NOTA 8,5 Com requinte visual, longa é uma leve viagem por certo período da vida do famoso artista francês, mas com algumas liberdades |
Jourdain é casado
e pai de duas filhas, assim o segredo deve ser mantido e Molière é recebido em
sua casa como um amigo religioso que vai passar alguns dias. Enquanto passa por
uma de suas maiores provações em termos de interpretação, bancar o amigo de
alguém pertencente a classe que ele tanto ridicularizava, o artista terá de
escapar de vários empecilhos que podem atrapalhar sua carreira, principalmente
a tentação de se envolver com Elmire (Laura Montante), a esposa infeliz de seu
empregador. Se ele está de olho em outra mulher, qual o problema em cortejar a
futura traída da corte? Muitos, principalmente porque tal situação passa a
mudar os rumos de toda a família de Jourdain. Tal acordo entre um nobre e um
plebeu acabou rendendo uma história de amor totalmente fora dos padrões da
época, mas o episódio foi muito importante para Molière que assim teve a
oportunidade para observar detalhadamente o cotidiano dos mais abastados e
futuramente retratar em suas obras de forma mais fidedigna a rotina vazia e
fútil dos aristocratas. Tal fato serviu de inspiração, por exemplo, para a
escrita de “Tartufo”, hoje um clássico teatral, mas na época de seu lançamento,
por volta de 1664, foi recebido com repulsa, considerado um verdadeiro
escândalo por apresentar um retrato sarcástico da hipocrisia existente na alta
sociedade, sobrando farpas para todos os lados. Mas voltando à obra de Tirard,
como já dito, nem tudo que é mostrado aqui foi realidade, mas algumas coisas
foram imaginadas pelos autores para justificar a longa e misteriosa ausência de
Molière da vida pública por volta dos 22 anos de idade como muitas de suas
biografias mencionam. Apesar do enredo simples o início pode dar um nó na cabeça
do espectador despreparado. Para uma comédia, é estranho ver o protagonista
sofrendo crises existencial e criativa, mas ele se cansou de escrever textos
farsescos e cômicos e estava disposto a explorar novos horizontes, mas encontra
resistência dos nobres que desejam divertimento fácil para ocupar o vasto tempo
de ócio que possuem. Frustrado, Molière se entrega a bebida, mas o efeito
acachapante passa rapidamente quando no dia seguinte recebe uma carta de uma
garotinha cuja mãe está a beira da morte e deseja receber sua visita. Quem ela
é? Para descobrir sua identidade, o que não é muito difícil pelo exposto aqui,
a trama recua 13 anos, justamente o período de amizade por interesse entre Molière
e Jourdain e o que desperta mais controversas entre historiadores. O filme não
se aprofunda nos problemas que o autor conquistou por conta de suas ousadias,
mas apresenta um texto bem estruturado que alterna drama e pitadas de humor,
levando a um encerramento original.
Há quem compare a
obra ao premiado Shakespeare Apaixonado pela
semelhança de em ambos os casos um recorte da vida do homenageado ser enfocado
e em cima dele serem criadas situações que de qualquer forma justificam suas
ações futuras. É como se fosse um filme cujo final você gosta, mas o caminho para
chegar até ele você pudesse reimaginar. É até espantoso como uma obra
cinematográfica consegue dialogar tão bem com o mundo teatral. Não é apenas por
ter algumas cenas com foco em um palco, mas os diálogos e interpretações como
um todo nos remetem ao clima de um espetáculo teatral com a diferença que aqui
temos o requinte cenográfico e da fotografia para emoldurar esta pequena obra
de arte do cinema francês. Muitos podem dizer que o valor desta produção está
apenas em seus aspectos visuais, mas isso é um erro. Quem gosta de um bom
cinema certamente repara na química existente entre Duris, Luchini e Morante, o
triângulo amoroso que quando completo em cena forma uma verdadeira briga de
gigantes. É difícil dizer quem se sai melhor. Molière, o responsável por
transformar a comédia em uma arte de valor, é apresentado com um homem
espirituoso, inteligente e ao mesmo tempo com um quê acentuado de conquistador,
afinal Tirard não tinha intenção de filmar uma aula de História sisuda, mas sim
divertir e instigar o público a conhecer por fora mais sobre o protagonista e o
período em que viveu. Todavia, tal posto de destaque de Duris é ameaçado pela
afetada e engraçadíssima interpretação de Luchini, a encarnação perfeita da
caricatura da burguesia, pessoas muito ricas em dinheiro, mas pobres em
cultura. Não é a toa que o ator ganhou o prêmio de coadjuvante no Festival
Internacional de Cinema de Moscou onde o filme também foi agraciado pelo voto
do público. Fechando o time de estrelas temos a bela Laura Morante que empresta
seu natural porte elegante para dar vida a uma nobre mal amada, mas que fica
indecisa entre o amor e a pobreza ou o luxo acompanhado do desprezo. Além do
jogo duplo de Molière, se fazendo de amigo de Jourdain e ao mesmo tempo
cortejando sua esposa, ainda há uma trama paralela envolvendo personagens mais
novos e casamentos arranjados que afetará diretamente no final do ricaço
iludido com a ideia de que dinheiro compra tudo, inclusive que pode convencer
como ator por conta de sua influência. As Aventuras de Molière foi indicado
a quatro prêmios César, o Oscar da França, e embora não tenha vencido nenhuma
das categorias conseguiu atrair mais de um milhão de franceses aos cinemas,
mas, infelizmente, nem tal publicidade extra ajudou na sua repercussão no Brasil
sendo lançado como um produto qualquer. Leve, envolvente e um colírio para os
olhos, a obra merece reconhecimento, ainda que tardio. Para quem conhece a
fundo a vida e obra do homenageado o longa pode ser apenas um passatempo
esquecível, mas para quem ainda é iniciante pode ser um programa delicioso e
rico em conteúdo.
Comédia - 120 min - 2007
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