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quarta-feira, 14 de junho de 2017

MÁS COMPANHIAS

NOTA 6,5

Comédia de humor negro tem
início irônico e perversamente
realista, mas a certa altura o
diretor viaja e perde seu foco
Diga-me com quem andas e te direi quem és. O velho ditado cai como uma luva para sintetizar a ideia discursada em Más Companhias, comédia com estilo alternativo que visa se comunicar com o público mais jovem, mas não exclui as plateias mais maduras, embora os personagens adultos sejam retratados como verdadeiros neuróticos que circulam entre adolescentes aparentemente sérios e introspectivos. O grande lance é discutir que a falta de comunicação é uma problemática séria dos tempos atuais (e em alguma época deixou de ser um empecilho?). Da dependência química ao desenvolvimento de problemas psicológicos, passando pela soberba e egocentrismo que ajudam as pessoas a fugir de certos assuntos temporariamente, o interessante é que o roteiro de Zac Stanford propõe um mosaico divertido e levemente dramático envolvendo personagens pertencentes à classe-média, uma desconstrução da ilusão de que todos que vivem em casarões com jardins desprovidos de cerca são realmente felizes. E quem ainda acredita que as drogas são um problema das periferias ou de países de terceiro mundo? Está mais do que na hora de rever seus conceitos então. São justamente as substâncias alucinógenas que funcionam como a pólvora prestes a explodir um condomínio de luxo cujos habitantes têm suas rotinas completamente transformadas de uma hora para a outra. Tudo começa com uma visita do adolescente Dean Stiffle (Jamie Bell) ao amigo Troy (Josh Janowicz), mas quando entra em seu quarto descobre que ele cometeu suicídio. O falecido era um dos caras mais descolados do colégio e todos queriam sua amizade por conta de suas famosas “pílulas da felicidade” que faziam a alegria dos jovens da engessada cidade de Hillside. Não havia motivo para ele se enforcar, mas Dean, que o considerava seu único amigo, se já era um sujeito caladão passou a ficar ainda mais introspectivo. Tentando entender como não percebeu que Troy estava infeliz, o que poderia ter evitado a tragédia, o rapaz simplesmente procurou ignorar o que aconteceu, não contou nem mesmo à mãe do suicida, Carrie (Glenn Close), que foi o primeiro a vê-lo morto. Sua reação inerte chama a atenção do seu pai, Bill (William Fichtner), um terapeuta e escritor que adora propagar teorias de que nada é por acaso, tudo tem um propósito. Coincidência ou não, o comportamento de Dean é um de seus objetos de estudos prediletos.

Na escola, Dean que sempre evitou contato com os colegas de repente se viu envolvido em uma confusão com outros três adolescentes. Por sua proximidade com Troy, Billy (Justin Chatwin), Lee (Lou Taylor Pucci) e Crystal (Camilla Belle) o procuram pedindo para que ele vá até a casa do falecido e pegue todas as drogas que estivessem estocadas, mas diante da recusa o trio toma uma medida radical: decidem raptar seu irmão mais novo para pressioná-lo. O problema é que ao invés de sequestrarem Charlie Stiffle (Rory Culkin) o grupo acabou se confundindo e pegou outra vítima, Charlie Bratley (Thomas Curtis), ninguém menos que o futuro enteado do prefeito da cidade, o avoado Michael Ebbs (Ralph Fiennes). Além de estar entretido com a leitura do mais novo livro de Bill, o político ainda está com a cabeça cheia das perturbações da noiva, a fútil Terri (Rita Wilson). Entre preocupações com bolo, vestido e decoração para o casamento, o casal acaba não percebendo que o filho não voltou para casa após a aula. Como o garoto também faz o tipo caladão, eles pensavam que ele simplesmente estava com uma de suas crises de solidão e se trancou em seu quarto em absoluto silêncio, nem mesmo estranharam a visita de Dean que ao saber da confusão da troca de Charlies ia alertar seus responsáveis sobre o sequestro. Ao perceber que ninguém parece se importar com o que está acontecendo, o adolescente meio que se identifica com o perfil da vítima e decide ele mesmo tentar salvá-lo. Curiosamente, falta de atenção não deveria ser o problema de Dean. Além do pai se interessar por ele, ainda que para buscar inspiração para seu trabalho, sua mãe Allie (Allison Janney) também parece ser prestimosa, mas no fundo ela acredita que o marido e os filhos não a valorizam. A leve depressão também é desencadeada pelo estado de sua vizinha Carrie que achava que educava seu bebezão da maneira certa. Respeitando o individualismo de Troy, ela permitia que ele ficasse trancado no quarto ouvindo rock pesado por horas seguidas, mas sua alienação não lhe deixou perceber que ele sofria calado e estava envolvido com drogas. Agora com seu falecimento, a mãe teve um choque de realidade que a deixou perturbada mentalmente, esquecendo-se ou inventando situações e ainda alegrando-se com a solidariedade dos vizinhos que estão lhe permitindo tirar férias da cozinha graças aos quitutes que lhe oferecem neste momento em que precisa de apoio. Percebam tudo poderia apontar para caminhos dramáticos, mas o enredo faz questão de manter o viés da ironia para todas estas situações e personagens. O clímax do absurdo acontece com a simultânea resolução do sequestro, o casamento do prefeito e uma cerimônia em memória de Troy.

Completando o bizarro grupo de personagens principais, a enxuta Jerri (Carrie Anne-Moss), a mãe de Crystal, encara numa boa a história de sequestro e os vícios da filha e seus amigos. Ela fica animadíssima ao saber que está recebendo em sua casa o enteado do prefeito, um homem por quem ela há tempos tem uma quedinha. Por fim, o oficial Lou Bratley entra na trama quando prende Dean por conta de uma suspeita de tráfico de substâncias ilícitas e assim chega na história do rapto de um menor, mas tão lunático quanto os demais adultos do filme, leva um tempo até lhe cair a ficha de que está averiguando o sumiço do próprio filho. Baseado em uma história original do canadense Arie Posin, também estreando na direção de longas-metragens, Más Companhias escancara de modo sarcástico a intimidade da sociedade americana mais abastada que vende uma falsa imagem de sucesso e felicidade, mas no fundo assombrada por problemas cotidianos ou mais sérios como qualquer ser humano comum. Falar em desconstrução do modelo de vida perfeito praticamente virou um sinônimo de Beleza Americana, cujo sucesso incentivou muitas outras obras a seguirem o mesmo caminho de chacotear os ianques, mesmo sendo produções locais. Nesta comédia, o diferencial é que os personagens não lutam para manter as aparências ou mandá-las às favas para viverem como bem entenderem. Simplesmente ignoram a própria alienação que os cega a ponto de não perceberem os entraves para estabelecer comunicações seja entre familiares, amigos ou vizinhos. O enredo também é um cutucão ao estilo liberal de educação propagado nos EUA. Se no Brasil é normal que marmanjos vivam até mais trinta anos sob a proteção dos pais, os ianques têm o hábito de por volta dos 15 ou 16 anos meio que forçar os filhos a assumirem responsabilidades, alguns até insistem para saírem de casa, mas o que seria um meio de ensiná-los as viver com dignidade acaba abrindo as portas para que cheguem ao álcool, as drogas, a promiscuidade e aos crimes, não raramente tudo incentivado por más companhias. Nesta explicação também estariam as justificativas para as corriqueiras notícias sobre crimes praticados por jovens, desde os famosos bullyings até os desconcertantes casos de mortes com armas de fogo. O assunto é polêmico, exige reflexão e aponta vários caminhos para debate, mas infelizmente Posin escolheu um trajeto superficial, porém, coerente com a proposta. Geralmente narrativas-mosaico só jogam iscas e fica a cargo do expectador tirar conclusões sobre os temas, mesmo em casos como este em que a conclusão não esquece de ratificar o destino de nenhum personagem. De qualquer forma, esta é uma opção diferente e divertida. Alternativa, mas sem aquele verniz de filme-cabeça.

Comédia - 108 min - 2005 

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