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quinta-feira, 9 de abril de 2015

ATOS QUE DESAFIAM A MORTE

NOTA 5,0

Embora tenha como protagonista
um dos principais ilusionistas de
todos os tempos, falta magia a esta
mescla de romance e suspense insossos
Por várias vezes o cinema viveu um período de coincidências de temas. Do ponto de vista de minúsculos insetos quanto ao gigantismo do mundo, passando pela infestação de demônios aproveitando-se dos temores que rondavam a época da virada do milênio e até chegando a explorações do planeta Marte para verificar as condições para a vida humana, muitos podem considerar a repetição de temáticas como espionagem industrial. Alguém deu com a língua nos dentes e passou adiante ideias, mas no cinema pouco se cria e muito se copia, isso é fato! Um mesmo argumento pode oferecer diversos caminhos a serem trabalhados. Entre os anos de 2006 e 2007, por exemplo, a magia estava na moda. O Ilusionista contou uma típica história de amor com herói, mocinha e vilão enquanto O Grande Truque apostou na rivalidade, a busca pela fama de dois mágicos custe o que custar. Sem a mesma publicidade e sucesso, quase que simultaneamente foi lançado Atos Que Desafiam a Morte, mais um romance envolvendo o universo da magia, mas misturando personagens e fatos reais e fictícios. Harry Houldini, nome artístico de Ehrich Weiss, até hoje é considerado um dos principais nomes da arte do ilusionismo de todo o mundo, famoso por trucagens envolvendo sofrimentos corporais e fugas espetaculares, como conseguir escapar de correntes e tanques aquáticos. Coube ao ator Guy Pearce encarnar tal figura no auge de seu sucesso, mais especificamente no final de sua turnê pela Europa em 1926. Obcecado por teorias a respeito de vida após a morte, quando chegou a Edimburgo, na Escócia, desafiou médiuns e outros mágicos a revelarem as últimas palavras de sua mãe antes de vir a falecer e que só ele ouviu. A frase foi guardada em um envelope e colocada em um cofre e só seria revelada quando surgisse alguém que provasse ser capaz de entrar em contato com o mundo dos mortos. Tal pessoa ganharia um generoso prêmio em dinheiro e, como não poderia deixar de ser, Houldini conseguiu desmascarar dezenas de charlatões que se candidataram à missão.

Certo dia o mágico conhece Mary McGarvie (Catherine Zeta-Jones), uma mãe solteira que com a ajuda da filha Benji (Saoirse Ronan) ganha a vida exibindo duvidosos números de mediunidade ou, em outra palavras, aplicando golpes descaradamente. A dupla se aproximou de Houldini de olho no prêmio milionário, mas logo ele percebe que elas não passam de picaretas, o que não o impede de admirar a beleza e se encantar pela falsa médium. Eles acabam se apaixonando a ponto do rapaz mudar de ideia e ter certeza que Mary será a pessoa capaz de vencer seu desafio. A moça, por sua vez, está totalmente envolvida e não raramente esquece o fato de que chegará a hora em que terá que ficar frente a frente com especialistas, de cientistas a teólogos, para enfim revelar as tais palavras que no fundo não tem a menor ideia de quais são. Benji é mais guiada pela razão do que pela emoção e não gosta nada dessa aproximação, procurando forçar a mãe a não desviar do foco do plano inicial. O roteiro de Tony Grisoni e Brian Ward então se resume a narrar essa história de amor fadada ao fracasso, um viés muito pobre diante de tudo aquilo que a história de vida do protagonista poderia oferecer. Pateticamente morto após ser esmurrado por um boxeador amador, a trama certamente desperdiça ótimas passagens tanto da vida pessoal quanto profissional do mágico e centra as atenções em um affair sem graça e desprovido de profundidade. Ao espectador resta acompanhar o filme com certo distanciamento. A expectativa em ver na tela as habilidades do ilusionista se esvaem rapidamente e as poucas cenas em que surge realizando truques não empolgam, falha da diretora australiana Gillian Armstrong, afeita a produções de época. Responsável, por exemplo, por Adoráveis Mulheres,  Oscar e Lucinda e Charlotte Gray - Paixão Sem Fronteiras, em comum suas obras possuem apelo visual e elenco de peso, mas em geral deixam a desejar quanto a narrativa. Certamente nas mãos de cineastas como Tim Burton ou Terry Gilliam, mais acostumados ao universo fantástico, uma cinebiografia de Houldini se transformaria em um projeto mais estilizado e aprofundado, mas é óbvio que também fariam questão de trabalhar com um roteiro mais robusto. A diretora até que inicia o filme de forma bastante interessante, com um minucioso trabalho diegético para situar o espectador, mas não consegue sustentar tal apuro.

O  perfil do mágico acaba resumido ao de um homem perturbado pela morte da mãe e por sua incapacidade de se entregar ao amor. Famoso pelos truques que o prendam a situações limites, ironicamente sua vida pessoal é cheia de amarras por conta de receios. Já Mary e Benji de certa forma suas antagonistas na trama e personagens fictícias, pelas circunstâncias da vida foram obrigadas a abandonar a ética e seus medos para sobreviverem. Mentem sem pudores e até machucam emocionalmente os outros em troca de seus sustentos diários. Contudo, se a possibilidade de um romance traz de volta a esperança da mãe em ter uma vida mais digna, sua filha demonstra pessimismo, já está impregnada com a ideia de que não se vive de amor e se faz necessário ter dinheiro. Ainda uma criança praticamente, mas com seu talento já reconhecido com indicações a prêmios por Desejo e Reparação, Ronan é quem tem o melhor desempenho caindo sobre seus ombros o peso de tentar manter a relevância da história já que em off narra a sua visão dos acontecimento, contudo, praticamente entrega o desfecho da trama precocemente. A ela cabe reverter a situação com seu carisma e competência. Também se sobressai a atuação de Timothy Spall como o Sr. Sugarman, o ambicioso empresário do ilusionista que está sempre disposto a salvá-lo de emboscadas. O ator acaba por servir de escada para a atuação de Pearce e juntos travam intensos diálogos, mas não é o bastante para o protagonista se destacar. Por vezes arrogante, ora um tanto tolo, o Houldini aqui apresentado não cria empatia com o espectador e está longe da figura mítica que deveria representar. Por fim, Zeta-Jones, que há tempos vinha se envolvendo em produções sem grandes projeções, nunca esteve tão apática. Sobra brilho e presença a seus figurinos, mas tais características não foram impressas no perfil de sua golpista. Atos Que Desafiam a Morte tinha em sua essência possibilidades para ser um excelente filme que poderia flertar com o romance, o drama e até o suspense. Optou-se pelo primeiro gênero, mas sem a intensidade ou sensualidade necessárias para tornar crível o envolvimento de um homem movido a desafios com uma charlatã consciente que seus atributos físicos é o que teria de melhor a oferecer. Armstrong ficou devendo uma produção à altura do que o homenageado representa no universo artístico e popular.

Romance - 97 min - 2007

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