Abordando a antiga, mas ainda necessária, questão do preconceito racial, infelizmente o drama Um Reino Unido acabou sendo apenas mais um filme entre tantos outros a tocarem nesta ferida sem grandes aprofundamentos. Baseado em fatos reais, a trama começa no final dos anos 1940, em Londres, na Inglaterra, nos apresentando à Ruth Williams (Rosamund Pink), uma garota inglesa de família tradicional que trabalha como datilógrafa e que adora sair para dançar. Em uma dessas noitadas ela conhece um rapaz que lhe chama a atenção. Seretse Khama (David Oyelowo) é de descendência afro, mas ela não faz a menor ideia que ele é herdeiro do reino de Bechuanalândia, que futuramente viria a se chamar República do Botswana, um país do continente africano que na época ainda estava em pleno nascimento, ainda tomando suas formas. Levando em consideração simplesmente o sentimento do amor e o prazer mútuo pela boa música, os jovens se encontram outras vezes e acabam por se apaixonar.
Durante
os primeiros minutos do filme, o roteiro de Guy Hibbert faz questão de
explicitar a relação pura que nasce entre duas pessoas aos olhos da sociedade
incompatíveis. Eles não estão interessados nas condições financeiras um do
outro e tampouco importa se ela é branca e loira e ele negro, mas obviamente
chega o momento em que as diferenças da cor da pele lhes trará problemas. Certa
vez, o casal é cercado na rua por um grupo de homens que insultam Khama dando a
entender que ele não seria digno de uma companheira tão bela, esta que por sua
vez também é ofendida sendo tratada como um objeto cujos donos só poderiam ser
brancos e europeus. Essa é apenas uma das primeiras afrontas que o casal irá
suportar. O período histórico e a próprio ambiente londrino eram impregnados
por preconceitos sociais, de etnia, religiosos, entre outros. O mundo estava
saindo da Segunda Guerra, mas logo surgiria o movimento do apartheid que
promoveria a segregação racial conturbando ainda mais a relação dos jovens.
Se o
casamento inter-racial já era contra a lei, eles ainda teriam que enfrentar a
repulsa de suas próprias famílias que mostram-se contra a união. E assim começa
o calvário de Ruth e Khama que passam a sofrer ataques por todos os lados a fim
de separá-los. Casados em uma cerimônia discreta, o casal passará ser duramente
bombardeado com críticas e ações arbitrárias de familiares, populares e até
mesmo pela esfera política. Bechuanalândia era um protetorado britânico e
Tshekedi (Vusi Kunene), o tio de Khama que governava o país enquanto o sobrinho
e se preparava para assumi-lo, prevê que a união de um negro com uma inglesa
branca atingiria negativamente a moral de seu povo, assim recusou-se a passar o
trono enquanto o relacionamento amoroso do regente de direito não fosse
liquidado. O empobrecido território vivia sob constante ameaça da África do
Sul, o mais rico do continente, e não interessava ao governo da Grã-Bretanha
qualquer atrito já que via com bons olhos o regime abertamente racista e
segregacionista.
A diretora Amma Asante dá bastante ênfase às questões políticas que envolveram a Bechuanalândia durante os anos seguintes ao casamento de Khama, mas sem deixar de trabalhar o sofrido dia-a-dia do casal inclusive com pessoas próximas. Apesar de retratar eventos históricos, Um Reino Unido dialoga com a contemporaneidade que ainda luta por sociedades que preguem a democracia e liberdade em contrapartida de outras que acreditam que a superioridade racial e social é que devem ditar as regras. A preocupação em ser fiel aos fatos, incluindo filmagens de certas cenas em cenários reais em que os protagonistas estiveram, atrapalha um pouco para o viés melodramático decolar. Não nos envolvemos completamente com a história de amor apresentada e nem mesmo com a luta de pessoas em busca de um mundo mais justo e igualitário.
Tecnicamente perfeito com uma caprichada reconstituição de época, a trama chama mais a atenção por se tratar de fatos históricos que dificilmente encontramos nos livros de História, embora seus desdobramentos sejam de grande valor como a transformação de Bechuanalândia em um país independente onde aparentemente democracia, liberdade e prosperidade caminham de mãos dadas. Estranhamente, pouco ou nada ouvimos falar em noticiários sobre a República do Botswana, talvez por ser um reduto estranho em meio a um continente ainda marcado por muitos conflito étnicos, religiosos e até perversas ditaduras.
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