Nota 7 Um tanto subestimados, protagonistas surpreendem com atuações, perfis e conflitos críveis
Não é só no Brasil que os casais famosos tentam lucrar com seus relacionamentos. Entre os astros de Hollywood a prática é bastante comum e certamente anos mais tarde, solteiros ou envolvidos com outras pessoas, devem se constranger quando questionados a respeito de como foi dividir a cena com antigos namorados em determinados filmes. Pior ainda quando em cena também precisaram dividir a cama como foi o caso de Ben Affleck e Gwyneth Paltrow em Mais Que o Acaso. Quando o filme foi lançado eles já estavam separados, o romance foi do tipo relâmpago, mas durou tempo suficiente para aguçar certas pessoas a tentarem lucrar com o relacionamento, a começar pelos próprios atores já que a moça indicou o então namorado para ser seu par romântico. Após trabalharem juntos no premiado Shakespeare Apaixonado, com a loirinha suscitando discussões a respeito de sua interpretação supervalorizada, chegava o momento do casal levar a química da vida real para as telas, mas o resultado é um tanto frio.
Affleck vive Buddy Amaral, um bem-sucedido publicitário de Los Angeles que certo dia fica preso no aeroporto por conta de um atraso no seu voo o que lhe dá a oportunidade de conhecer uma bela garota com quem decide passar a noite. Antes disso ele também fez amizade com Greg Janello (Tony Goldwyn), um escritor da mesma cidade a quem o rapaz decide oferecer sua passagem. O problema é que seu ato de camaradagem acaba se tornando uma tragédia. A viagem de avião resulta em um grave acidente e o publicitário passa a se culpar pela morte do pai de família que só queria chegar mais cedo em casa para ver sua esposa e filhos. Amaral então se entrega ao vício em bebidas, uma mera desculpa do roteiro para aproximá-lo da jovem viúva. Seguindo os passos de um manual de recuperação, meses após a tragédia ele decide procurar Abby (Paltrow) para contar tudo o que aconteceu e pedir perdão, porém, acaba se apaixonando pela moça. Embora insista em sempre falar do marido e negar a viuvez intitulando-se divorciada, ela é quem procura insistentemente o rapaz que no início preferia ignorar as investidas.
O tempo passa e quando o rapaz percebe já está totalmente envolvido com a moça e até mesmo criou laços afetivos com os filhos pequenos do falecido. E agora, como contar a verdade? A espinha dorsal do roteiro é o dilema de Amaral. Se conta a verdade sobre a troca de voos pode perder a pessoa mais importante que surgiu em sua vida, mas por outro lado se continuar mentindo carregará a sensação de estar sempre acuado e vivendo um relacionamento superficial com ela. Segundo longa escrito e dirigido por Don Ross, que carregava elogios pelo independente O Oposto do Sexo, esperava-se mais de alguém que logo em seu trabalho de estreia acumulando funções ousou ao colocar como protagonista e narradora uma personagem antipática e de difícil identificação com o público. Com atores em evidência e a vontade (ou seria imposição?) de realizar um romance do jeitinho que Hollywood gosta, parece que Ross se sentiu pressionado e desperdiçou um sugestivo argumento em prol de um romance tradicional, embora não apele para soluções mágicas que infestam as fitas do gênero.
Em Mais Que o Acaso ironicamente não há acasos, pelo contrário, tudo se encaixa perfeitamente para narrar a aproximação dos protagonistas, o momento de êxtase da relação, o rompimento e a inerente reconciliação. Até uma personagem surge do nada para embolar o romance do casal com uma bombástica e inoportuna revelação. Ross se cerca de clichês do gênero, alguns mal inseridos, diga-se de passagem, e se não realiza um filme de todo ruim, também não vai além do razoável para oferecer uma sessão-pipoca que agrade seu público-alvo, mulheres na casa dos 20 aos 40 anos e que se identifiquem com o drama de Abby que busca uma segunda chance para ser feliz. Paltrow usa e abusa da vulnerabilidade de sua personagem, o que prejudica para nos convencer quando a mesma toma iniciativas de se aproximar de Amaral, este que tem um perfil bem construído por Affleck, apesar do roteiro não explorar o gancho do alcoolismo que poderia fazer o drama romântico ganhar contornos mais interessantes.
Embora recebido friamente pela critica especializada e também pelo público, além de não ter se tornado popular a ponto de merecer inúmeras reprises na televisão, o filme, no conjunto, é uma bobagem deliciosamente descompromissada que faz a emoção do espectador falar mais alto e assim derrubar muitas lágrimas ao decorrer do filme. Até a trilha sonora melosa entra nas horas certas para aumentar a sensação de nó na garganta. Apesar de uma ou outra falha narrativa, compensadas por uma conclusão sólida e realista, Ross constrói uma história que não subestima a inteligência do espectador e a química entre os protagonistas é o suficiente para garantir o interesse na fita. Pena que o casal da vida real não teve um final feliz. Ao menos não juntos.
Romance - 106 min - 2000
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