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quinta-feira, 24 de novembro de 2016

A FAMÍLIA SAVAGE

NOTA 7,0

Irmãos que não se falavam há
anos se reencontram em drama
com toques de humor que aborda a
imperfeição do ser humanao
Todos os anos na época do auge das premiações surgem alguns títulos independentes que podem surpreender e conquistar a crítica e o público. Geralmente com o respaldo de passagens por festivais cults, eles chegam como as zebras de festas como o Globo de Ouro e o Oscar, porém, não há espaço para todos eles nessas disputas. Foi o que aconteceu com A Família Savage que acabou diminuído com a presença de Juno em seu caminho, uma febre que conquistou com sua trama leve e temática jovem, dois itens que o longa protagonizado pelos talentosos Laura Linney e Philip Seymour Hoffman não podem contar. Eles vivem Wendy e Jon Savage, irmãos que se aproximam depois de muitos anos devido ao estado de saúde delicado do pai, Lenny (Philip Bosco). O problema é como dedicar atenção ao idoso sem abdicar de suas próprias vidas. Apesar de alguns momentos cômicos, a roteirista Tamara Jenkins, estreando aqui também no cargo de diretora, optou por abordar um tema que revela o que há de pior no ser humano, o egoísmo, seja na vida profissional ou na particular. A grande surpresa é que ela não tem medo de expor a velhice sob uma ótica diferenciada. Dramas com idosos tendem a reforçar a mensagem de que é uma obrigação dos mais novos cuidar dos mais velhos, porém, aqui é mostrado sem pudor que tal situação é um entrave e tanto para os filhos e o próprio ancião toma consciência de que é um fardo para os outros e que ele próprio não vê mais razão para viver se não pode ter sua independência preservada. Ao começar a escrever com fezes nas paredes, os filhos são imediatamente chamados para ser discutido o que será feito com Lenny diante dos sinais de demência. Para piorar, ele não tem mais um teto já que vivia há cerca de vinte anos com uma companheira que acabara de falecer, aliás, eles já estavam separados por algum tempo devido a problemas de saúde de ambos. Mesmo guardando mágoas dos tempos de infância pela atenção que o pai negou, os irmãos decidem ampará-lo mostrando que um resquício de civilidade ainda há dentro deles. Todavia, isso implica em mudança de estilo de vida para os dois. Wendy é uma quarentona que a essa altura do campeonato ainda não sabe bem o que quer da vida. Vivendo em East Village, ela é amante de um homem casado, se dedica a trabalhos temporários e sonha que ainda terá seu talento como dramaturga reconhecido, mas parece não confiar no que escreve. Jon, por sua vez, vive em Buffalo e trabalha como professor universitário sem grande reconhecimento, além de ter escrito alguns livros esquecíveis. No momento sofre com a separação da namorada polonesa que precisa deixar os EUA por não ter conseguido renovar seu visto de permanência.

Como na maioria dos dramas independentes, as relações humanas, mais especificamente as familiares, estão em jogo aqui também e um clã disfuncional será obrigado a se reunir novamente, sendo que os membros terão que aprender a lidar com as excentricidades, temperamento e personalidade um do outro. É previsível tal caminho, mas a forma como Jenkins encontra para desenvolver o enredo eleva a obra a um patamar um pouco acima do normal. Ela não julga os personagens e tampouco quer dar uma lição de moral com seus conflitos, apenas deixa as coisas acontecerem, permitindo que o espectador encontre vários pontos de identificação e intensifique seu envolvimento com a trama. Logo que se reencontram no Arizona para decidirem o futuro do pai, o estranhamento já começa. Pode ser que um dia eles tenham tido um bom relacionamento, mas o fato é que algo muito forte afastou os irmãos e mesmo vivendo relativamente perto, cada um em um canto de Nova York, eles cultivaram uma distância gigantesca. Entretanto, eles compartilham dificuldades semelhantes para lidar com questões profissionais, relacionamentos e desejos. Estão vivendo a crise da casa dos 40 anos. Da troca de farpas inicial, movida por ressentimentos particulares de ambas as partes, surge a necessidade de aceitarem a nova realidade e que precisarão esquecer as diferenças em nome de um bem maior, mas isso não é nada fácil. É tolerável as manias e defeitos de alguém por alguns dias, mas já com data para o sacrilégio acabar, agora estar vinculado a força e por tempo indeterminado a alguém estranho exige muita tolerância. Lenny é levado para uma casa de repouso em Buffalo, mas como é dito em uma das brigas dos irmãos, as paisagens lindas do local não fazem bem aos velhinhos, na realidade só servem para amenizar a culpa dos filhos que abandonam os pais. Wendy sente-se culpada por deixá-lo em um asilo e tenta estar ao seu lado o máximo de tempo possível, assim abdicando da inércia de seu cotidiano. Aliás, é a personagem que conduz a narrativa e a que se sobressai na história simplesmente por ser uma pessoa comum, alguém cheia de planos e acumuladora de frustrações, mas qual seria o sentido da expectativa em realizar um desejo quando não vivenciamos decepções? A dor é necessária para darmos valor aos momentos de alegria, mesmo que estes surjam em menor quantidade. A naturalidade de Linney, figurinha carimbada de produções do tipo, lhe rendeu uma indicação ao Oscar, mas curiosamente a maioria das premiações que antecedem a festa da Academia de Cinema a esnobaram. Pode ser a sensação de “ela de novo fazendo o mesmo papel de neurótica”, mas o fato é que a atriz consegue se reinventar e cativa com os muitos defeitos de sua personagem que aos poucos mostra também ter qualidades.

Hoffman já foi mais lembrado nas premiações, excelente também como um homem de meia-idade frustrado com o marasmo que sua vida se tornou e a decepção de seus livros não serem sucesso. No entanto, Jon não seria um personagem tão bom sem Wendy e vice-versa. A química entre seus intérpretes é tão forte que parece que há anos eles se conheciam quando na realidade eles nunca haviam trabalhado juntos e tampouco eram amigos fora das telas até então. A relação dos irmãos Savage ganha ainda mais pontos pelo fato do entendimento deles, ou ao menos a aplicação dos princípios básicos da educação que regem o convívio social, acontecer em paralelo ao avanço do processo de demência de Lenny, o que gera certos momentos de desconforto para os dois. Longe de rótulos estereotipados, os filhos do idoso se tornam cada vez mais humanos e envolventes aos olhos do espectador, afinal existe um pouco de cada um desses personagens dentro de nós. Quem nunca se sentiu magoado com algum parente? Jamais viveu um dilema amoroso ou experimentou a frustração em algum momento da vida profissional? E quanto ao futuro? O que fazer quando os pais estiverem apresentando os inevitáveis sinais da idade avançada? É justamente esta aproximação com a realidade o grande trunfo de A Família Savage, obra essencialmente verborrágica, mas que também guarda interessantes mensagens a serem codificadas em seu visual, como o contraste do cenário bucólico onde Lenny vivia à paisagem cinzenta das cidades onde seus filhos residem. Embora classificada como drama, mas tendo como destaques as cenas com pitadas de humor geralmente associadas a fatos triviais do cotidiano, é certo que a obra incomoda. No bom sentido, é claro. É um choque e tanto acompanhar por quase duas horas o desenvolvimento de perfis tão imperfeitos e ainda constatar que você pode ser parecido em alguns aspectos com eles. Entretanto, quem procura esse tipo de produção provavelmente já está ciente do que vai encontrar e o impacto é atenuado. No fundo não há nada de novo aqui, apenas uma variação do que já vimos em Beleza Americana ou A Lula e a Baleia, por exemplo. E olha que a exploração dos clãs problemáticos já invade até o universo infantil. Sem vilões ou mocinhos, o certo ou errado, o longa tem um ritmo melancólico, percepção acentuada pelo clima chuvoso e frio em que boa parte da trama se desenvolve, e a avaliação do mesmo pode sofrer inúmeras variações. Tudo depende do grau de envolvimento de quem assiste. Para alguns, pura perda tempo. Para outros, uma verdadeira pérola do cinema alternativo. Em tempo: a tradução do título original, “The Savages”, expressa a ideia de que os protagonistas seriam como selvagens que precisariam ser domados.

Drama - 114 min - 2007 

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