NOTA 6,5 Incentivado pelo ócio e pela mídia, americano declara guerra a vizinho árabe e sem perceber cai em uma espiral de loucura que só o prejudica |
Desde os ataques de 11 de
setembro de 2001, os EUA entraram em uma nova era, um período marcado pela
insegurança, suspeitas e aversão a estrangeiros, principalmente aqueles com
traços de etnia árabe. O clima de tensão passava a ser observado diariamente em
espaços públicos, como em aeroportos e shoppings centers que redobraram os
cuidados com segurança, mas nestes casos ainda existe a justificativa de que
isso é uma preocupação pelo bem social, regras básicas para uma sociedade se
manter íntegra, ainda que em alguns casos as investigações sobre suspeitos
foram absurdamente abusivas. E quando o pânico individual torna-se mais
ameaçador que o medo coletivo, o que fazer? É sobre esse tema que se sustenta o
suspense Paranoia Americana que procura retratar a situação psicológica
dos norte-americanos diante do medo de novas ameaças. Se nem mesmo dois dos
mais altos e pomposos edifícios do mundo escaparam de se tornar alvos fatais
dos terroristas, episódio em que centenas de pessoas faleceram, o que impediria
novos ataques a outros símbolos da soberania dos EUA ou até mesmo a violência em
massa para atacar civis através de atos aparentemente inofensivos? Quem diria
que uma simples carta poderia conter substâncias mortais? Não é coisa de
cinema. O mundo todo já viveu esse período do pânico das correspondências
adulteradas, assim o receio de que o perigo poderia estar em qualquer lugar
realmente tornou-se algo perturbador e é por esse viés que segue a trama
escrita por Andrew Joiner. O protagonista Terry Allen (Peter Krause) é o
responsável por envolver o espectador em um crescente clima de tensão conforme
ele abdica de seus interesses pessoais para tratar de uma especulação que se
torna uma obsessão. Profissional da área de contabilidade, o rapaz acabou
perdendo seu emprego por conta de um corte de gastos da empresa e isso dias
antes de mais um aniversário da tragédia ocorrida com as Torres Gêmeas. Com a
recessão do mercado ele não consegue emprego e com tempo livre de sobra acaba
se entretendo com os inevitáveis noticiários a respeito de terrorismo afinal
sempre existe o temor de que com a proximidade da fatídica data algo de ruim
possa novamente acontecer. Morador de um condomínio de classe média, certo noite
observando a vista lhe chama a atenção seu novo vizinho, Gabe Hassan (Khaled
Abol Naga), um jovem cujos traços físicos não negam sua descendência árabe, o
bastante para fazer o desempregado ficar com a pulga atrás da orelha.
Sempre de olho pela janela, Allen
fica intrigado ao ver que Hassan mudou-se rapidamente e com pouca bagagem,
costuma dar uma espiada no movimento ao redor de seu apartamento que fica no
andar térreo e tem o hábito de colocar seu lixo para fora altas horas da
madrugada. Tudo isso poderia passar despercebido, simplesmente um vizinho
excêntrico, mas pesa o fato do rapaz ser do Oriente Médio como generaliza o
protagonista. Dessa forma, qualquer detalhe pode ser uma prova, um indício de
que ele seria um terrorista e poderia estar tramando algum plano. É claro que Allen
não resiste a tentação de dar uma fuçadinha nos descartes do vizinho e fica
ainda mais intrigado ao encontrar envelopes oriundos de uma instituição árabe
intitulada “Filhos da Benevolência” e passa a dividir suas desconfianças com a
esposa, a fotógrafa Marla (Kari Matchell), esta que tenta alertar o marido que
não se pode julgar as pessoas baseando-se em preconceitos e até o afronta indo
pessoalmente dar boas-vindas ao jovem. Conforme os dias passam, a paranoia aumenta
ainda mais com os incentivos dos discursos do então presidente George W. Bush
clamando para que os norte-americanos se unam para lutar por vingança. Seguindo
Hassan, o vizinho fica ainda mais preocupado ao ver que ele trabalha em uma
pequena empresa onde atuam apenas pessoas conterrâneas, dirige um carro alugado
e ainda faz uso de telefone público mesmo tendo celular, possivelmente uma
maneira de não ser identificado pelo número. Marla tem justificativas para
todas essas suspeitas e ainda reforça que o vizinho é apenas um inocente
estudante de mestrado que deve receber algum tipo de financiamento de seu país
de origem, mas seu marido continua com a ideia fixa de que não faltam
argumentos para levar suas suspeitas às autoridades e fazer seu papel de
cidadão consciente afinal qualquer morador dos EUA tinha a obrigação de agir
como um sentinela, os olhos e ouvidos do FBI como ele próprio define. Allen
então seria o simulacro de um herói? Não chega a tanto, apenas um civil
engajado a defender a honra de seu país embalado pela onde de patriotismo e
desespero que tomaram de assalto a nação acostumada a ilusão de que vivem em
uma redoma de vidro. O mundo se acostumou a olhar os EUA de maneira soberana e
os atentados de 11 de setembro foram uma grande afronta a essa fortaleza
imaginária. Buscando recuperar a imagem indestrutível de outrora, a mídia local
fazia questão de exaltar tal posição diariamente e repetidas vezes, além de
reforçar a imagem dos povos árabes como vilões.
O diretor Jeff Renfroe usa
matérias do tipo para bombardear os créditos iniciais deixando bem clara as
intenções de sua obra, mas a narrativa toda é pontuada por esse recurso, como o
rádio que avisa que seu vizinho pode ser um suspeito e os cartazes espalhados
pelas ruas com fotos de árabes procurados pela polícia. Aliás, tais artifícios
são utilizados além do necessário, deixando uma incômoda sensação no espectador
de que o filme é quase um veículo de publicidade do governo americano e de
incentivo à Guerra ao Terror. Todavia, o roteiro tenta vez ou outra mostrar o
outro lado da moeda. O agente do FBI Tom Hilary (Richard Schiff) entra na
história para lembrar Allen que ele é apenas um homem comum e se insistir em
brincar de detetive por conta própria sofrerá as consequências como qualquer
outro indivíduo que invadisse uma propriedade alheia sem permissão, por
exemplo. A certa altura, o protagonista e Hassan discutem as atrocidades que
cada uma das nações que representam cometeram, mostrando que os EUA também não
é um país santo. O árabe até faz uma metáfora envolvendo uma tragédia a um
núcleo familiar para tentar explicar as razões de seu povo em querer se vingar,
mas em nenhum momento assume que é um terrorista, podendo inclusive ser mais
uma vítima da arrogância de um norte-americano perturbado que para esquecer os
problemas pessoais acaba comprando uma briga muito maior que poderia suportar
para manter-se ocupado. No entanto, nos minutos finais Renfroe recua e acaba
levantando de certa forma a bandeira de seu país reforçando que ali está a
razão. Paranoia Americana está longe de ser uma das melhores produções
a abordar os efeitos do medo do terrorismo, porém, embora produzido em 2006,
sem dúvidas é um registro razoável de um período marcante da História americana
e porque não mundial. Seu apelo patriótico ainda se faz valer e levanta
discussões, mesmo contando com personagens esquemáticos entre os quais se
destaca a atuação de Krause que catalisa todas as angústias de um homem
fragilizado muito mais pelos rumos que sua vida tomou que necessariamente pelos
problemas de sua pátria, estes que acabam sendo usados como desculpas para ele se
sentir com alguma serventia. De qualquer forma, mesmo com os rumos previsíveis e a cara de
telefilme oportunista, uma opção que garante um bom passatempo.
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