NOTA 6,0 Embora com furos, clichês e atuações robóticas, longa ganha pontos por reverenciar o clássico O Bebê de Rosemary e usar a boneca do mal eficientemente |
Pode parecer loucura, mas não é de se estranhar caso encontre
alguém que tenha fobia de bonecas aparentemente inocentes. Hollywood tem certo
fetiche por transformar brinquedos em vilões, ironicamente um prazer que teve
seu auge e também seu declínio nas mãos do maquiavélico Chuck de Brinquedo
Assassino. Depois dele, qualquer produção semelhante automaticamente era
rotulada como trash, até que surgiu Annabelle, cuja primeira aparição ao grande
público se deu no bem-sucedido Invocação do Mal, do diretor James Wan. Depois
de abastecer sua conta bancária e valorizar seu nome com Jogos Mortais, o
cineasta passou a investir pesado no campo sobrenatural, mas desta vez por conta
da agenda superlotada decidiu assinar a fita apenas como produtor passando a
batuta da direção para um de seus pupilos. John R. Leonetti já era seu habitué
colaborador quanto a fotografia de suas obras e como diretor já havia feito Mortal
Kombat – A Aniquilação e Efeito Borboleta 2, ou seja, seu histórico é bastante
suspeito. A história da boneca amaldiçoada não agrega muito ao seu currículo,
mas demonstra um pouco mais de consciência cinematográfica, certamente uma
conquista que deve a convivência com Wan. A trama tem como protagonistas um
jovem casal que está cheio de expectativas com a chegada da primeira filha.
Próximo ao fim da gravidez, John (Ward Horton) presenteia sua esposa Mia
(Annabelle Wallis) com uma rara boneca para sua coleção e que obviamente virará
adorno no quarto criança. Certa noite a casa deles é invadida por um
atormentado e agressivo homem membro de uma seita satânica e a esposa do maluco
no meio da confusão acaba se suicidando no quarto do bebê e seu corpo é
encontrado abraçado junto a tal boneca. Após a tragédia e mais alguns estranhos
episódios, como o fogão que provoca um incêndio como se fosse por vontade
própria, o casal decide mudar para um apartamento, mas levam a tiracolo o
brinquedo e voltam a colocá-lo em posição de destaque no quarto da filha agora
já nascida. Obviamente, eles não terão paz na nova moradia, principalmente Mia
que passa a maior parte do tempo em casa e assombrada pelas manjadas luzes que
piscam em momentos inoportunos, vultos nas escadarias, crianças que fazem
desenhos bizarros, visões a qualquer hora do dia e objetos funcionando como se
tivessem vida própria, como uma máquina de costura com som atordoante.
Casal jovem, gravidez, apartamento sinistro, satanismo....
Fica óbvio que o roteirista Gary Dauberman se deixou influenciar pelo clássico O
Bebê de Rosemary, aliás deixa bem explícito ao batizar os protagonistas de
forma a homenagear Mia Farrow e John Cassavetes, os pais do dito cujo do título
da obra de Roman Polanski. O apartamento do casal e o edifício como um todo,
com um tenebroso porão e elevador barulhento que funciona a seu bem querer,
acentuam a inspiração, assim como um carrinho de bebê que ganha importância
especial em determinada sequência, talvez a mais impactante de todo o filme. A
trama se passa em meados da década de 1960, mais um ponto que liga as
produções, mas é uma pena que Leonetti apenas em sua concepção visual se
assemelhe à história de Rosemary e sua amaldiçoada gravidez. Em termos de
história e desenvolvimento de personagens fica anos-luz de distância. O roteiro
não busca nem mesmo nas questões religiosas algum alicerce sólido, embora conte
com a participação do padre Perez (Tony Amendola) que tenta ajudar a família em
apuros, mas o espírito de Annabelle não se intimida nem mesmo quando a boneca é
levada para uma igreja, teoricamente um solo consagrado e motivo de repúdio por
demônios. Aliás, é importante ressaltar que o brinquedo é usado felizmente
invertendo expectativas. Ao contrário do citado Chuck, aqui o objeto do mal não
fala uma palavra sequer, porém, manifesta-se espiritualmente podendo se
locomover e orquestrar sustos com portas, aparelhos domésticos e a boa, velha e
sinistra cadeira de balanço. O diretor trabalha de forma eficaz com a presença
estática da personagem cujo visual pouco a pouco transparece suas intenções
diabólicas. Obviamente, a bonequinha original possui um semblante simpático ao
contrário da criação para o filme que conforme o desenrolar das situações vai
sofrendo transformações, ficando feia e encardida denunciando a carga pesada de
energia que carrega. Para quem desconhece seu histórico, a personagem-título é
um brinquedo aparentemente comum que era dividido por duas colegas de quarto
que afirmavam que um espírito o possuiu e o casal Ed e Lorraine Warren,
conhecidos por lidarem com situações sobrenaturais e exorcismos, acharam melhor
leva-lo para casa e guardar no museu que mantinham no sótão com souvenires de seus
trabalhos. Annabelle acabou tendo como destino uma caixa de vidro devidamente lacrada
e que periodicamente passa por uma benção, ritual mantido por Lorraine mesmo após o
falecimento do marido.
Dauberman criou toda uma trama fictícia em cima da tal
crendice e Wan, marqueteiro como ele só, conseguiu vender a produção em
embalagem de superprodução, enfatizando o fato de ser baseado em fatos reais
(excluindo o ligeiramente para não enfraquecer a publicidade) e obviamente
frisando que a fita é dos mesmos produtores de Jogos Mortais, Invocação do Mal.....
Por afinidade deveriam ter feito o link com um trabalho bem menos popular de
Wan, Gritos Mortais, no qual bonecos de ventríloquo são os vilões. Annabelle
tem um visual que se assemelha bastante a eles com seus olhos esbugalhados e
sorriso suspeito, uma figura assustadora antes mesmo de ser possuída. Por que
manter um objeto desses em casa? Mesmo tendo indícios de que a boneca está
ligada aos estranhos episódios que passam a atormentá-los, o casal resolve tardiamente
se livrar dele. Enfrentando um vilão teoricamente inanimado, os atores atuam
deixando quase que explícitas as marcações de direção. Trabalham de forma
consciente, mas não convencem como um casal recém-casado, deixando a desejar no
quesito emoção. Horton infelizmente não tem muitas possibilidades para tanto,
mas Wallis (homônima à boneca, seria coincidência?) tinha praticamente tudo a
seu favor, porém, entrega uma atuação robótica, além dos foras como o fato de
vira e mexe deixar a filha sozinha em casa mesmo sendo uma criança de poucos
meses. Diga-se de passagem, até a bebezinha se sai melhor que ela, inclusive
participando de uma cena bastante tensa. Aliás, justiça seja feita, o longa tem
uma porção de sequências de sustos, mas se sustenta por esses momentos de forma
independente. Não damos muita importância ao destino dos personagens, sendo que
Evelyn (Alfre Woodard), uma vendedora de livros que faz amizade com Mia,
poderia ser mais explorada na trama. Conhecedora de ciências místicas, além de
uma tristeza que guarda do passado, é o perfil mais bem delineado e não por
acaso peça-chave no desfecho. No final das contas, Annabelle é apenas um
passatempo razoável, longe do filme perturbador que prometia ser. Embora tente
manter o clima sombrio da fita que apresentou pela primeira vez a boneca ao
público, como tantas outras produções do tipo, Leonetti apoia-se em sustos
previsíveis, clichês e trilha sonora que acaba desconstruindo a tensão de
momentos impactantes. Para não dizer que não fica nada para amedrontar o sono
do espectador, digamos que o barulho da tal máquina de costura vai grudar em
seus ouvidos.
Terror - 100 min - 2014
Este é assustador. Não consegui vê até o final.
ResponderExcluirAcho que é BOM para o que se espera dele.