NOTA 9,0 De origem francesa, preto e branco e sem um único diálogo sequer, obra que homenageia o cinema agrada por sua ousadia e ao mesmo tempo simplicidade |
O período histórico retratado foi de transformações e
decepções para quem já atuava na frente ou atrás das câmeras. Com o advento do
som, as películas começaram a exigir vozes que se encaixassem perfeitamente com
os personagens, além de os atores necessitarem ter uma boa dicção. Sotaques só
eram permitidos quando exigidos pelo diretor, assim estrangeiros também
perderam espaço no cinema americano durante a transição. Quem até então se
mantinha trabalhando apenas com seu talento para expressões corporais e faciais
precisou correr atrás de aperfeiçoamento ou se conformar que não haveria mais
lugar para eles. Assim, grandes astros do cinema mudo, como Rodolfo Valentino,
foram sendo esquecidos, mas alguns sobreviveram ao baque da nova tecnologia e
se adaptaram ao cinema falado, como Mary Pickford, ainda que a fama não tenha
se mantido intacta algumas décadas depois. Já Lilian Gish foi um dos raros
casos que surgiu na época do cinema mudo e que se manteve trabalhando até o
final da década de 1980. Enquanto isso, Charles Chaplin cultivou sua fama de
gênio por muito tempo, mas aposentou o personagem Carlitos em 1936 após uma
derradeira tentativa de fazer filmes mudos e já com as cores despontando como a
nova moda para pegar nas telonas. Algumas histórias verídicas envolvendo os
artistas da época serviram para ajudar na construção do roteiro criado pelo
próprio Hazanavicius que confessou publicamente que o grande desafio da
produção foi desenvolver um argumento em cima das descrições de imagens e
movimentos, sem um único diálogo. O enredo gira em torno do ator George
Valentin (Jean Dujardin) e da dançarina Peppy Miller (Bérénice Bejo) que
acabam se apaixonando, mas este amor está ameaçado. Com a introdução de efeitos
sonoros, o astro do cinema mudo entra em franca decadência enquanto sua
ambiciosa companheira deseja se aproveitar da nova tecnologia para alavancar
sua carreira, o que certamente a afastaria dele. O grande conflito do
protagonista, portanto, é lidar com a perda de duas coisas importantes da sua
vida, já que ele não vê mais chances de trabalho e também não gostaria de viver
sob a sombra de uma dama famosa e bem sucedida. Este conto de amor é inspirado
no caso dos atores John Gilbert e Greta Garbo que realmente tiveram um romance
que não sobreviveu à tecnologia. Segundo dizem, enquanto a estrela fez tranquilamente
a transição para as películas sonoras, o ator tentou, mas chegou a ser
humilhado publicamente devido a reclamações de Louis B. Mayer, o chefão da MGM,
quanto a sua voz. É bom lembrar que este era o grande estúdio da época e ter um
contrato com ele era garantia de sucesso e estabilidade financeira.
Embora tente resgatar a estética de antigamente, para quem é
entendido da arte cinematográfica o longa conta com algumas inovações na edição
e enquadramentos, pequenos detalhes que passam despercebidos pelo grande público,
mas que não eram comuns às produções das primeiras décadas do século 20. Também
pode gerar dúvidas como um filme mudo conseguiu colher tantos prêmios e elogios
por sua trilha instrumental e efeitos sonoros. Hazanavicius caprichou nestes
itens propositalmente, afinal um filme sem ruído algum hoje em dia é algo
inimaginável. Naqueles tempos, durante a projeção, as fitas eram acompanhadas
de trilha sonora ao vivo e os aplausos e reações das plateias ajudavam a agitar
as sessões. O cineasta quis reproduzir isso para fazer o espectador realmente
se sentir em uma sessão das antigas, assim os figurinos e cenários também ajudam
o espectador a compreender a história tal qual a edição, item essencial neste
tipo de produção para ajudar a narrar a história e até mesmo surpreender como
ocorre na introdução. Assistimos a uma cena na qual um personagem está sendo
torturado, mas ele se recusa a falar irremediavelmente (frases estampadas na
tela ajudam a entender o frame), e logo depois percebemos a inserção da
metalinguagem. A passagem faz parte de um filme dentro do filme cujas emoções
são acompanhadas com atenção pelo público que ocupa as cadeiras de uma sala de
exibição conforme a câmera faz questão de registrar como se quisesse resgatar o
fascínio que a sétima arte outrora exercia, muito antes das atenções serem
divididas com pipocas, refrigerantes ou celulares. Sincero e com atuações
proposital e deliciosamente exageradas da dupla Dujardin e Bérénice, O Artista tem
lá seus problemas como a falta de ritmo em alguns momentos e a limpidez da
imagem que impede o espectador mais atento a se envolver totalmente com o clima
nostálgico da obra, mas sem dúvidas trata-se de um marco cinematográfico por
sua ousadia ou criatividade, os dois adjetivos são válidos, e automaticamente
um candidato a clássico moderno. Esta é uma oportunidade ímpar de novas
gerações usufruírem um pouco de uma época magnífica e os mais vividos poderem
fazer uma gostosa viagem ao passado, recordar fatos e se divertirem
lembrando-se da própria vida e de grandes filmes que ajudaram a escrever a História
do cinema.
Vencedor do Oscar de filme, direção ator (Jean Dujardin), trilha sonora e figurino
Drama - 100 min - 2011
Vencedor do Oscar de filme, direção ator (Jean Dujardin), trilha sonora e figurino
Drama - 100 min - 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Este espaço está aberto para você colocar suas críticas ao filme em questão do post. Por favor, escreva o que achou, conte detalhes, quero saber sua opinião. E não esqueça de colocar a sua avaliação do filme no final (Ruim, Regular, Bom ou Excelente).