NOTA 7,0 Segunda incursão Disney em live-action no País das Maravilhas, repete equívocos do longa anterior, como o visual sobrepondo-se a trama |
Claramente adepto a histórias e
personagens bizarros e com um quê de melancolia, o diretor Tim Burton teve a
chance de deitar e rolar com as possibilidades oferecidas pela obra do escritor
inglês Lewis Carroll. As aventuras de uma jovem por um mundo onde absolutamente
tudo pode acontecer já foi adaptada pelo cinema diversas vezes sendo a mais
famosa a animação feita pela Disney homônima ao livro. Lançada em 1951, Alice no País das Maravilhas na época
fracassou comercialmente e foi duramente critica pela imprensa, mas com o
passar dos anos acabou ganhando status de clássico do estúdio. Pensado
inicialmente como um projeto calcado na interação de atores reais e personagens
animados, tal ideia só foi concretizada seis décadas mais tarde pelas mãos de
Burton tirando proveito do que havia de mais moderno em termos de computação
gráfica. O longa bombou nas bilheterias e inflou os cofres da casa do Mickey
Mouse em 2010, porém, angariou inúmeros comentários negativos tanto por parte
da crítica quanto do público. As principais reclamações eram quanto ao visual
extremamente sombrio, que não condiz com o colorido mundo imaginado pelas
descrições do livro, e a falta de ritmo, algo diretamente ligado ao fato da
preocupação com um visual arrebatador se sobrepor a construção da narrativa. O
resultado é um filme um tanto extravagante, mas que ao menos honra a assinatura
de Burton, algo que não acontece em Alice Através do
Espelho, desta vez sob a batuta de James Bobin, diretor responsável
pelo retorno dos Muppets aos cinemas. A roteirista, no entanto, continuou a
mesma. Linda Woolverton, especialista em tramas infantis com pitadas de
dramaticidade, como as animações A Bela e
a Fera e O Rei Leão, aqui enfoca
as famílias desfeitas, algo cada vez mais pertinente ao universo das crianças.
Mais uma vez Mia Wasikowska encarna a personagem-título, agora mais madura e
assumindo a vaga de capitã do navio que pertenceu ao seu falecido pai. Contudo,
ela continua sonhadora, cheia de dúvidas e sem a força necessária para
protagonizar um enredo, deixando coadjuvantes lhe roubarem a cena, mesmo com o
Gato Risonho e a Lebre Maluca, por exemplo, em cena praticamente como
figurantes.
O prólogo já deixa claro que o
espetáculo gráfico é a prioridade da fita. Após comandar com pulso firme sua
tripulação em uma intensa batalha em alto-mar, Alice descobre que seu ex-noivo
Hamish (Leo Bill), o presidente da diretoria de navegação, quer desapropriar a
embarcação da moça. Poderia ser apenas um ato de vingança, porém, mais do que
isso, revela o machismo impregnado na sociedade que não aceita mulheres
assumindo funções típicas masculinas. Decepcionada com a situação,
repentinamente ela tem a chance de voltar ao País das Maravilhas e sentir-se
útil. A pedido de Absolem (voz de Alan Hickman em seu derradeiro trabalho), a
lagarta filósofa que se transformou em borboleta, ela retorna a terra mágica
para reencontrar e ajudar o Chapeleiro Louco (Johnny Depp) que encasquetou que
sua família considerada morta está viva e quer reencontrá-los, mas para tanto é
preciso voltar ao passado e descobrir o que realmente aconteceu a seus parentes
no dia que sumiram. Alice aceita colaborar na missão, contudo, precisará
aprender a lidar literalmente com o Tempo (Sacha Baron Cohen), a entidade
responsável por controlar o passado, o presente e o futuro e que usa seu poder
com extremo cuidado. Convencê-lo a fazer qualquer alteração no que já aconteceu
ou no que já está planejado a ser realizado é uma tarefa quase impossível. Na
surdina, a garota terá que pôr as mãos na cronosfera, um objeto que mantém o
relógio da vida funcionando com precisão, mas Tempo descobre seu plano e fará
de tudo para impedi-la. Apesar de perseguir a mocinha e por vezes parecer
amedrontador, ele não é em sua essência um vilão, apenas quer cumprir sua
tarefa de preservar a ordem do universo e, diga-se de passagem, é mais fácil
torcer por seus propósitos do que por Alice que acaba criando situações
desnecessárias para ajudar um amigo. Wasikowska novamente trabalha o perfil de
sua personagem com certas amarras, mesmo com a introdução indicando
independência e auto-confiança conquistadas. Não a toa seus melhores momentos
são apresentados quando está no mundo real questionando a obrigação da mulher
estar sempre bela, cuidar do lar e ser recatada. Em paralelo, há mais alguém
interessado em revisitar o passado. A Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter)
deseja voltar à infância para reviver o exato momento em que sua relação com a
Rainha Branca (Anne Hathaway), sua irmã , ficou irremediavelmente abalada. Todavia,
o motivo da briga é um tanto decepcionante e não justifica o duelo que travam
desde então.
Como o primeiro filme já
incorporava elementos que fazem parte da segunda aventura literária de Alice,
como a fusão dos perfis da Rainha de Copas com a monarca Vermelha, a passagem
pelo espelho mágico soa como uma desculpa esfarrapada para uma nova visita ao
País das Maravilha, assim como a dramaticidade exagerada em torno do conflito
do Chapeleiro Louco. Ao menos desta vez o excêntrico personagem ganha uma
função mais orgânica na narrativa e Depp dosa seus trejeitos. Se no longa
anterior sua presença eclipsou a protagonista quase que por uma imposição para
o projeto ser realizado, aqui ele se conforma em ser um mero coadjuvante, mesmo
com as possibilidades de seu arco dramático. Contudo, Carter é quem novamente
interpreta o papel com maior complexidade, mesclando ironia e maldade, embora a
equipe de efeitos especiais outra vez cometa algumas falhas na composição de
sua rainha tirana, mais especificamente por vezes a inserem mal nos cenários ou
na interação com outros personagens. O Tempo também é uma grata surpresa, mesmo
com o roteiro não aproveitando todo potencial que uma figura tão abstrata
poderia oferecer. Do bem ou do mal, Cohen consegue sustentar tal dúvida
brincando com a percepção do espectador e trazendo o sentimento onírico
inerente à obra de Carroll que fora diluído por Burton no longa anterior. Em
seu castelo, por exemplo, seus seguidores robóticos, os segundos, se unem para
formar robôs, então os minutos, até que se acumulam a ponto de formarem a hora.
A parte visual e sonora é um show a parte como esperado, unindo modernidade e
certo visual retrô, visto que a tal cronosfera é uma geringonça mecânica
acionada com volantes e cordas para puxar. Também merecem destaque a casa do
Chapeleiro, construída em formato de cartola, e o castelo da Rainha Vermelha, arquitetado
com um emaranhado de galhos rubros espinhentos que formam por dentro um
labirinto e por fora um sinistro coração. Embora tente esclarecer pontos que
justifiquem os perfis e as ações de seus personagens, além de imprimir um ritmo
mais ágil ao texto, Alice
Através do Espelho repete o erro de seu antecessor e deixa o
visual tomar a força da palavra. Isso não seria problema caso as imagens não
resultassem em uma cacofonia de elementos cujas mensagens podem ser de difícil
compreensão. A grande lição do filme é que não é possível mudar o passado, mas
sim aprender com ele. Uma pena que os próprios realizadores não tenham entendido
a moral e repetiram erros do primeiro longa. Será que Alice fará uma nova
visita ao reino mágico para a equipe de criação corrigir tais equívocos?
Aventura - 112 min - 2016
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