Na ativa desde meados da década de 1970 e tornado-se símbolo do cinema de ação, tendo as franquias Mad Max e Máquina Mortífera como destaques em seu currículo, Mel Gibson construiu uma carreira vitoriosa como ator, mas desde que experimentou o gostinho de assumir o comando das câmeras sua trajetória profissional deu uma grande guinada. Após estrear como diretor discretamente no drama O Homem Sem Face, não demorou muito e logo abocanhou o Oscar pelo épico Coração Valente e então passou a atuar menos, mas nem por isso passou a dirigir um filme atrás do outro. Como cineasta bissexto, Gibson passou a se dedicar a projetos que o desafiassem. Assim, em 2004, causou frisson com sua polêmica visão de A Paixão de Cristo, longa no qual dispensou o idioma inglês e afrontou a indústria hollywoodiana adotando os dialetos aramaico, latim e hebraico. Abusando da violência explícita para retratar o calvário das últimas horas de vida de Jesus, ele tirou uma modesta quantia de sua própria conta bancária para custear seu duvidoso projeto, mas conseguiu faturar trocentas vezes mais que o valor investido e isso o incentivou a realizar um novo e excêntrico sonho. Certo que há público para apreciar coisas diferentes e afoito a oferecer uma experiência tão visceral e sensorial quanto seu trabalho anterior, Gibson mergulhou de cabeça na realização de Apocalyto, aventura épica abordando a cultura de um povo erradicado. Dividido em três atos roteirizados pelo próprio em parceria com Farhad Safinia, o longa é ambientado na época da queda do império maia na América Central em meados do século 9.
Com as parcas colheitas devido a falta de chuvas, os governantes desta civilização acreditavam que a solução para o problema agrícola envolveria erigir mais templos e oferecer um maior número de sacrifícios humanos para aplacar a ira de seu Deus. Capturado por uma tribo rival e destinado a morrer em um ritual, o jovem Jaguar Paw (Rudy Youngblood) foge do reino, mas não sem antes prometer a Seven (Dalia Hernández), sua esposa grávida, e ao filho pequeno, ambos mantidos por questões de segurança por ele próprio em um fosso sem saída, que voltará para resgatá-los. Ao mirar sua lente para uma civilização antiga e carente de um registro cinematográfico digno, Gibson exigiu que seus atores, a maioria nativos sem experiência alguma diante das câmeras, falassem o dialeto maia da região mexicana de Yucatán utilizado até hoje pela população local. Dessa forma, o longa obrigatoriamente foi distribuído mundo afora legendado, mas ao contrário da sua visão masoquista da crucificação de Cristo, dessa vez o público debandou. Por outro lado a produção agradou aos críticos que deram destaque e elogiaram mais uma aventura ao estilo "gibsoniano".
Se fosse um diretor mais prolífero e mantivesse essa linha ousada de trabalho, certamente o nome de Gibson se tornaria uma espécie de grife tal qual sustentado por cineastas como Woody Allen e Pedro Almódovar. Trabalhando geralmente com temáticas e elementos semelhantes, seus filmes são admirados por grupos de fãs fiéis que se acostumaram a seus estilos. O ex-astro de ação, agora na posição de cineasta, precisaria cultivar uma nova plateia cativa que certamente não seria composta pelos mesmos que gostavam de ver o ator munido de arma na mão e a caça de bandidos. O claro interesse por História, desde os tempos mais remotos, e todo o mistério e fascínio envolvendo as descobertas arqueológicas acerca da civilização maia serviram para estimular a imaginação de Gibson que optou por uma narrativa pela ótica do próprio povo retratado, algo de dentro para fora, e fugiu do lugar comum das perspectivas dos conquistadores do Novo Mundo, geralmente impregnadas de preconceitos e achismos. Ainda assim, deixa a desejar quanto a curiosidades e esclarecimentos acerca da cultura maia, entretanto, algo irrelevante se levarmos em consideração que o protejo não tem pretensões de ser didático ou pedagógico.
A ideia era oferecer um produto chamativo aos olhos esteticamente e ofegante e até mesmo chocante em seu conteúdo. Apesar dos poucos trabalhos como cineasta, pode-se afirmar que os épicos são a praia de Gibson. Se como ator lhe negavam as vestes antigas e a espada em punho, quase sempre aparecendo trajado como um bad boy mesmo depois de maduro, no comando de seus próprios filmes ele pode soltar suas fantasias, ainda que não esteja em cena. Em Apocalypto, Gibson conseguiu relacionar todos os elementos que marcaram sua cinematografia. Se em sua reinterpretação da morte de Cristo surpreendeu com uma dramaticidade atípica, ao explorar a saga de um jovem e corajoso índio para manter sua honra e família ele meteu o pé no acelerador criando um épico de ação eletrizante, mas dotado de sensibilidade visual. Ainda assim, estão presentes cenas de violência brutal, torturas bárbaras, tensão angustiante e lutas bem coreografadas. No entanto, algumas sequências soam desnecessárias, como a de uma cabeça aberta jorrando sangue ou a de um personagem tendo o rosto dilacerado por uma pantera. Gibson pode não assumir em cena nenhum personagem na narrativa, mas de certa forma seu espírito está presente.
O filme tem ação
ininterrupta praticamente do início ao fim e para tanto a câmera estava sempre
em movimento em mãos ou presa a um cabo ou carrinho para poder deslizar e
capturar as cenas da maneira mais natural possível, nada de enquadramentos
milimetricamente coordenados. Manter essa perspectiva visual era o grande
desafio do diretor e sua equipe, além é claro da complicada logística para se
filmar em plena selva enfrentando a sangria de infestações de mosquitos e
outros tantos contratempos. Porém, os esforços foram válidos e mais uma vez
Gibson conseguiu contar uma boa trama, ambientada em um tempo e espaço nos
quais pôde investigar a natureza humana em situações adversas. Como o próprio
diretor declarou na época do lançamento, as melhores histórias são aquelas em
tempos de crise, quando as pessoas são obrigadas a fazerem coisas fora de suas
rotinas. Vendo por esse lado, Gibson está no caminho certo e pensando fora, bem
fora, da caixinha.
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