Um filme voltado ao público infantil, hiper colorido e cujo tema principal tem ligações com a morte, isso é possível? A proposta requer bastante traquejo de seus realizadores, mas revelou-se uma ousadia e tanto por parte do diretor Zach Helm na realização de A Loja Mágica de Brinquedos, ainda mais por este ser seu trabalho de estreia na função. O longa é uma fábula que se desenrola em um ambiente lúdico. O tal estabelecimento do título é um lugar onde literalmente a fantasia é preservada pelo cativante proprietário, o Sr. Magorium (Dustin Hoffman), um homem que diz ter mais de duzentos anos de idade, dotado de poderes mágicos e que tem muitas histórias fantásticas para contar. Há anos ele vende brinquedos inusitados e criativos e faz questão que os visitantes de seu comércio se sintam totalmente a vontade como se estivessem em suas casas, mas na verdade é mais certo que se sintam em um parque de diversões. Todavia, ele pressente que está chegando a hora de partir deste mundo, só que para não permitir que a magia se vá também ele planeja deixar seu comércio como herança para Molly Mahoney (Natalie Portman), a jovem e dedicada gerente que há anos o ajuda. O problema é que obviamente a moça não quer que seu patrão vá embora e tampouco se sente preparada para assumir o negócio, afinal acredita que o ambiente mágico depende exclusivamente de um dom especial de seu patrão.
Para complicar as coisas, o contador Henry Weston (Jason Bateman) é contratado para organizar as finanças da loja, mas parece não dar a mínima atenção para a magia que predomina no local. Sua alienação lhe rende o apelido de Mutante e a brincadeira pega entre os clientes como o solitário Eric (Zach Mills), um garotinho que adora colecionar chapéus. Assim como no clássico conto de Peter Pan é implorado para que as crianças repitam fervorosamente que acreditam em fadas para salvar Sininho e a Terra do Nunca, a grande questão do enredo é preservar a inocência e o lúdico para as crianças através da manutenção da crença na magia que cerca o empório, uma proposta bem-vinda para tempos em que os pequenos não constroem mais seus mundos imaginários para brincar, simplesmente interagem com universos virtuais que vendem uma falsa impressão de interatividade. Pouco antes deste lançamento Helm foi rotulado da noite para o dia como a mais nova mente brilhante de Hollywood escrevendo um único roteiro. Mais Estranho que a Ficção ganhou fama como um dos enredos mais originais já filmados e pesou na avaliação o fato de ter sido redigido por um estreante. Adotando o humor refinado, sua obra chegou a ser comparada à linha de trabalho de Charlie Kaufman que logo em seu primeiro roteiro, Quero Ser John Malkovich, foi abraçado pela crítica. Todavia, o sucesso subiu rápido demais à cabeça de Helm que logo em seu segundo projeto quis atacar em duas frentes de trabalho, mas sua imersão no universo infantil não foi bem sucedida. Como primeira experiência como diretor, é natural que ocorressem falhas, porém, o alarmante é que até o texto que seria sua especialidade não soube conduzir mesmo com um argumento tão rico em mãos.
O ambiente da loja com seus brinquedos encantados não espanta seu público-alvo e os baixinhos se comportam com total naturalidade, mas não cola a ideia de que para os pais a sensação seja idêntica. Soam incômodas cenas como a de uma cliente que está à procura de um móbile e Magorium lhe oferece um com adornos de peixes vivos. A aceitação deste mundo de fantasia tão facilmente acaba quebrando a magia para o espectador, embora faça sentido se levarmos em consideração que a energia presente na loja poderia também atuar sobre o psicológico e emocional de seus frequentadores. Aliás, a fachada do local por si só destaca-se em meio a cinzenta paisagem contemporânea. Um velho casarão espremido entre dois edifícios chama a atenção com seu visual colorido e vitrine que ostenta brinquedos feitos com requintes artesanais, mas o que se vê do lado de fora é apenas um aperitivo. No interior os brinquedos ganham vida e convidam os clientes a se divertirem juntos. Bonecos brincam com blocos de montar, as bolas saltitam sem parar e ursinhos fofinhos pedem carinho de forma sincera sem a necessidade apertar suas barrigas para acionar algum botão, uma publicidade e tanto para aumentar os lucros, entretanto, Magorium se assume como um criador e não um comerciante, assim ele mal sabe o valor que têm seus produtos e consequentemente a própria loja. É nesse ponto que entra Henry, para avaliar as contas e estipular quanto o empório vale, porém, o trabalho vai lhe recompensar muito mais emocionalmente conforme toma conhecimento das mercadorias, faz contato com os clientes e, principalmente, compreende o que a loja representa para Molly.
Portman consegue criar uma personagem crível que tinha tudo para ser estereotipada. Embora tenha seus vinte e poucos anos, não encontramos traços típicos de sua idade em sua personalidade, como rebeldia ou excesso de maturidade, pelo contrário, Molly transborda inocência e conquista a simpatia do público com a naturalidade que lida com as crianças, especialmente com Eric que tem dificuldade para fazer amizades. A personagem também cativa por retratar a frustração comum aos adultos. Quando pequena demonstrava talento como pianista, mas acabou indo trabalhar na loja e por lá criou raízes de modo que agora percebe que deixou oportunidades passarem. Pena que o conflito seja abandonado quando sua grande preocupação se torna manter a loja em funcionamento. Hoffman, por sua vez, poderia ter criado um personagem-ícone ajudado por um visual bizarro composto por roupas multicoloridas e cabelos desgrenhados, mas não basta uma imagem marcante. Embora seja um lunático que sabe-se lá como viveu por muitos anos sem se preocupar com as contas de seu comércio, a excentricidade do personagem é pouquíssimo explorada e falta alguma coisa em sua composição para o espectador torcer para que sua morte seja apenas uma mentira. Aliás, não só por sua extravagância, mas também pelo rito de passagem de seu trabalho para um pupilo, não seria errado dizer que o Sr. Magorium tinha tudo para ser o Willy Wonka dos novos tempos. O filme como um todo parece beber na fonte de A Fantástica Fábrica de Chocolate, buscando a nostalgia e a pureza da versão dos anos 70 e o humor e o apuro visual de sua refilmagem. Até o título nacional busca certa alusão entre as produções.
Embora divirta razoavelmente e
até conte com alguns momentos de emoção, infelizmente A Loja Mágica de Brinquedos ficou muito distante do que se espera
de um clássico infantil, mesmo reciclando o velho clichê de que independente da
idade não é preciso deixar de acreditar no lúdico. A grande lembrança da
produção fica por conta da excepcional direção de arte que faz um convite para
algumas reprises. Certamente a cada nova visualização se notará algum detalhe
diferente na cenografia que não economizou em adereços para rechear o espaço da
loja com tudo que pudesse ocupar o imaginário infantil e porque não dizer
também de adultos a quem a obra pode agradar mais devido às características que
lembram a produções antigas que buscavam na fantasia subsídios para discutir
temas mais densos. Pena que os esforços plásticos não funcionem eficientemente
como alegoria e o filme acabe sendo uma bela embalagem de conteúdo quase nulo.
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