NOTA 6,0 Procurando abordar questões morais e religiosas através de dois personagens fortes e controversos, longa se perde e distancia o espectador |
Existem filmes que são tão ruins
que nem nos importamos em tecer comentários negativos, pelo contrário, é até
uma satisfação, uma forma de extravasar a raiva de ter perdido seu precioso
tempo com semelhante coisa. Pena que nem sempre é fácil apontar se um filme é
bom ou ruim. São vários os exemplos de produções que podem deixar aquele
gostinho amargo de insatisfação ao final, contudo, isoladamente possuem pontos positivos
relevantes como é o caso de Homens em Fúria, reencontro de
Robert De Niro e Edward Norton após quase uma década do lançamento de A Cartada Final. Sem dúvidas ambos são
ícones de suas respectivas gerações de atores, mas o aguardado embate de
talentos resulta em algo frio, distante do espectador, muito por conta do
roteiro assinado por Angus MacLachlan, do mais acessível Retratos de Família. O problema deste distanciamento pode acontecer
logo nos primeiros minutos devido a diálogos que soam um tanto artificiais,
afinal o fio condutor da trama é um prisioneiro tentando conseguir sua
liberdade condicional justificando sua boa conduta, o tempo considerável de sua
sentença já cumprido e a saudades que tem de transar com a esposa, diga-se de
passagem, algo mencionado com riqueza de detalhes. Quem não se importar com a
conversa típica de filmes de malandros e confiar no talento dos protagonistas,
a trama pode surpreender pelos rumos que toma. Jack (De Niro) trabalha em um
presídio como avaliador de condicionais, ou seja, é ele quem tem a
responsabilidade de esgotar as possibilidades de verificação para ter a certeza
de que pode devolver um indivíduo ao convívio social antes mesmo dele cumprir
totalmente a sua pena, mesmo que para tanto sejam necessários meses ou até anos
de empenho. O policial está prestes a se aposentar e a essa altura encara um
grande desafio: lidar com Stone (Norton), um presidiário acusado de matar os
próprios avós em um incêndio, mas que já cumpriu oito anos de sua pena e não vê
a hora de conseguir sua liberdade condicional. O problema é que Jack parece ter
perdido sua razão de viver agora que caiu a ficha que vai ser desligado da
polícia definitivamente e não está mais empenhado no trabalho, assim ele pouco
dá atenção aos apelos do detento que então recorre a Lucetta (Milla Jovovich),
sua esposa, para ajudá-lo a persuadir o velho. Com toda a propaganda que fez sobre
sua vida sexual, é óbvio que Stone quer que ela seduza o agente e assim consiga
persuadi-lo a lhe dar o alvará de soltura, mas Jack é durão e não cai na
armadilha. Bem, pelo menos não nas primeiras tentativas da moça.
Jack é um homem responsável, respeita
leis, mas já foi mais religioso e hoje parece apenas conviver por conivência
com sua esposa, Madelyn (Frances Conroy), não mais amá-la. A primeira aparição
do personagem é bastante estranha e já causa repulsa no espectador. Muito
jovem, chega a usar a própria filha pequena para chantagear a esposa a não
abandoná-lo. A participação desta sofrida mulher é explorada em poucas cenas,
mas todas de fundamental importância para transformar o argumento, não deixá-lo
servir para uma trama policial comum. O filme no fundo fala sobre redenção e fé,
além é claro da manipulação. Jack não frequenta a igreja, mas tem como hobby
escutar sermões gravados enquanto sua mulher está prestes a se tornar uma
fanática religiosa que acredita que qualquer situação inesperada é uma forma de
Deus castigar. O veterano investigador, sempre com a língua afiada para
desmascarar Stone, afirma não se arrepender de nada que fez ao longo da sua
vida, mas cai em contradição vez ou outra lamentando que nunca tenha sido
baleado. Talvez nunca tenha sido realmente feliz na profissão, somente em
esporádicos momentos que compensavam a melancolia de sua vida pessoal, no
entanto a iminente aposentadoria o faz crer que se tornará um velho inútil que
passará os restos de seus dias aguardando a morte. O perfil deste homem é
perfeito para ser ludibriado por uma mulher mais jovem e chega um momento que
Jack não resiste e acaba cedendo às investidas de Lucetta, esta que a todo
tempo não deixa bem claro se está tentando ajudar o marido ou se está
aproveitando a desculpa para pular a cerca sem culpa como uma legítima
ninfomaníaca. Embora interprete um tipo cujos atributos físicos e sex appeal
são mais importantes que o talento em si, Jovovich se sai bem levando-se em
consideração suas limitações como atriz e literalmente sendo devorada pelo
veterano De Niro, este que há tempos não tinha um papel tão forte em suas mãos,
ainda que não o represente de forma excepcional. Seu autoritarismo e semblante
grosseiro contrastam com sua imagem dentro de sua própria casa, a de um homem
frustrado e sem objetivos. O currículo do ator está repleto de personagens de
moral duvidosa e aqui está mais um para ampliar a lista. Jack é mesquinho,
desconfiado, prepotente e esconde todos estes defeitos sob uma falsa fachada
religiosa. É nesse ponto está o pulo do gato da trama. Quantas histórias você
já ouviu sobre criminosos que um belo dia foram tocados por uma luz divina e
encontraram o caminho do Senhor? Da mesma forma que o policial em questão usa a
religião como um escudo Stone a certa altura também parece ter aprendido a
técnica. Ou seria realmente verdade sua repentina aproximação do credo?
Desde sua primeira aparição,
Stone mostra-se uma pessoa ambígua. Ele cria sotaques, modifica sua voz e usa e
abusa de trejeitos que não deixam claro se está em seu juízo perfeito ou se
está bancando o santo para sair da cadeia. No início surge em estilo boca suja
e com cabelo rastafári, mas após ler um livro religioso muda completamente sua
maneira de falar, se comportar e até seu visual de malandro é dispensado. O
próprio personagem afirma ter vivido um momento de epifania dentro da prisão,
alguma coisa envolvendo sons que o fez ter contato com algo diferente, enxergar
sua vida com olhar mais brandos. Se Stone já era intrigante, após encontrar a
“luz” sua personalidade torna-se ainda mais confusa o que instiga o espectador
a tentar buscar detalhes na interpretação de Norton para tentar decifrar o
enigma do personagem. Afinal ele regenerou-se ou é apenas um truque para
enganar seu agente da condicional? O diretor John Curran, do sensível O Despertar de Uma Paixão, tentou fazer
de um argumento simples uma história ambiciosa sobre questionamentos morais e
religiosos e acabou se perdendo entre diálogos extensos e cansativos que
comprometem significativamente o ritmo da obra. Já seria o bastante desenvolver
o perfil dúbio de Stone, cujo nome intitula o filme originalmente, um gancho
tão forte que acaba jogando por água abaixo o plano de sua esposa tentar
seduzir Jack. A partir do momento em que o rapaz se encontra em estado de
graça, a personagem Lucetta acaba perdendo importância na trama. Curran quis ir
mais longe e também colocar em xeque a idoneidade do papel vivido por De Niro.
O presidiário lhe questiona quem seria ele para julgá-lo e no fundo nem o
próprio Jack sabe responder. Um homem da lei que não pensou duas vezes antes de
colocar a própria filha em risco para mostrar quem manda em sua casa não é
nenhum modelo de perfeição, ainda mais quando paramos para pensar que ele se
propõe a trair a esposa sem refletir que o distanciamento entre eles pode ter
sido provocado por ele próprio que abriu caminhos para Madelyn ir buscar
compensação às suas frustrações na religião. Jack construiu sua própria
infelicidade ao longo dos anos e encontrou em Stone alguém para afrontá-lo, uma
pessoa tentando ampliar seus horizontes voluntariamente ou apenas em benefício
próprio. Realmente, Homens em Fúria tem questões pertinentes a respeito de ética,
crenças e psicologia contrastando os perfis de seus protagonistas, o homem mais
velho e desiludido batendo de frente com o entusiasmo de um jovem que clama por
uma segunda chance para ser feliz. Com interpretações fortes e alguns diálogos
isolados que chamam a atenção pela profundidade, é uma pena que o conjunto
parece ter lacunas, sentimos falta de algum elemento que uma com perfeição
todos os bons ganchos da trama que ainda é prejudicada pelo título nacional que
vende a ideia de um produto banal calcado em adrenalina e tiroteios.
Drama - 105 min - 2010
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