Nota 8 Com poucos recursos, mas muita criatividade, obra diverte e emociona com tema atemporal
A história dos estúdios Disney e dos bastidores de suas produções sempre despertaram muita curiosidade, principalmente as mais antigas que ganharam apelo nostálgico e foram impactadas pelo contexto histórico da época dos seus lançamentos. Baseado na obra homônima de Helen Aberson e Harold Perl, Dumbo é considerado um dos maiores clássicos da animação de todos os tempos, tanto é que foi relançado em cinemas e em home vídeo diversas vezes, já que seu conteúdo é universal e atemporal, afinal é impossível encontrar alguém que pelo menos uma vez na vida não se sentiu excluído ou inseguro mesmo quando adulto. A trama gira em torno de um elefantinho chamado Jumbo Jr. que, além de nascer com orelhas desproporcionais ao seu corpo, também tem a fama de ser desengonçado, por isso ele recebeu o apelido de Dumbo, palavra que em inglês significa estúpido. Vivendo desde pequeno em um circo, ele sempre foi ridicularizado pelos outros elefantes que levavam a sério a frase da canção que diz um elefante incomoda muita gente, mas tudo por pura maldade. O filhote só contava com o amor e carinho de sua mãe até que ele faz amizade com o prestativo ratinho Timóteo que vai ajudá-lo a enfrentar esses problemas de socialização e mostrar seu valor. Essa amizade, um dos pontos altos do filme, é uma clara paródia ao medo que esses grandes mamíferos têm de roedores.
Desde seus primeiros minutos, esta animação conquista o espectador pegando fundo em seu emocional. É cheia de simplicidade e ingenuidade a entrega dos bebês feitas pelas famosas cegonhas. Depois, não há como não se entristecer ao ver a mãe do elefantinho sendo mantida em cativeiro após se revoltar contra as outras elefantas, ocupando a vaga de madames fofoqueiras, e até mesmo contra os humanos que ridicularizaram seu filhote ou ao vê-lo sozinho em seu alojamento. Ainda somos brindados, graças a uma bebedeira acidental por champanhe, com uma belíssima e surreal sequência em que imagem e trilha sonora formam um casamento perfeito. Todavia, as histórias de bastidores soam mais interessantes que o próprio filme. Após o estrondoso sucesso de Branca de Neve e os Sete Anões, as produções seguintes do estúdio, Fantasia e Pinóquio, foram obras que consumiram muito tempo e dinheiro, mas que ofereceram resultados que colocaram a empresa em difícil situação financeira, o que obrigou Walt Disney a repensar os caminhos a serem seguidos. Disposto a colocar o lado comercial acima do artístico, ele optou em sua quarta inserção no gênero por realizar um desenho bem mais simplório em todos os aspectos, mas talvez jamais imaginasse que com um orçamento minúsculo poderia realizar um verdadeiro clássico, embora na época de seu lançamento os rendimentos não terem chegado a superar os seus custos, mas devido as contenções de despesas empregadas um fracasso retumbante não foi consolidado.
Embora tenha colhido críticas positivas, há justificativas para que as mesmas não tenham tido reflexos nos resultados financeiros imediatos do longa. A animação foi lançada em pleno ápice da Segunda Guerra Mundial, época em que as pessoas não estavam obviamente no clima de alegria, portanto, não fazia lógica alguma refugiar-se por algumas horas na magia contida no escurinho do cinema para logo depois enfrentar a triste realidade. O longa estreou bem, mas quando os americanos entraram nos conflitos armados literalmente o público sumiu pouco a pouco e até a capa de uma famosa revista destinada a festejar o aparente sucesso do elefantinho teve que ser trocada às pressas para destacar a guerra. Contudo, é claro que a obra acabou arrecadando muito mais com o passar dos anos e conquistando novos públicos, além dos produtos licenciados que estampam os personagens, dividendos recolhidos até hoje. É curioso que este desenho não foi um projeto concebido como algo grandioso. Simplesmente o Sr. Disney ganhou de um produtor um simplório livro com algumas poucas páginas e uma trama muito singela, mas não deu muita bola em um primeiro momento. Para chamar sua atenção os escritores Joe Grant, Otto Englander e Dick Huemer escreveram um roteiro que foi divido em partes e entregues aos poucos ao chefão de forma a instigá-lo até que um dia o próprio entrou em contato com eles muito entusiasmado perguntando como a história continuaria. O aval para o início dos trabalhos estava dado e a direção foi entregue à Ben Sharpsteen já que Disney só palpitava nas produções do início ao fim, mas o cargo de diretor sempre era ocupado por outro.
Como uma variação da fábula do patinho feio, o tema preconceito é abordado de forma muito delicada e tocante apostando todas as fichas em gags visuais e em um protagonista que mesmo sem pronunciar uma única palavra conquista o público com seu carisma e inocência. Neste projeto a equipe de desenhistas estava bem reduzida, mas o volume de trabalho aumentou acima das expectativas. O grande desafio era como conduzir uma narrativa cujo personagem principal não travava diálogos e precisava de alguma forma se expressar como uma criança pequena. O jeito era concentrar todos os esforços na construção visual do elefantinho dando atenção especial aos seus movimentos corporais, olhares e expressões faciais. E dessa forma Dumbo conseguiu e ainda consegue alegrar e emocionar milhares de pessoas. Com um colorido estarrecedor, fruto de uma coloração feita a base de aquarela, personagens cativantes e história enxuta e eficiente, o longa prova que não é preciso gastar milhões para conseguir um resultado digno, mesmo quando se trata de uma animação. Foi dado como sugestão a Disney que revisse seus planos e transformasse o desenho em um curta-metragem, opção mais simples e viável de transformar uma literatura de pequeno porte em audiovisual, mas o empresário optou por criar sequências novas para aumentar a duração do roteiro, ainda que o tempo de arte seja bem inferior a média de qualquer filme.
Como sempre existem pessoas que não tem o que fazer e ficam procurando pelo em ovo, muitos afirmam e propagam a ideia de que o longa é prejudicial às crianças por incentivá-las a revidar quando são ridicularizadas, racismo implícito na presença dos corvos em uma importante sequência e até mesmo pelo fato do elefante poder voar, mas convenhamos, se levarmos tudo a ferro e fogo assim não existiria cinema infantil. Conflitos e uma boa dose de fantasia são ingredientes essenciais. Aliás, certamente uma das sequências mais lembradas é a que se inicia após inexplicavelmente Dumbo acordar pendurado em galhos de uma árvore muito alta e ser arremessado por um bando de corvos e é assim que o elefantinho descobre que suas enormes orelhas, até então motivo de vergonha, eram seu diferencial. Com elas poderia voar e assim é incentivado por Timóteo a voltar ao circo para participar de um número inédito: ele pularia de uma altura considerável e deveria cair em cima de uma cama elástica, porém, o espetáculo envolvia fogo, como se fosse um prédio em chamas, e o resultado final poderia ser catastrófico se o elefantinho não usasse sua coragem para evitar uma tragédia e, de quebra, dar uma lição naqueles que um dia riram dele. Em tempos em que aparência é tudo, vale a pena reforçar o pensamento de que cada um tem seu valor individual e que primeiro precisa encontrá-lo para depois exigir ser aceito pelos outros. Fazendo um infame trocadilho, literalmente abaixar as orelhas e aceitar provocações não adianta nada.
Vencedor do Oscar de trilha sonora
Animação - 64 min - 1941
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