas dificuldades que a vida lhe impôs e se aliou
ao traficante Esteban (Giancarlo Esposito) para sobreviver e ajudar a família,
ou melhor, a tia Frances (Cheryl Freeman) que abriga menores desamparados.
Desafiando as desigualdades e os perigos da rua, ele usa toda sua lábia para
vender drogas a pessoas de classes sociais mais abastadas, mas não usa as
substâncias e continua frequentando a escola, sinais de que tem juízo ao
contrário de sua irmã mais velha Nichole (N’Bushe Wright) que parece não ter
mais esperanças de mudar de vida e a cada dia declina mais na dependência
química, principalmente agora que está envolvida com um traficante poderoso. De
vez em quando Fresh se encontra com o pai Sam (Samuel L. Jackson), um
alcoólatra que chegou ao fundo poço e vive como mendigo. Todavia esse homem é
dotado de extrema inteligência e nos encontros com o filho o ensina a jogar
xadrez e de quebra lhe dá importantes lições de vivência a partir de uma
metáfora. Para ele a vida é como um tabuleiro no qual as peças devem ser
movimentadas com muita cautela e raciocínio para conseguir vencer.
A metáfora do
xadrez acaba sendo de suma importância para Fresh quando ele testemunha o
assassinato de um colega da escola e se torna um alvo em potencial. Como em um
jogo, o garoto desenvolve um engenhoso plano para se vingar do culpado e
proteger sua vida e daqueles que o cercam, sentimento de solidariedade
potencializado por uma primeira paixão juvenil. O diretor e roteirista Boaz
Yakin, após um período de reclusão na França, voltava a fazer cinema em solo
norte-americano onde ele assinou algumas produções obscuras e que não saíram da
maneira que havia idealizado. Em Fresh - Inocência Perdida ele se assegurou de que teria
total controle do projeto, o que justifica a estética mais realista do longa
que prima pelo uso de tons mais sóbrios nos figurinos, cenários e iluminação
comum para exaltar o triste e metódico cotidiano do protagonista que mesmo estudando
não enxergava possibilidades de um futuro melhor por meios legais. As primeiras
cenas do longa são cuidadosamente desenhadas de modo a apresentar a rotina do
personagem central, geralmente muito calado, mas com olhos e ouvidos atentos a
tudo que o rodeia, como se fosse uma estratégia para se manter invisível e já
demonstrando maturidade para se posicionar somente quando julgasse necessário,
um desempenho excelente do então jovem ator Sean Nelson. Por outro lado, a
atuação muito contida de Samuel L. Jackson acaba fazendo com que as sequências
que divide com o protagonista soem como chatas lições de moral e comportamento,
o que acaba comprometendo o restante da narrativa que pode entediar. Esta
produção não conta com trilha sonora pesada, tiroteios e vozes exaltadas como
estamos acostumados em obras do tipo, mas por outro lado alguns diálogos e
cenas podem não ser bem digeridos por puritanos, como uma garota oferecendo
sexo à Fresh em troca de um favor ou o garoto vendo a irmã seminua e maltratada
pelo namorado. Estas são apenas algumas situações que infelizmente são
corriqueiras em periferias, mas Yakin as insere no enredo de forma natural,
afinal de contas seu foco é fazer um retrato de um ambiente degradante pela
ótica de uma criança já corrompida, mas que ainda pode ter salvação e estender
a mão a outros.
Drama - 114 min - 1994
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