Nota 6 Com um gigantesco crocodilo como vilão, longa aposta mais no suspense que na carnificina
Houve um tempo em que os filmes de animais assassinos estavam em alta. Geralmente pautados em cima de enredos sobre mutações genéticas que deram errado, a mescla de suspense e horror não demorou muito a ser rotulada como trash, produções que causam risos involuntários devido as condições precárias, além de situações e atuações um tanto bizarras. Na época das videolocadoras fitas do tipo eram lançadas aos montes, mas nos cinemas o espaço sempre foi restrito. Agora os animais-vilões acharam lugar cativo em alguns canais de TV fechada e serviços de streaming que garimpam pérolas do subgênero (não é um elogio, é no sentido irônico mesmo), como é o caso de Morte Súbita. O ponto de partida é o básico da seara. Uma excursão pelas águas do Parque Nacional Kakadu, no norte da Austrália, conhecidas pelos gigantescos crocodilos que as habitam, se transforma em um verdadeiro pesadelo. Guiados pela corajosa Kate (Radha Mitchell), o passeio seguia bem, mesmo com a desagradável intromissão do ex-namorado dela, o rude Neil (Sam Worthington), até que ela desvia o caminho planejado para socorrer um suposto pedido de ajuda disparado por um sinalizador em uma parte mais densa do rio onde são surpreendidos por um ataque de algo que não conseguem identificar (no meio de um rio cheio de crocodilos, dãããã).
Com a embarcação danificada, os turistas ficam ilhados a espera de socorro, mas a maré sobe com rapidez e em questão de poucas horas o local será submerso. Entre os acuados está o jornalista Pete McKell (Michael Vartan), que em um primeiro momento mostra-se fechado e evita contato com seus companheiros de viagem como Simon (Stephen Curry), o viúvo Russell (John Jarratt), Allen (Geoff Morrell) e sua esposa Elizabeth (Heather Mitchell), além da filha do casal, a jovem Sherry (Mia Wasikowska). Contudo, eles terão que se unir para fugir do local que além do avanço das águas guarda um perigo ainda maior: um gigantesco e agressivo crocodilo. Então já sabemos que vai ter muito corre-corre, gritaria, estrondos e que os personagens vão ser devorados um a um até sobrarem os heróis que desde o início são anunciados. Errado! Fugindo do batido tema do animal geneticamente modificado que se torna ameaça, o diretor e roteirista australiano Greg McLean, do sádico e perturbador Wolf Creek - Viagem ao Inferno, foi buscar inspiração em histórias de seu próprio país-natal. Na década de 1970, a Austrália somou muitas mortes por conta de ataques de um enorme réptil a barcos pesqueiros. Com mais de cinco metros de comprimento, seu esqueleto hoje é exposto em um museu.
Apesar da premissa típica de um filme B, o cineasta insere algumas pequenas diferenciações para não transformar sua obra em uma carnificina gratuita e por tabela cômica. Ele economiza no horror e no choque visual e investe no suspense construindo uma atmosfera de tensão crescente. A introdução não busca impacto e o bichão demora a aparecer. A apresentação dos personagens é feita em paralelo a exibição de belas imagens de um cenário pantanoso e de sua flora e fauna, mas o clima de documentário sobre a natureza pouco a pouco se esvai a medida que vão surgindo os problemas do grupo. Contudo, os fãs de violência explícita devem se decepcionar. O grande chamariz da fita só revela suas escamas por completo no clímax, assim McLean segue a cartilha de Steven Spielberg, guardadas as devidas proporções, que fez escola com o clássico Tubarão. Antes a presença do animal é mais sugestionada, sendo fiel ao comportamento real dos crocodilos. Silenciosos, observadores e inteligentes, aguardam a distração de seus alvos para atacar. Quando o bichão entra em cena pra valer seu visual não decepciona. Bastante realista em seu vagaroso caminhar, mas ágil e certeiro em seus ataques, a criatura rendeu ao filme o prêmio de melhores efeitos especiais do Australian Film Institute, um grande reconhecimento para uma produção de baixo orçamento e com temática automaticamente rotulada como trash.
Uma das melhores sequências é quando os refugiados da ilha precisam fazer uma travessia pendurados em cordas. Qualquer descuido e podem vir a se afogar ou serem devorados pelo crocodilo que pode estar em qualquer lugar submerso. O diretor coordena várias cenas de roer as unhas ampliando a tensão com ambientes escurecidos e praticamente ausência de trilha sonora ou efeitos de som estridentes, assim dá para se arrepiar com a respiração ofegante dos personagens e estalar dos galhos de árvores. Obrigados a deixarem diferenças de lado e se unirem para sobreviverem, a trama acaba ganhando em dramaticidade apostando nos conflitos humanos e deixando em segundo plano a relação homem versus animal que só ganha força no ato final que, diga-se de passagem, deixa a desejar em termos de emoção no previsível confronto entre a fera e McKell que desde o início posa de herói. Morte Súbita tem o mérito de não demonizar o réptil e destacar que seus ataques são simplesmente respeitando instintos de sua natureza e para proteger seu território. Isso sem precisar apelar apara discursos fajutos em defesa do ecossistema, melhor ainda.
Se acerta nesses pontos, todavia, o roteiro repete o erro mais comum desse tipo de produção: construção de personagens. É primordial que o espectador crie laços com quem está em cena para sofrer junto a angústia dos momentos tensos bem como sentir a perda quando forem devorados, mas os perfis criados não cativam, além de serem estereotipados e interpretados por um elenco no piloto automático. Tem o afrontador, o exibido, o desbocado, o sabe-tudo, a adolescente chorona e nem o mocinho da fita nos convence simplesmente porque em sua apresentação inicial restringe-se a fazer cara de paisagem. Aliás, o primeiro ato desperdiça preciosos minutos justamente apresentando imagens da natureza, que embora belas atrapalham o ritmo. Não há nem uma tomada como se fosse a ótica do crocodilo espreitando os turistas para dar uma instigada, algo que até o mal feito Anaconda apresenta. No mais, mesmo com diversos problemas, McLean realiza um representante acima da média para o chamado eco-horror e que felizmente ficou só em um fita, evitando o constrangimento de uma ridícula franquia tal qual aconteceu com Pânico no Lago.
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