Nota 5 Mera publicidade para um então jovem ator, longa sobrevive pela nostalgia que desperta
Os americanos adoram competições, o que justificaria o excesso de produções envolvendo esportes que raramente saem do lugar comum. Seja beisebol, basquete ou qualquer outra modalidade, os ingredientes básicos da receita estão lá reunidos para no fim o protagonista sagrar-se campeão e dar a lição de superação aguardada. Enfocando o mundo das corridas de carro, Dias de Trovão se encaixa nesse grupo, mas acaba se destacando pelo fato de abordar um esporte pouco visto nas telonas (sem levar em consideração comédias e animações que corriqueiramente exploram tal universo). O longa carrega uma grande carga de nostalgia, uma dádiva para alguns e para outros um baita entrave, mas o fato é que, embora garanta um passatempo razoável, não encontramos razões para que o título seja lembrado como um grande sucesso a não ser pela presença de Tom Cruise, na época o galãzinho do momento repetindo a parceria com o diretor Tony Scott. Em 1986 a dupla emplacou Top Gun – Ases Indomáveis, mas cerca de quatro anos depois o longa ainda repercutia e certamente beneficiou esta nova parceria, inclusive o próprio astro é quem escreveu o argumento desta aventura sobre quatro rodas. Diretor e protagonista afinados, bastava trocar os aviões pelos carros e um novo filme talhado para lucrar milhões estava para ser lançado.
Abordando o universo da Nascar, então a categoria de corrida mais valorizada dos EUA, o roteiro de Robert Towne acompanha a trajetória de Cole Trickle (Cruise), um jovem amante da velocidade e muito corajoso, mas não fazia ideia de como usufruir destas qualidades (além da beleza) para se dar bem na vida. As coisas mudam quando ele é descoberto pelo empresário Tim Daland (Randy Quaid) que pede ao veterano piloto Harry Hooge (Robert Duvall), então atuando como chefe de equipe e engenheiro de automóveis, que construa um carro exclusivo e treine Cole para dirigi-lo. O convívio entre eles acaba gerando uma grande amizade baseada na confiança e o jovem corredor tem a oportunidade de usufruir de valiosos conselhos para se tornar um campeão das pistas. Craque no motociclismo, Cole simplesmente aprendeu os macetes das corridas de stock car pela TV, só lhe faltava aquele patrocinador visionário, mas é óbvio que as coisas não fluem às mil maravilhas. Logo de cara ele se estranha com Rowdy Burns (Michael Rooker), o piloto mais badalado do circuito que não gosta nada de saber que pode ter um rival à sua altura. Assim começa uma guerra entre egos que culmina em um acidente no qual os dois vão parar no hospital e ficam suspensos das competições até comprovações clínicas de que estão aptos física e mentalmente. Para a sorte do novato piloto, a médica que vai cuidar do seu caso é Claire Lewicki (Nicole Kidman, iniciando seu relacionamento com Cruise nos bastidores e colaborando para uma publicidade extra ao longa). Cole investe em muitas cantadas ao longo do tratamento, todas encaradas com tranquilidade pela doutora que também se encanta a primeira vista pelo rapaz.
A essa altura a disputa de egos com Rowdy já estava mais controlada, mas ainda havia tempo de filme a ser preenchido, assim Cole volta novamente a correr e parece fadado ao sucesso, mas atravessa literalmente o seu caminho Russ Wheeler (Cary Elwes), corredor bem mais experiente e com chances de puxar o tapete do mais novo galã das pistas, afinal de contas ele não entende patavinas sobre carros. Seu lance é desafiar a velocidade, tentar controlar uma coisa que está fora de controle ou, em outras palavras, simplesmente transformar um hobby em seu ganha pão, aliar o útil ao agradável. Em suma, o filme não traz novidades. Mesmo para a época, não passava de uma reunião de clichês que rotineiramente estão presentes em produções do tipo. Temos o herói corajoso que sofra o que sofrer terá seu final feliz garantido, o necessário adversário cuja posição automaticamente o rotula como um vilão (posto neste caso dividido por dois personagens), além é claro de um interesse romântico bem facinho para ser conquistado e de quebra dar certa oxigenada em uma produção que exala testosterona. Disfarçando muito mal, Scott acabou fazendo uma continuação não oficial do citado Top Gun – Ases Indomáveis sem nem mesmo se dar ao trabalho de mudar o ator principal. Simplesmente trocou o hangar da aviação pelos boxes das pistas de automobilismo e alterou o nome do protagonista.
Apesar de Cruise afirmar que a intenção era apenas usar as corridas de carros como pano de fundo, a sensação inicial é que o longa é restrito aos íntimos do assunto, mas depois ganha cara de filme-propaganda, um caprichado portfólio de imagens do ator que na época já acumulava alguns trabalhos de mais peso como A Cor do Dinheiro e Rain Man, assim não precisava se colocar a disputar corrida de cadeiras de rodas no hospital e tampouco cair na armadilha emocional de que um carro feito com carcaças e peças usadas poderia levá-lo à vitória concorrendo com outras super máquinas. Para todos os efeitos é bom lembrar que o próprio é quem desenvolveu o argumento e já deveria imaginar as ideias que o roteirista teria. Parece que a grande diversão é justamente o encaixe perfeito de todos os clichês e ter a satisfação de adivinhar com antecedência tudo o que vai acontecer. Dias de Trovão logo caiu no gosto dos jovens e hoje deve ser lembrado como uma agradável lembrança de muito marmanjo de uma época em que o videogame ainda era artigo de luxo, assim a produção era perfeita para descarregar a adrenalina acumulada. Você podia não estar no comando da situação, mas inevitavelmente se colocava no lugar de Cole e embarcava na trama em alta velocidade.
Com pilotos profissionais fazendo figuração, servindo como dublês e alguns mais renomados ganhando pontas como eles mesmos, não há dúvidas que o espectador pode ter a nítida sensação de estar acompanhando corridas de verdade, talvez até se sentindo nas arquibancadas, tudo graças a parte técnica impecável. Desde os efeitos sonoros, com roncos de motores de arrepiar, até a edição super veloz, Scott foi bastante detalhista, não deixou nem mesmo escapar as reações tensas dos pilotos dentro dos veículos. Quanto ao elenco, parece que todos se divertiram muito neste trabalho, afinal de contas pouco lhes foi exigido em termos de interpretação. Fora decorar algumas falas cifradas (detalhes técnicos que só grandes conhecedores de carros conseguem compreender), não havia propriamente uma história a ser contada. Tudo que não está diretamente ligado a veículos ou corridas parece que foi inserido só esticar a trama. O romance de Cruise e Kidman fora das telas provavelmente rendeu uma história melhor, visto que o astro estava casado com a atriz Mimi Rogers, mas um ano após o término das filmagens já estava trocando alianças com sua parceira de cena. A velocidade realmente o pegou de jeito.
Ação - 107 min - 1990
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