NOTA 5,0 Embora tenha como protagonista um dos principais ilusionistas de todos os tempos, falta magia a esta mescla de romance e suspense insossos |
Por várias vezes o cinema viveu
um período de coincidências de temas. Do ponto de vista de minúsculos insetos
quanto ao gigantismo do mundo, passando pela infestação de demônios
aproveitando-se dos temores que rondavam a época da virada do milênio e até
chegando a explorações do planeta Marte para verificar as condições para a vida
humana, muitos podem considerar a repetição de temáticas como espionagem
industrial. Alguém deu com a língua nos dentes e passou adiante ideias, mas no
cinema pouco se cria e muito se copia, isso é fato! Um mesmo argumento pode
oferecer diversos caminhos a serem trabalhados. Entre os anos de 2006 e 2007,
por exemplo, a magia estava na moda. O
Ilusionista contou uma típica história de amor com herói, mocinha e vilão
enquanto O Grande Truque apostou na
rivalidade, a busca pela fama de dois mágicos custe o que custar. Sem a mesma
publicidade e sucesso, quase que simultaneamente foi lançado Atos Que Desafiam a Morte, mais um romance
envolvendo o universo da magia, mas misturando personagens e fatos reais e
fictícios. Harry Houldini, nome artístico de Ehrich Weiss, até hoje é
considerado um dos principais nomes da arte do ilusionismo de todo o mundo,
famoso por trucagens envolvendo sofrimentos corporais e fugas espetaculares,
como conseguir escapar de correntes e tanques aquáticos. Coube ao ator Guy
Pearce encarnar tal figura no auge de seu sucesso, mais especificamente no
final de sua turnê pela Europa em 1926. Obcecado por teorias a respeito de vida
após a morte, quando chegou a Edimburgo, na Escócia, desafiou médiuns e outros
mágicos a revelarem as últimas palavras de sua mãe antes de vir a falecer e que
só ele ouviu. A frase foi guardada em um envelope e colocada em um cofre e só
seria revelada quando surgisse alguém que provasse ser capaz de entrar em
contato com o mundo dos mortos. Tal pessoa ganharia um generoso prêmio em
dinheiro e, como não poderia deixar de ser, Houldini conseguiu desmascarar
dezenas de charlatões que se candidataram à missão.
Certo dia o mágico conhece Mary
McGarvie (Catherine Zeta-Jones), uma mãe solteira que com a ajuda da filha
Benji (Saoirse Ronan) ganha a vida exibindo duvidosos números de mediunidade
ou, em outra palavras, aplicando golpes descaradamente. A dupla se aproximou de
Houldini de olho no prêmio milionário, mas logo ele percebe que elas não passam
de picaretas, o que não o impede de admirar a beleza e se encantar pela falsa
médium. Eles acabam se apaixonando a ponto do rapaz mudar de ideia e ter
certeza que Mary será a pessoa capaz de vencer seu desafio. A moça, por sua
vez, está totalmente envolvida e não raramente esquece o fato de que chegará a
hora em que terá que ficar frente a frente com especialistas, de cientistas a
teólogos, para enfim revelar as tais palavras que no fundo não tem a menor
ideia de quais são. Benji é mais guiada pela razão do que pela emoção e não
gosta nada dessa aproximação, procurando forçar a mãe a não desviar do foco do
plano inicial. O roteiro de Tony Grisoni e Brian Ward então se resume a narrar
essa história de amor fadada ao fracasso, um viés muito pobre diante de tudo
aquilo que a história de vida do protagonista poderia oferecer. Pateticamente morto
após ser esmurrado por um boxeador amador, a trama certamente desperdiça ótimas
passagens tanto da vida pessoal quanto profissional do mágico e centra as
atenções em um affair sem graça e desprovido de profundidade. Ao espectador
resta acompanhar o filme com certo distanciamento. A expectativa em ver na tela
as habilidades do ilusionista se esvaem rapidamente e as poucas cenas em que
surge realizando truques não empolgam, falha da diretora australiana Gillian
Armstrong, afeita a produções de época. Responsável, por exemplo, por Adoráveis Mulheres, Oscar e
Lucinda e Charlotte Gray - Paixão Sem
Fronteiras, em comum suas obras possuem apelo visual e elenco de peso, mas
em geral deixam a desejar quanto a narrativa. Certamente nas mãos de cineastas
como Tim Burton ou Terry Gilliam, mais acostumados ao universo fantástico, uma
cinebiografia de Houldini se transformaria em um projeto mais estilizado e
aprofundado, mas é óbvio que também fariam questão de trabalhar com um roteiro mais
robusto. A diretora até que inicia o filme de forma bastante interessante, com
um minucioso trabalho diegético para situar o espectador, mas não consegue
sustentar tal apuro.
O perfil do mágico acaba resumido ao de um homem
perturbado pela morte da mãe e por sua incapacidade de se entregar ao amor. Famoso
pelos truques que o prendam a situações limites, ironicamente sua vida pessoal
é cheia de amarras por conta de receios. Já Mary e Benji de certa forma suas
antagonistas na trama e personagens fictícias, pelas circunstâncias da vida
foram obrigadas a abandonar a ética e seus medos para sobreviverem. Mentem sem
pudores e até machucam emocionalmente os outros em troca de seus sustentos
diários. Contudo, se a possibilidade de um romance traz de volta a esperança da
mãe em ter uma vida mais digna, sua filha demonstra pessimismo, já está
impregnada com a ideia de que não se vive de amor e se faz necessário ter
dinheiro. Ainda uma criança praticamente, mas com seu talento já reconhecido
com indicações a prêmios por Desejo e
Reparação, Ronan é quem tem o melhor desempenho caindo sobre seus ombros o
peso de tentar manter a relevância da história já que em off narra a sua visão
dos acontecimento, contudo, praticamente entrega o desfecho da trama
precocemente. A ela cabe reverter a situação com seu carisma e competência.
Também se sobressai a atuação de Timothy Spall como o Sr. Sugarman, o ambicioso
empresário do ilusionista que está sempre disposto a salvá-lo de emboscadas. O
ator acaba por servir de escada para a atuação de Pearce e juntos travam
intensos diálogos, mas não é o bastante para o protagonista se destacar. Por vezes
arrogante, ora um tanto tolo, o Houldini aqui apresentado não cria empatia com
o espectador e está longe da figura mítica que deveria representar. Por fim,
Zeta-Jones, que há tempos vinha se envolvendo em produções sem grandes
projeções, nunca esteve tão apática. Sobra brilho e presença a seus figurinos,
mas tais características não foram impressas no perfil de sua golpista. Atos Que Desafiam a Morte tinha em sua
essência possibilidades para ser um excelente filme que poderia flertar com o
romance, o drama e até o suspense. Optou-se pelo primeiro gênero, mas sem a
intensidade ou sensualidade necessárias para tornar crível o envolvimento de um
homem movido a desafios com uma charlatã consciente que seus atributos físicos
é o que teria de melhor a oferecer. Armstrong ficou devendo uma produção à
altura do que o homenageado representa no universo artístico e popular.
Romance - 97 min - 2007
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