M. Night Shymalan causou frisson com O Sexto Sentido e até certo burburinho positivo em torno de Corpo Fechado. O público imediatamente se acostumou a ligar o seu nome a filmes com reviravoltas surpreendentes, porém, seus trabalhos seguintes sofreram com críticas negativas. Infelizmente este é o caso de A Vila, uma obra subestimada, mas que merece uma revisão por parte de seus detratores e ser descoberto por quem ainda não viu, caso contrário, você será tão alienado quanto a maior parte dos personagens deste filme. Sim, isso mesmo. Por trás de todo verniz amedrontador da obra, o diretor tem como principal objetivo fazer uma crítica às sociedades modernas. A produção pode gerar interpretações diversas se analisarmos o estilo de fazer cinema de Shymalan e o que os espectadores esperam ver em um trabalho seu. O público tem uma visão singular da filmografia do cineasta e ele, por sua vez, não quer se prender a um estilo único, ou melhor, joga a isca vendendo seu peixe apostando no suspense, mas sempre adotando um viés diferente para contar suas histórias fantásticas. No caso do filme em questão, as pessoas esperavam encontrar elementos sobrenaturais, bons sustos e, obviamente, um final inesperado. Contudo, todos estes elementos estão aqui, mas diluídos em uma narrativa lenta que desagradou os fãs de Shymalan, além do fato de causar estranheza a reviravolta surpresa acontecer gradativamente da metade para o final, o que esvazia as expectativas de uma conclusão avassaladora.
O enredo se divide em duas partes. A primeira privilegia o suspense de forma angustiante e totalmente verossímil apostando no terror psicológico, aquela tensão que todos já vivemos pelo menos uma vez na vida com medo de algo desconhecido. Já a segunda desconstrói aos poucos a atmosfera sufocante e abre espaço para o drama e para interpretações fabulosas de um elenco talentoso, mas ainda são mantidos alguns mistérios em suspenso. Shymalan usa um pequeno vilarejo do começo do século 19 para fazer um estudo sobre como o medo pode afetar a vida das pessoas, inclusive levando-as a cometer verdadeiras loucuras para se preservarem. De quebra, aborda ainda o poder da manipulação sobre os indivíduos mais suscetíveis e guarda para os minutos finais uma contundente crítica ao estilo de vida que impera atualmente (o filme é de 2004, mas a alfinetada ainda tem serventia ou é até mais necessária agora). Para alcançar seus objetivos, ele inicia sua história de forma intrigante e cujo ápice não demora a acontecer, abrindo assim caminho para um novo estilo de narrativa entrar em cena. O suspense cede lugar a um drama reflexivo que praticamente toma conta das quase duas horas de projeção, mas os segredos do roteiro, de autoria do próprio diretor, vão sendo pouco a pouco revelados até que as últimas cenas chegam para impor uma crítica social, uma virada brusca no caminho trilhado pelo filme até então, mas totalmente aceitável e que justifica com perfeição a existência da tal vila e suas crenças.
O vilarejo parece um lugar bucólico onde todos os vivem em harmonia, são religiosos, educados e gostam de confraternizações, porém, ninguém se sente totalmente seguro já que o local só respira essa paz por causa de um acordo feito com os monstros que habitam a floresta que o cerca. Um descuido de qualquer um dos moradores e o pior pode acontecer. Assim, a população frequentemente faz oferendas de comidas para os chamados "Aqueles de Quem Não Mencionamos", ninguém deve atravessar o matagal e a cor vermelha é terminantemente proibida, pois isso atrairia os tais seres malignos. Porém, um dia alguém desobedece as regras. Lucius Hunt (Joaquim Phoenix), decide enfrentar o desconhecido por uma nobre causa, mas não se preocupou com o fato de que esse ato mudaria para sempre o futuro do vilarejo. Certa noite, o caos toma conta do local. O sinal de alerta é tocado e o mistério é revelado. As tais criaturas apavorantes invadem a vila, mas o ataque é como um aviso de que algo pior poderia acontecer se as desobediências continuassem. Passada a fase dos sustos, entra em cena uma segunda etapa do roteiro. Se antes os tais monstros eram as estrelas, agora é a vez de o elenco brilhar. Hunt se aproxima de Ivy Walker (Bryce Dallas Howard), uma jovem com deficiência visual, mas com muita coragem e bom coração. Ela acaba atraindo a atenção do desequilibrado Noah Percy (Adrien Brody), que acaba por cometer uma loucura. Ele fere gravemente o pretendente de seu objeto de amor platônico e a moça decide enfrentar o desconhecido e ir buscar ajuda na cidade que fica após os limites da floresta. Sua atitude corajosa e o fato de ser cega fazem com que Edward Walker (William Hurt), o líder local, passe valiosas instruções para ela conseguir cumprir a travessia.
A partir do momento em que Ivy penetra na floresta, os segredos que envolvem a fundação do vilarejo vão sendo dissecados e as peças vão se juntando na cabeça do espectador levando-o a compreender o final que, passado o impacto negativo que pode provocar em um primeiro instante, convenhamos, é muito provocativo e inteligente. Toda a ambientação e estética do filme permitem ao espectador entrar em um mundo em que o clima de tensão é constante e mesmo quando as revelações vêm a tona a angústia continua na expectativa de saber qual a surpresa que o diretor guardou para o desfecho. Para quem gosta de ser surpreendido, uma excelente pedida. Já para aqueles que preferirem ver o enredo pelo viés do excêntrico triângulo amoroso, a decepção deve ser eminente. Infelizmente, Shymalan teve que amargar a decepção deste filme ter fracassado em termos comerciais e até hoje ser um fantasma que o persegue, uma verdadeira injustiça. Com uma narrativa que transita muito bem do suspense para um drama poético e sustentado por atuações brilhantes, o longa tem uma mensagem contundente e contemporânea e todos devíamos refletir sobre o assunto.
O mito das criaturas misteriosas com a finalidade de confinar a população em um determinado local pode ser transportado facilmente para a nossa realidade, pois hoje muitas pessoas se fecham em suas casas com medo da violência. O vilarejo serve como uma metáfora, como se fosse uma variação de um condomínio fechado, atual sonho de consumo de milhares de pessoas. Tudo que é preciso para sobreviver e ter conforto está a disposição lá dentro, salvo raras exceções, e não é necessário sair para fazer mais nada e assim você se preserva ou pelo menos vive essa ilusão. As críticas ferrenhas a este trabalho, sinceramente, só podem ter sido feitas por pessoas despreparadas, mas não se pode culpá-las. É natural que com um nome de peso por trás das câmeras e que, sem querer, com um único filme definiu seu estilo, gerasse expectativas que, no caso, não foram correspondidas. Agora, após alguns anos e depois que o cineasta entregou produtos realmente merecedores de críticas menos favoráveis como A Dama na Água e Fim dos Tempos, é possível se fazer uma análise mais correta e justa de A Vila. Procure assistir esta interessante experiência cinematográfica livre de amarras e conceitos previamente definidos. Reflita em seguida e perceba o quanto de conteúdo relevante existe nesta produção e com conexão com nossa triste realidade.
Suspense - 120 min - 2004
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