Nota 3 Misturando fatos reais e ficcionais, drama é tão seco quanto sua paisagem escaldante
O cinema estrangeiro, leia-se não norte-americano, e até mesmo o alternativo produzido em solo ianque longe dos grandes estúdios, costumam ter fãs fiéis, mas tem muito gaiato por aí que enche a boca para falar que adora produções do tipo mesmo sem compreender suas mensagens. O que vale é a banca de achar que isso é coisa de gente fina ou intelectual. Bem, esse é um pensamento que teoricamente tem fundamentos, mas nem sempre um filme originado em um país ou nicho diferente é garantia de qualidade. Esse é o caso do drama áspero, literalmente, O Último Voo, que tem o chamariz de ser a primeira produção francesa protagonizada por Marion Cotillard após receber o Oscar de Melhor Atriz por Piaf - Um Hino ao Amor. Todos sabemos de sua entrega para o papel da famosa cantora francesa de belo canto, mas vida triste e morte precoce, contudo, após participar de algumas produções em Hollywood, em seu projeto seguinte em seu país natal a moça está simplesmente apática assim como o conjunto da produção.
A trama se passa em 1933, quando Bill Lancaster, um aviador inglês que tentava bater um recorde de velocidade no trajeto de Londres à Cidade do Cabo, perde-se no numa remota região ao sul do Deserto do Saara. Sua companheira Marie Vallières de Beaumont (Cotillard), também aviadora e aventureira, decide ir procurá-lo custe o que custar, mas ao sobrevoar o local a jovem é obrigada a aterrissar seu avião perto de uma companhia militar francesa. Ela é acolhida pelo capitão Vincent Brosseau (Guillaume Marquet), mas ele se recusa a ajudá-la nesta busca preocupado com as rebeliões dos tuaregs, a população do deserto que ele almejava vir a colonizar. Já o tenente Antoine Chauvet (Guillaume Canet) tenta fazê-la desistir da ideia de ir atrás de seu grande amor, mas sem sucesso acaba decidindo acompanhá-la nessa expedição confrontando as ordens de seu superior no exército com quem já não mantinha um relacionamento muito amistoso. Os elementos para um épico romântico não faltam, mas a obra fica a dever em emoção.
O roteiro escrito pelo diretor Karim Dridi em parceria com Pascal Arnold baseia-se no romance "Le Dernier Vol de Lancaster", de Sylvain Estibal, mas dificilmente consegue envolver o espectador. Além da lentidão comprometedora, o enredo trabalha com duas linhas narrativas, mas ambas muitos frágeis. A incessante busca da protagonista pelo seu companheiro e assim reconquistar o sentido de sua vida poderia render um bom filme, isso se não fosse a pretensão em fazer desta obra algo maior do que poderia ser. Uma trama política é adicionada para dar sustentação ao foco principal da trama, mas também acaba não sendo bem desenvolvida. Até a metade o assunto dominante é a rixa entre Brosseau e Chauvet quanto ao tratamento dispensado aos nativos do Saara, mas o tema acaba sendo abordado de forma superficial visto que é abandonado sem mais nem menos quando chegamos ao terceiro ato, momento em que efetivamente Cotillard assume o posto de protagonista, todavia, já é tarde demais para cativar a audiência. Curiosamente, a favor de uma trama ficcional, foram descartados alguns elementos do livro original que por sua vez é baseado em fatos reais.
Lancaster de fato existiu, mas em O Último Voo ele é apenas citado em alguns diálogos entre Marie e Chauvet que, diga-se de passagem, aparentemente redescobrem o amor literalmente caindo nos braços um do outro após uma longa caminhada que certamente é bem mais cansativa para o espectador. Apesar das buscas incessantes, o esforço acabaria por se revelar infrutífero. O aviador morreu poucos dias após sua última decolagem vítima de desidratação e seu avião e o corpo mumificado foram encontrados em 1963, assim como um diário de bordo onde contava os seus últimos dias. Realmente é uma pena que uma obra com uma trilha sonora impecável e imagens tão belas, falhando talvez apenas no figurino da protagonista sempre muito alinhado para alguém que se aventurava pelo escaldante deserto, tenha que receber críticas tão negativas. Sentimos que tanto a história de amor quanto o contexto histórico e político apenas aguçam nossos paladares, mas deixam um gosto amargo por não serem desenvolvidos de forma plena.
Justiça seja feita. O fraco desempenho de Cotillard não é culpa da atriz, mas sim de uma narrativa lenta e problemática e de uma direção mais preocupada em expor a beleza visual proporcionada pelas locações escolhidas em solo marroquino e onde as filmagens foram realizadas integralmente, o que implica em enfrentar adversidades de ordem climática e improvisações para toda a equipe se manter com um mínimo de conforto. Através de belas tomadas, Dridi consegue transportar o espectador para um local exasperante e quase que transmitir a intensa sensação de calor do deserto. Todavia, tanta preocupação com a plasticidade acabou se refletindo negativamente na narrativa que não envolve o espectador a ponto de torcer para que a mocinha reencontre seu marido ou que venha a viver uma nova paixão.
Drama - 90 min - 2009
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