NOTA 6,5 Comédia de humor negro tem início irônico e perversamente realista, mas a certa altura o diretor viaja e perde seu foco |
Diga-me com quem andas e te direi
quem és. O velho ditado cai como uma luva para sintetizar a ideia discursada em
Más
Companhias, comédia com estilo alternativo que visa se comunicar com o
público mais jovem, mas não exclui as plateias mais maduras, embora os
personagens adultos sejam retratados como verdadeiros neuróticos que circulam
entre adolescentes aparentemente sérios e introspectivos. O grande lance é
discutir que a falta de comunicação é uma problemática séria dos tempos atuais
(e em alguma época deixou de ser um empecilho?). Da dependência química ao
desenvolvimento de problemas psicológicos, passando pela soberba e egocentrismo
que ajudam as pessoas a fugir de certos assuntos temporariamente, o
interessante é que o roteiro de Zac Stanford propõe um mosaico divertido e
levemente dramático envolvendo personagens pertencentes à classe-média, uma
desconstrução da ilusão de que todos que vivem em casarões com jardins
desprovidos de cerca são realmente felizes. E quem ainda acredita que as drogas
são um problema das periferias ou de países de terceiro mundo? Está mais do que
na hora de rever seus conceitos então. São justamente as substâncias
alucinógenas que funcionam como a pólvora prestes a explodir um condomínio de
luxo cujos habitantes têm suas rotinas completamente transformadas de uma hora
para a outra. Tudo começa com uma visita do adolescente Dean Stiffle (Jamie
Bell) ao amigo Troy (Josh Janowicz), mas quando entra em seu quarto descobre
que ele cometeu suicídio. O falecido era um dos caras mais descolados do
colégio e todos queriam sua amizade por conta de suas famosas “pílulas da
felicidade” que faziam a alegria dos jovens da engessada cidade de Hillside.
Não havia motivo para ele se enforcar, mas Dean, que o considerava seu único
amigo, se já era um sujeito caladão passou a ficar ainda mais introspectivo. Tentando
entender como não percebeu que Troy estava infeliz, o que poderia ter evitado a
tragédia, o rapaz simplesmente procurou ignorar o que aconteceu, não contou nem
mesmo à mãe do suicida, Carrie (Glenn Close), que foi o primeiro a vê-lo morto.
Sua reação inerte chama a atenção do seu pai, Bill (William Fichtner), um
terapeuta e escritor que adora propagar teorias de que nada é por acaso, tudo
tem um propósito. Coincidência ou não, o comportamento de Dean é um de seus
objetos de estudos prediletos.
Na escola, Dean que sempre evitou
contato com os colegas de repente se viu envolvido em uma confusão com outros
três adolescentes. Por sua proximidade com Troy, Billy (Justin Chatwin), Lee
(Lou Taylor Pucci) e Crystal (Camilla Belle) o procuram pedindo para que ele vá
até a casa do falecido e pegue todas as drogas que estivessem estocadas, mas
diante da recusa o trio toma uma medida radical: decidem raptar seu irmão mais
novo para pressioná-lo. O problema é que ao invés de sequestrarem Charlie
Stiffle (Rory Culkin) o grupo acabou se confundindo e pegou outra vítima,
Charlie Bratley (Thomas Curtis), ninguém menos que o futuro enteado do prefeito
da cidade, o avoado Michael Ebbs (Ralph Fiennes). Além de estar entretido com a
leitura do mais novo livro de Bill, o político ainda está com a cabeça cheia
das perturbações da noiva, a fútil Terri (Rita Wilson). Entre preocupações com
bolo, vestido e decoração para o casamento, o casal acaba não percebendo que o
filho não voltou para casa após a aula. Como o garoto também faz o tipo
caladão, eles pensavam que ele simplesmente estava com uma de suas crises de
solidão e se trancou em seu quarto em absoluto silêncio, nem mesmo estranharam
a visita de Dean que ao saber da confusão da troca de Charlies ia alertar seus
responsáveis sobre o sequestro. Ao perceber que ninguém parece se importar com
o que está acontecendo, o adolescente meio que se identifica com o perfil da
vítima e decide ele mesmo tentar salvá-lo. Curiosamente, falta de atenção não
deveria ser o problema de Dean. Além do pai se interessar por ele, ainda que
para buscar inspiração para seu trabalho, sua mãe Allie (Allison Janney) também
parece ser prestimosa, mas no fundo ela acredita que o marido e os filhos não a
valorizam. A leve depressão também é desencadeada pelo estado de sua vizinha
Carrie que achava que educava seu bebezão da maneira certa. Respeitando o
individualismo de Troy, ela permitia que ele ficasse trancado no quarto ouvindo
rock pesado por horas seguidas, mas sua alienação não lhe deixou perceber que
ele sofria calado e estava envolvido com drogas. Agora com seu falecimento, a
mãe teve um choque de realidade que a deixou perturbada mentalmente,
esquecendo-se ou inventando situações e ainda alegrando-se com a solidariedade
dos vizinhos que estão lhe permitindo tirar férias da cozinha graças aos
quitutes que lhe oferecem neste momento em que precisa de apoio. Percebam tudo
poderia apontar para caminhos dramáticos, mas o enredo faz questão de manter o
viés da ironia para todas estas situações e personagens. O clímax do absurdo
acontece com a simultânea resolução do sequestro, o casamento do prefeito e uma
cerimônia em memória de Troy.
Completando o bizarro grupo de
personagens principais, a enxuta Jerri (Carrie Anne-Moss), a mãe de Crystal,
encara numa boa a história de sequestro e os vícios da filha e seus amigos. Ela
fica animadíssima ao saber que está recebendo em sua casa o enteado do
prefeito, um homem por quem ela há tempos tem uma quedinha. Por fim, o oficial
Lou Bratley entra na trama quando prende Dean por conta de uma suspeita de
tráfico de substâncias ilícitas e assim chega na história do rapto de um menor,
mas tão lunático quanto os demais adultos do filme, leva um tempo até lhe cair
a ficha de que está averiguando o sumiço do próprio filho. Baseado em uma
história original do canadense Arie Posin, também estreando na direção de
longas-metragens, Más Companhias escancara de modo sarcástico a intimidade da
sociedade americana mais abastada que vende uma falsa imagem de sucesso e
felicidade, mas no fundo assombrada por problemas cotidianos ou mais sérios
como qualquer ser humano comum. Falar em desconstrução do modelo de vida
perfeito praticamente virou um sinônimo de Beleza
Americana, cujo sucesso incentivou muitas outras obras a seguirem o mesmo
caminho de chacotear os ianques, mesmo sendo produções locais. Nesta comédia, o
diferencial é que os personagens não lutam para manter as aparências ou
mandá-las às favas para viverem como bem entenderem. Simplesmente ignoram a
própria alienação que os cega a ponto de não perceberem os entraves para
estabelecer comunicações seja entre familiares, amigos ou vizinhos. O enredo
também é um cutucão ao estilo liberal de educação propagado nos EUA. Se no
Brasil é normal que marmanjos vivam até mais trinta anos sob a proteção dos
pais, os ianques têm o hábito de por volta dos 15 ou 16 anos meio que forçar os
filhos a assumirem responsabilidades, alguns até insistem para saírem de casa,
mas o que seria um meio de ensiná-los as viver com dignidade acaba abrindo as
portas para que cheguem ao álcool, as drogas, a promiscuidade e aos crimes, não
raramente tudo incentivado por más companhias. Nesta explicação também estariam
as justificativas para as corriqueiras notícias sobre crimes praticados por
jovens, desde os famosos bullyings até os desconcertantes casos de mortes com
armas de fogo. O assunto é polêmico, exige reflexão e aponta vários caminhos
para debate, mas infelizmente Posin escolheu um trajeto superficial, porém,
coerente com a proposta. Geralmente narrativas-mosaico só jogam iscas e fica a
cargo do expectador tirar conclusões sobre os temas, mesmo em casos como este
em que a conclusão não esquece de ratificar o destino de nenhum personagem. De
qualquer forma, esta é uma opção diferente e divertida. Alternativa, mas sem
aquele verniz de filme-cabeça.
Comédia - 108 min - 2005
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