NOTA 9,0 Disney reinventa conto clássico apostando em personagens com conflitos realistas e brincando com os próprios arquétipos que fizeram sua fama |
Branca de Neve, Cinderela,
Aurora, Ariel, Bela e Jasmini. A Disney fez e continua fazendo história e
fortuna com tais princesas que se tornaram praticamente propriedades
intelectuais e comerciais da empresa. Por mais que os seus contos tenham se tornados
populares em todo o mundo e sofrido diversas modificações, dificilmente alguém
consegue imaginar essas personagens com traços e personalidades diferentes dos
apresentados pelas animações clássicas criadas pela casa do Mickey Mouse. O
estúdio procurou depois trabalhar com textos originais ou adaptar contos com
temáticas adultas, mas a ousadia culminou em um período muito ruim para a
empresa que só conseguiu se recuperar ao se aliar a produtora Pixar. Apesar da
união com a companhia famosa por suas animações moderninhas e com aventuras que
aparentemente se encaixam melhor ao universo dos meninos, a ala legitimamente
disneymaníaca defendia um retorno às origens afinal de contas o que não falta é
conto de fadas na fila de espera para ser eternizado com a assinatura da
produtora. A Princesa e o Sapo foi um teste não muito bem sucedido. Enrolados e Valente provaram que os contos de fadas com algumas atualizações
podem sim cair nas graças do público. Já Frozen – Uma Aventura Congelante veio
para coroar definitivamente este bom momento para a Disney e mais uma vez
reafirmá-la como grande produtora de desenhos animados. Inspirado no conto “A
Rainha da Neve”, mais uma obra clássica do dinamarquês Hans Christian Andersen,
o enredo acompanha os passos de Anna, uma garota otimista e corajosa, que embarca
em uma aventura repleta de perigos e emoções para tentar reverter o severo
inverno provocado por sua irmã mais velha, Elsa, que nasceu com o dom (ou
talvez maldição) de fazer frio e gelo. No passado, acidentalmente, a chamada
Rainha da Neve acabou ferindo a caçula que quase morreu congelada. Depois desse
fato, seus pais a condenaram a um período indefinido de reclusão até que ela
conseguisse controlar seus poderes e os trolls, seres mágicos que habitam a floresta,
se viram na obrigação de apagar a memória da pequena Anna para evitar traumas.
Anos mais tarde, os reis de Arendelle faleceram e seguindo a tradição a filha
mais velha deveria assumir o trono. Sob pressão, Elsa até tentou uma
reaproximação com suas origens, mas sem querer acabou provocando um novo
acidente e então decidiu se refugiar ainda mais e partiu para as montanhas
aceitando a solidão como seu destino. Anna, que cresceu lamentando a ausência
da irmã em sua vida, só soube de toda a verdade sobre o drama de Elsa agora com
esta nova decisão de reclusão e então decide ir a sua procura para provar a ela
e a todo o reino que o seu dom peculiar não a transforma em um monstro que precisa
se esconder eternamente, só era preciso aprender a dominá-lo e vencer seus
próprios medos.
O longa se sustenta no contraste
entre estas personagens, a coragem de uma duelando com a fraqueza da outra. A
própria caracterização delas trata de reforçar estas características, sendo
Anna dotada de cabelos ruivos que fazem alusão a sua impulsividade enquanto
Elsa tem madeixas loiras em tom próximo do branco refletindo a sua frieza tanto
sentimental quanto literal. Todavia, estas irmãs separadas por força das
circunstâncias se completam e conferem certo ar de ineditismo a este trabalho
roteirizado por Jennifer Lee, de Detona
Ralph, que assina também a direção, mas dividindo tal crédito com Chris
Buck, de Tá Dando Onda e que já havia
feito para a Disney Tarzan. No conto
original, datado de 1844, a trama gira em torno da secular batalha entre o bem
e o mal sendo que duas crianças unem forças para vencer os feitiços da vilã que
desejava ver o mundo coberto de neve por toda a eternidade. Já a versão
atualizada da fábula descarta o surrado gancho do mocinho combatendo um vilão
inescrupuloso para investir em uma narrativa com temas mais ousados como
autoimagem, preconceito, valorização da família e livre arbítrio, além de
abordar como o medo pode destruir a vida de alguém, assim a obra é um prato
cheio para todas as idades se emocionarem, se divertirem e tirar algumas boas
lições. A opção por uma dupla de protagonistas ao invés de um casal romântico é
mais um ponto a favor da fita. Anna e Elsa têm personalidades fortes e costumam
errar como qualquer pessoa, passando longe do perfil bibelô de louça das
antigas princesas Disney que simplesmente sonhavam com um bom casamento, assim
a empatia com o público é bem mais fácil de ser atingida. Enquanto a irmã mais
nova tropeça, se descabela e dá seus chiliques demonstrando suas imperfeições
com total naturalidade, Elsa mostra-se uma personagem um tanto complexa,
duelando consigo mesma tendo que reprimir o desejo de levar uma vida normal,
mas ciente de que seu isolamento teoricamente seria o melhor para ela e todos
os habitantes de Arendelle. Aliás, o momento em que ela toma tal decisão é
icônico. Acompanhada de uma bela canção, a sequência mostra a felicidade, ainda
que passageira, de Elsa ao poder finalmente se libertar de amarras vivendo
longe de todos. O problema é que toda vez que ela extravasa suas emoções,
positivas ou negativas, ela libera gelo ao seu redor, mas neste caso sua
catarse era tamanha que acabou por trazer um inverno rigoroso para todo o reino
e assim surge o citado pretexto para a reaproximação das irmãs. Além de querer
a correção das estações do ano, Anna quer tentar tirar a Rainha da Neve de seu
mundo literalmente gelado. A introdução de canções ao longo de toda a
narrativa, diga-se de passagem, deve ter sido uma forma que os diretores
encontraram para manter a tradição Disney agora que a empresa tem como um dos
chefes de criação John Lesseter, o homem que revolucionou o campo da animação
com Toy Story e companhia bela da
Pixar.
Parece que a cada novo trabalho os
estúdios estão conseguindo acertar ainda mais o passo unindo o clássico ao
moderno com perfeição. As músicas adicionadas aqui não são descartáveis, pelo
contrário, ajudam a contar a história de maneira leve e empolgante. Por ser
inspirada em um conto de fadas, é óbvio que clichês não faltam afinal é uma
trama que basicamente depende de arquétipos pré-estabelecidos para se sustentar,
característica que casa muito bem com os ideais instaurados pelo Sr. Walt
Disney para guiar os trabalhos de sua companhia. Assim batem ponto maldições,
traições, encantos, animais falantes e criaturas dotadas de inteligência, além
é claro de príncipes. Sim, os mocinhos galantes também estão presentes, mas
assumem posição secundária no enredo. Hans é o príncipe da vida de Anna, um
rapaz que ela conheceu repentinamente e não pensou duas vezes antes de elegê-lo
sua alma gêmea. Como cresceu como se fosse filha única, a garota foi cercada de
mimos e praticamente viveu enclausurada em seu castelo, assim desenvolvendo
certa ingenuidade e necessidade de contato humano. É aí que sentimentos o
dedinho da Pixar na obra. Diante de um amor arrebatador em tão pouco tempo as
expectativas tendem a ceder pela mesmice do gancho, mas aos poucos uma
reviravolta começa a ser trabalhada. Outros personagens passam a questionar a
jovem sobre a furada em acreditar que a felicidade eterna pode estar em um
casamento com um estranho. Aqui e ali se fala no poder do beijo de um amor
verdadeiro, mas a ideia é fazer graça com as convenções narrativas que a
própria Disney ajudou a perpetuar, assim constantemente o longa prega algumas
boas peças, mas não descarta um triângulo amoroso. Durante a peregrinação até o
esconderijo da irmã, Anna ganha a companhia do excêntrico e destemido vendedor
de gelo Kristoff e obviamente o convívio mais próximo com outro homem a fará
repensar na ideia de se casar com Hans, este que tem um segredo que provocará
mais uma reviravolta na trama. Completam o time de coadjuvantes a simpática
rena Sven e o boneco de neve Olaf, uma criatura que apesar do comportamento
humanizado parece não ter a consciência de que seu fascínio pelo calor pode
também representar sua morte. Criado e esquecido por Elsa, o boneco sofre de
carência e está sempre em busca de um abraço quentinho. Além dos personagens
dotados de personalidades mais realistas, o filme ainda é um primor
visualmente. Trabalhar com boa parte das cenas desenvolvidas em cenários
brancos não é fácil e é comum que as imagens se tornem chapadas, mas neste caso
houve uma preocupação de criar em cima da neve. Aqui existe profundidade, um
belo castelo de gelo e florestas e até um lago congelado, todas concepções
visuais ricas em detalhes. Os poucos momentos de verão são representados com
cores vibrantes enquanto os passados no frio tem a baixa sensação térmica
acentuada com detalhes cênicos e figurinos em tons sóbrios. Realmente o filme
nos faz dispensar um sorvete ou suco geladinho, mas nos faz sonhar com uma
xícara de chocolate quente ou pipoca para acompanhar um programa delicioso que
prova que uma receita antiga pode muito bem servir aos tempos contemporâneos,
basta alguns ajustes. Frozen – Uma Aventura Congelante pode
caçoar levemente da paixão à primeira vista entre um homem e uma mulher, mas
nos faz lembrar que existem outras formas de amar tão importantes quanto, como
o amor a si mesmo ou aos laços de sangue.
Vencedor do Oscar de animação e canção
Animação - 103 min - 2013
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