NOTA 9,0 Drama japonês violenta espectador com histórias que machucam psicologicamente, mas oferece afago com seu belo visual |
A terceira trama (que deve dar um
susto nos distraídos por começar com uma música alta e agitada em contraponto a
calmaria que até então predominava) nos apresenta à Haruna Yamaguchi (Kyôko
Fukada), uma badalada estrela da música pop que após um grave acidente acaba
ficando com o rosto desfigurado e passa a viver reclusa e olhando para o
horizonte sem objetivos. Contudo, Nukui (Tsutomu Takeshige), um fã
completamente apaixonado, não aceita seu ostracismo e fará qualquer coisa para
chegar perto dela. Desde o início a obra mostra-se cheia de simbolismos e
conforme a narrativa avança percebemos que o objetivo é nos incentivar a
prestarmos atenção aos detalhes mais simples do dia-a-dia, o que implica em uma
apreciação apurada do visual da produção. É muito interessante, por exemplo,
perceber que o casal principal acaba adquirindo características semelhantes a
dos bonecos do teatro. Embora Matsumoto esteja guiando a amada durante a longa
jornada sem destino, ele próprio parece não possuir vontade própria e ser guiado
por alguma força oculta. Não seria errado comparar sua odisseia a uma espécie
de penitência pelo seu egoísmo que praticamente destruiu uma vida, tanto é que
eles não trocam uma palavra sequer e raramente se tocam ou se encaram. É claro
que como fio condutor o drama de Saweko e seu noivo arrependido acaba tendo
maior destaque, mas as histórias secundárias complementam o enredo pela
combinação de elementos parecidos, tudo para ajudar a enfatizar os temas
abordados. Os três ganchos narrativos têm em comum o fato de falarem de um amor
não correspondido e sobre o sacrifício de uma pessoa mesmo com a indiferença da
outra. As personagens também possuem semelhanças. Além de estarem vivenciando
situações infelizes e parecerem querer voltar no tempo para resgatar emoções ou
corrigir erros, todas têm seus momentos de loucura, uma forma de extravar
sentimentos reprimidos, ainda mais pela solidão que os rodeia. A cantora optou
por viver isolada, seu fã tem sua música praticamente como única companhia, o
mafioso mesmo rodeado de empregados sente-se sozinho, assim como deve se sentir
sua antiga e iludida namorada. Por fim, de Matsumoto e Saweko não se pode
considerar nem mesmo uma união física, cada um está em uma conexão diferente
ainda que ambos se sentindo deslocados no mundo. Seus corpos simplesmente vagam
em direção a um isolamento cada vez maior.
Como estamos acostumados com as
narrativa-mosaico típicas de produções hollywoodianas, podemos estranhar a
montagem adotado por Kitano. Ele não retalha as tramas e as encaixa de forma
que o espectador monte um quebra-cabeça em sua mente, simplesmente introduz as
histórias de Hiro e Haruna à medida que desenvolve o conflito do casal
principal, todavia, recorre aos flashbacks em todos os casos para mostrar os
eventos que levaram os personagens até suas situações atuais. Apesar de todo
apuro na construção do roteiro e o evidente deslumbre visual característico do
cinema japonês, é possível que até os mais intelectuais não se envolvam
totalmente com o filme em um primeiro momento, mas ainda assim fique aquela
sensação de que o filme tem mais a oferecer do que belas imagens. O
distanciamento pode ocorrer principalmente por causa da ausência de diálogos
entre o casal central. Eles conversam nas recordações, mas o silêncio impera no
momento atual, mesmo porque a situação impede uma interação maior, mas kitano
dispensa os manjados recursos de narração em off para explicar fatos ou
apresentar pensamentos limitando sua câmera a agir como um personagem voyeur.
Dessa forma, as emoções não chegam mastigadinhas ao espectador e isso ajuda a
estimulá-lo a participar da trama como um observador onipresente. É por isso
que Dolls
é pautado sob um ritmo extremamente lento. É preciso um tempo extra para se
admirar o conjunto, até porque em uma primeira exibição o que salta aos olhos é
o apuro técnico da obra. Diretor de filmes marcantes no circuito alternativo,
como Hana-Bi – Fogos de Artifício e Zatoichi, Kitano consegue aqui seu
clímax (até então) quanto a preocupações estéticas. Cada cena parece talhada
com o intuito de ser fixada na memória de quem vê como se fosse uma pintura e o
uso de cores fortes e vibrantes fazem um interessante contraponto à melancolia
do texto, ideia seguida também na escolha dos figurinos. A paleta de tintas e
adereços também tem seus significados implícitos como, por exemplo, a corda
vermelha que une os protagonistas, uma possível alusão ao cordão umbilical do
filho que poderiam ter tido se não houvesse a separação ou um sinal do trágico
final que inerentemente os espera. Analisar cada ponto positivo desta obra ou
os que podem não ser bem compreendidos mereceria um estudo de páginas e mais
páginas, mas o essencial é ter conhecimento de sua angustiante violência
psicológica escondida por trás da beleza estética, o que o torna um programa
para poucos. Reiterando a proposta, o silêncio desprezado ou achincalhado por
alguns, na verdade deve ser interpretado como algo perturbador.
Drama - 114 min - 2002
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