NOTA 7,0 Um cara simples vira um astro da noite para o dia em um reality show onde as armações ditam as regras, tema que viria ser uma febre mundial |
Você acha que Hollywood já de
algum tempo está sofrendo uma crise de atividade com tantas refilmagens e
continuações? As vezes ela nos
surpreende com bons e inventivos projetos, mas as vezes o que chama a atenção é
um estranho fenômeno: a coincidência de temas.
Ou seriam casos de espionagem industrial? E não está em pauta a
obviedade das comédias românticas ou fitas de ação que costumam reciclar velhas
e conhecidas fórmulas. Ninguém faz um filme de um dia para o outro e é curioso
que em um curto espaço de tempo filmes com temáticas muito semelhantes e
originais sejam lançadas. Entre os exemplos, temos a exploração dos realities
shows em filmes no final da década de 1990, na época um assunto ainda muito
enraizado na cultura americana e praticamente desconhecido no resto do mundo. O Show de Truman conquistou elogios da
crítica graças a um roteiro inovador, visionário e, obviamente, por contar com
o astro Jim Carrey pela primeira apostando em seu talento dramático. O longa
até hoje é muito lembrado e desperta a curiosidade de novas gerações, ao
contrário de Ed TV lançado poucos meses
depois e que naufragou nas bilheterias americanas e nem chegou a passar nos
cinemas brasileiros. A trama começa mostrando a disputa de duas pessoas
influentes de um mesmo canal de televisão que estão tentando emplacar um nova
programa capaz de tirar a empresa do ostracismo. A produtora Cynthia Topping
(Ellen DeGeneres) cria uma atração revolucionária para prender a atenção dos
telespectadores oferecendo a possibilidade do cotidiano de um cidadão comum ser
acompanhado diariamente em tempo integral. O candidato escolhido é Ed Pekurny
(Matthew McConaughey), um cara na casa dos 30 anos, solteirão e que ainda vive
com a família, diga-se de passagem, um tipo que ele viria a reprisar alguns
anos depois em Armações do Amor. Atendente
de uma locadora de vídeo (nostálgico ver a exposição das fitas de VHS), ele
teria o perfil ideal para retratar o sonho do cidadão de classe média baixa que
cresce na vida sem precisar fazer esforço algum, apenas curtindo seus quinze
minutos de fama. Bom, no caso de Ed, são alguns dias em exposição ao vivo e sem
cortes de edição. A princípio ele curte intensamente a novidade e o sucesso,
mas não demora muito para o frisson passar, afinal a vida desse rapaz é um
marasmo só.
Ao perceberam que a ideia brilhante na prática não se mostrava tão funcional, o reality começa a sofrer intervenções por parte dos produtores que acabam por manipular e atrapalhar a vida do protagonista, principalmente quando seus familiares esquecem que estão diante das câmeras e começam a falar e a fazer o que lhes vem à cabeça, como é o caso de Al (Martin Landau), seu padrasto. O rapaz também se envolve com a bela Shari (Jenna Elfman), ninguém menos que a namorada de seu irmão Ray (Woody Harrelson), com quem o rapaz vai passar maus bocados. É nesse ponto que a audiência começa a subir já que o público queria ver algum conflito no ar tal qual em uma série ou novela. Contudo, invade o roteiro abruptamente uma subtrama que gira em torno de Jeanette (Sally Kirkland), a mãe do astro do programa. Ela é julgada injustamente por ações que teve no passado, mas algumas situações inesperadas acabam por contradizer o que é exposto sobre a personagem até então. Todavia, o que importa era ter o circo pegando fogo. Não a toa grande parte do elenco teve suas vidas devastadas pela mídia alguns anos antes das filmagens, incluindo o próprio McConaughey. Escrito por Lowell Ganz e Babaloo Mandel, baseado em um longa canadense de fama desconhecida produzido em 1994, o enredo até começa bem com uma proposta interessante de satirizar o hábito, não só dos americanos, de bisbilhotar a vida alheia. Entretanto, da metade para o final, exageram na exploração dos assuntos privados chegando a uma conclusão imersa no besteirol. Essa é a diferença que cria um abismo gigantesco entre as histórias de Ed, defendido por McConaughey em seu primeiro papel central e roubando a cena com um sotaque caipira e esbanjando charme e carisma, e a do citado Truman, vivido por um Carrey completamente a vontade em cena mesmo abrindo mão de suas tradicionais e exageradas expressões corporais e faciais. Ambos os enredos giram em torno de um reality show, mas as semelhanças acabam no argumento. O diretor Ron Howard procurou fazer um retrato satírico de como as câmeras podem invadir a privacidade alheia e sobre o poder de influência da televisão na sociedade. Mesmo com as melhores das intenções, principalmente quanto a contundente crítica a respeito de como certos programas transformam qualquer anônimo sem nada a dizer em uma celebridade instantânea, o diretor, no entanto, não conseguiu criticar a massificação de maneira integral, afinal de contas algumas engrenagens da indústria cinematográfica só funcionam graças ao investimento de grandes corporações que por sua vez só podem ceder ajuda se o que oferecem aos consumidores for sucesso de vendas. Uma coisa puxa a outra. Alguém se lembra da estreita relação que mantinha a MTV com o cinema?
No filme de Truman temos um
protagonista que é astro de um programa de TV desde criancinha, mas não sabia
disso até a sua fase adulta. Sua vida segue um roteiro pré-estabelecido desde o
seu nascimento e desde então seu cotidiano é acompanhado como se fosse um
seriado por milhões de pessoas por todo o mundo. As pessoas que o cercam são
atores e fazem de tudo para sustentar a farsa e assim manterem seus empregos,
mas como se sabe mentira tem perna curta. Já em Ed TV o
personagem principal sabe muito bem no que está se metendo quando aceita
participar de um pretensioso show de realidade. No início a ideia de acompanhar
o cotidiano de um anônimo não empolga o público e o interesse só aumenta
conforme vão surgindo os conflitos familiares, em sua maioria situações boladas
pela própria produção como a contratação de uma modelo para dar em cima do
rapaz, estratégia que aniquila a essência do show de realidade para abrir
espaço para um vale-tudo pela audiência. Howard acabou sendo visionário e
apresentou todos os elementos que nos anos seguintes o mundo iria conhecer e
ser coagido a compreender. Sejam famosos ou não, confinados dentro de uma casa
ou com a liberdade de ir e vir para onde quiserem, desde que acompanhados de
uma câmera, o fato é que o público se acostumou a acompanhar as desgraças ,
alegrias e futilidades dos outros como um verdadeiro espetáculo. Todavia, é
importante salientar que apesar de descambar para o lado besteirol esta comédia
não é um desperdício de tempo, pelo contrário, é uma produção leve, divertida e
sobram piadas até para empresas reais cujos produtos também fazem a cabeça de
boa parte da sociedade, como a Coca-Cola. Embora os realities shows continuem
em evidência procurando mil e uma novas fórmulas para se reinventarem,
infelizmente este filme acabou no limbo. Mesmo quando Howard conquistou o Oscar
por Uma Mente Brilhante na mesma
época em que os shows de realidade começavam a bombar mundo a fora, não houve
uma exploração sobre o filme que ironicamente tanto quis criticar a
massificação dos meios de comunicação que acabou sendo vítima dos mesmo que
pouco abriram espaço para a publicidade do longa. Já diz o ditado: quem não é
visto não é lembrado.
Comédia - 122 min - 1999
ed tv é realidade crua dos realitys show, porque as pessoas gostam tanto de saber da vida alheia? Se em suas proprias vidas a maioria passa como mero expectador? Recomendo tem roteiro forte... e persuasivo!
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