NOTA 8,0 Misto de drama e suspense baseado em longa francês exala sensualidade do inicio ao fim com classe |
Sem dúvidas um dos temas mais trabalhados pelo cinema
americano ao longo de sua história é a infidelidade. São centenas de títulos e
dos mais variados gêneros que tratam do assunto, mas tudo o que é demais enjoa.
Por exemplo, um filme sério que flerta com o erotismo hoje em dia é considerado
fora de moda, visto que o ápice desse tipo de produção foi no final dos anos 80
e início da década seguinte quando estrelas como Glenn Close, Sharon Stone e
Demi Moore apareciam nos créditos para dar algum valor a produtos que poderiam
facilmente ser massacrados pela crítica. Foram tantas cruzadas de pernas
insinuantes e amassos em locais proibidos que hoje uma obra do tipo não causa
mais impacto, embora sobrevivam graças aos canais fechados que bancam trabalhos
assim para rechear suas programações e depois servem para preencher o “Super
Cine” da Globo, já que a maior parte dos filmes desta sessão são sobre
adultérios e oriundos de canais a cabo ou lançamentos direto para locação e
venda. Bem, por ainda fazer renda, mesmo que não em exagero, e ter sua carreira
de sucesso em determinada época, não podemos dizer que o gênero do thriller
erótico não tem sua importância para a história do cinema, mas o fato é que não
há lugar de destaque no circuito comercial para ele atualmente. Por sofrer
preconceito devido a seu conteúdo forte ou até mesmo pelo público considerar
uma categoria datada, alguns bons títulos acabam não tendo o devido
reconhecimento como é o caso de O Preço da Traição, dirigido pelo
egípcio Atom Egoyam, profissional que se dedica mais ao cinema alternativo e já
premiado em Cannes por O Doce Amanhã.
Neste caso ele se entrega a uma produção bem ao estilo hollywoodiano,
carregando na sensualidade, porém, criando um clima noir e melancólico
envolvente que ganha muita sustância por causa da competência do triângulo
amoroso composto por três grandes atores. A trama gira em torno da
ginecologista Catherine (Julianne Moore) que aparentemente vive um casamento
feliz com o professor David (Liam Neeson), porém, a dedicação do marido ao
trabalho e aos alunos a deixa com a pulga atrás da orelha suspeitando que está
sendo traída. A gota d’água é quando ela prepara uma festa surpresa de
aniversário e ele não aparece alegando que houve um imprevisto na volta para
casa depois de uma viagem de trabalho. Catherine então decide colocar a
fidelidade do esposo à prova, uma decisão que certamente não resultaria em algo
bom para ela própria.
Da janela de seu consultório a médica já observara uma
jovem com um comportamento estranho acompanhada de um homem. Ela é Chloe
(Amanda Seyfried), uma garota de programa que atrai a atenção de homens
comprometidos, mas jamais esperava que um dia tivesse seus serviços contratados
por uma mulher. Catherine propõe a moça que ela encontre seu marido e o seduza
para ver se ele se sente atraído por ela. O que era para ser um ou dois encontros
para checar até que ponto David era fiel acaba se tornando um misto de prazer e
sadismo para sua esposa que não imagina o problema que criou para si mesma. A
perversão é o elemento básico desta narrativa que divide opiniões. Embora acima
da média comparando-se a seus “filmes-primos” feitos para a TV ou por pequenas
produtoras de cinema, as situações exploradas são bastante previsíveis e
qualquer cinéfilo ou até mesmo fã de novelas consegue matar a charada com muita
antecedência, inclusive a conclusão que não surpreende muito. O que faz a
diferença neste caso é a maneira de contar uma história um tanto requentada e é
aí que um cineasta competente tem a chance de salvar um projeto fadado ao
fracasso. Apesar do teor erótico dos
diálogos e das próprias cenas, não há apelação e grosserias, tudo é feito com
muita classe e cautela de maneira a envolver o espectador e não chocá-lo. O que
talvez não agrade seja a forma extremamente sexualizada como os personagens são
retratados, por exemplo, as vezes temos a sensação de que Catherine é uma
masoquista que passa o dia todo impaciente para no final da tarde acompanhar
com atenção os relatos quentes da prostituta que não esconde detalhes dos
encontros que tem com David. Nem mesmo quando o filho do casal em crise, Michael
(Max Thieriot), entra em cena deixamos de sentir uma sensualidade no ar, afinal
na mesma sequência temos Chloe esboçando uma expressão que denúncia que ela
procurará o jovem com segundas intenções. É curioso como o cineasta consegue
utilizar os enquadramentos, a edição, a trilha sonora e até mesmo os momentos
de silêncio a favor de sua narrativa que nas mãos de um qualquer poderia
ultrapassar os limites do aceito pelo cinema comercial para maiores de idade.
Os cinéfilos de carteirinha devem ter a sensação de já ter
visto este filme um pouco mais acentuada. Não é a toa. Além de reciclar
fórmulas batidas, esta produção é um remake de Nathalie X, dirigido pela francesa Anne Fontaine e que é famoso
entre os apreciadores de cinema alternativo. O longa francês trabalha melhor o
viés da paranóia que é desenvolvida pela protagonista a partir de uma
desconfiança. Já a versão americana opta por explicitar mais o que era latente,
com direito a closes generosos dos corpos das atrizes. Aliás, Egoyam mostra sua
dedicação em mostrar a beleza das mulheres, não só corporal, mas também facial
captando o desejo evidenciado nas expressões e olhares de Julianne e Amanda,
ambas com interpretações fortes e totalmente críveis, sendo que a segunda
surpreende pegando com unhas e dentes um papel que talvez ninguém a imaginasse
interpretando, afinal após Mamma Mia e
Cartas Para Julieta o terreno estava
preparado para a jovem atriz se tornar um nome quente para as comédias
românticas adolescentes. Só pela introdução ela já domina as atenções e mostra
que o filme é seu. Já Neeson, embora pareça ter um personagem diminuto perto
delas, o defende com elegância, principalmente quando aparece na imaginação da
esposa junto com a acompanhante de luxo. O roteiro escrito por Erin Cressida
Wilson, que já havia trabalhado com a sexualidade como pontos de destaque dos
filmes A Pele e Secretária, é bem feitinho e intrigante, mas sofre, como já dito,
por ter que recontar uma história que já teve diversas versões e,
principalmente, por preferir continuar amarrado a sua inspiração original.
Algumas cenas são idênticas ao longa francês, mas nada a ser questionável
negativamente. No conjunto, O Preço da Traição funciona muito
bem, principalmente pela introdução que deixa o espectador na vontade de saber
até onde vai a obsessão de Catherine em descobrir mais sobre as intimidades de
seu marido fora de casa. Para muitos a partir da metade surgem os problemas. É
quando as duas protagonistas se aproximam e vivenciam cenas ousadas que para a
grande maioria dos espectadores soa como apelação, algo pouco convincente,
ainda que os rumos tomados pelas personagens se encaixem no contexto e existam
explicações para tanto pela psicologia. Talvez o que mais incomode mesmo seja
ver mais uma vez Julianne vivendo uma personagem com instintos homossexuais, um
tipo muito comum em seu currículo, e, obviamente, o preconceito ainda existente
com tais relações. Não é por acaso que apontam o meio para o fim como a parte
problemática do longa. Todavia, uma opção muito boa para um passatempo sem
abrir mão de qualidade.
Suspense - 99 min - 2010
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