NOTA 6,5 Confusão de gêneros incomoda um pouco, mas ideia principal é envolvente e Edward Norton cativa com personagem esquisitão |
Qual o limite da loucura da
mente humana? Bem, talvez nem mesmo a ciência tenha essa resposta, sendo o mais
provável que a insanidade é infinita. Longe dos estudos gigantescos e cheios de
palavras complicadas, o cinema sempre tenta dar uma mãozinha para esclarecer
tal assunto e são inúmeras as produções que procuram desvendar os mistérios que
cercam as mentes de pessoas com desvios de caráter, mas já diz o ditado que
cada cabeça é uma sentença, logo cada personagem é um tipo específico a ser
analisado. Vale Proibido centra suas
atenções no misterioso Harlan (Edward Norton) e seu repentino interesse por uma
família. O longa escrito e dirigido por David Jacobson começa nos apresentando
à Tobe Sommers (Evan Rachel Wood), uma adolescente rebelde e que gosta de se
divertir às custas dos outros, porém, talvez nunca tenha imaginado que uma de
suas traquinagens mudaria sua vida e de seus familiares para sempre. Certo dia
ela combina com uns amigos de ir à praia, mas antes param em um posto de
gasolina onde são atendidos por Harlan, figura que chama a atenção por seu
visual de caubói em uma região onde as fazendas já começavam a ser raridades.
Pelo perfil diferente, preferindo montar a cavalo a usar um carro, Tobe
acredita que escolheu a vítima perfeita para uma brincadeira, começa a
paquerá-lo e o convida para ir a praia, local onde ele nunca esteve, mas não
hesita em aceitar o convite mesmo perdendo o emprego por abandono. Enquanto os
amigos se divertem por levar um caipirão para passear, a adolescente parece
olhá-lo de outra forma, ele teria a ingenuidade e a doçura que faltava a ela, e
rapidamente eles começam a namorar. A relação vai se encaminhando bem,
inclusive porque o irmão mais novo da jovem, Lonnie (Rory Culkin), logo faz
amizade com o cunhado, este que usa seu estilo ingênuo, fala mansa e artimanhas
para conquistá-lo. Harlan seria o amigo que o garoto sempre quis ter, ou
melhor, o pai que desejava. Todavia, Wade (David Morse), o pai dos adolescentes,
não cai na lábia do rapaz desde a primeira vez que o viu. Profissional da área
policial, a certa altura ele afirma para o próprio caubói que ele lida
diariamente com pessoas como ele, tipos que são um zero a esquerda e que fariam
de tudo para conseguirem ser algo na vida ou suprirem suas necessidades. Viúvo,
mas praticamente ausente na criação dos filhos, Wade consegue deixar a rebeldia
da filha ainda mais latente proibindo o namoro, mas não esperava que até Lonnie
estaria contra ele nessa parada.
Com cenas otimistas e alto
astral, como o nascimento do amor entre Harlan e Tobe durante um mergulho no
mar ou quando o rapaz pára o trânsito insistindo para as pessoas saírem de seus
carros e caminharem pelas ruas para respirar ar de verdade, os primeiros
minutos do filme nos passam a ideia de que uma açucarada história de amor irá
se desenvolver, o bom e velho clichê do
casal que tem seu amor ameaçado, mas as implicâncias de Wade tem fundamento e
conforme elas vão se confirmando a narrativa toma um outro rumo. O doce romance
dá lugar a uma paixão agridoce. Além de algumas vezes nos questionarmos se Tobe
realmente está apaixonada ou é apenas mais uma forma que encontrou para
afrontar o pai, Harlan vai dando sinais de perturbação ou desvio de caráter,
como brincar de bandido e mocinho sozinho no quarto de pensão em que vive e
arrumar uma confusão por conta de um cavalo que pegou emprestado quando na
realidade ele forjou tal desculpa para tentar roubá-lo. São pequenos detalhes
que não escapam aos olhos atentos de Wade, mas ficam invisíveis aos olhares
deslumbrados de Tobe e Lonnie, aliás, o rapaz consegue até persuadir o garoto a
acreditar nas intrigas que inventa sobre seu pai fazendo sua cabeça para
fugirem juntos e depois buscarem sua irmã. Fica evidente que os problemas de
Harlan são psicológicos e emocionais, mas assim como os irmãos Sommers
dificilmente o enxergamos como um vilão, muito graças ao talento e cara de bom
moço de Norton, embora já estivesse um pouco passado para viver um homem na
casa dos vinte e poucos anos. Detalhes à parte, mesmo quando a trama se
encaminha para uma conclusão em clima de suspense, não conseguimos ver o personagem
como alguém ruim. Simplesmente ele é um sujeito desajustado, abandonado a própria
sorte desde muito cedo e que chegou a um ponto que não distingue mais o que é
real ou fantasia. Ele até escreve cartas destinadas a um personagem que jamais
aparece falando a respeito da vida feliz que está levando. A partir do momento
em que conquistou a confiança e a amizade da namorada e de seu irmão é como se
eles fossem propriedades dele e finalmente ele teria uma família. A
justificativa psicológica é válida, mas como explicar sua capacidade em bolar
mentiras tão convincentes? Pode parecer difícil compreender que uma mente
perturbada possa fazer coisas assim, mas na realidade situações do tipo são
muito comuns. Só não espere análises aprofundadas sobre o caso nesse filme.
O argumento do longa realmente
é bem interessante, o desenvolvimento do conflito também totalmente crível, mas
a certos detalhes que não deixam de incomodar na fita. A primeira coisa é a
indefinição de gênero. Começa como um romance, depois o drama toma as rédeas da
narrativa, a problemática então ganha rumos de suspense e por fim desembocamos
em uma conclusão com um quê de faroeste acrescida de uma brincadeira de
metalinguagem com os personagens invadindo as filmagens de um filme de época. A
ambientação também pode causar estranheza. Estamos tão acostumados a ligar os
EUA a imagens de lugares que são verdadeiras selvas de concreto que é difícil
acreditar que ainda existam área campestres, mesmo que isoladamente. O clima
bucólico ajuda a envolver o espectador que inicialmente poderia se sentir vendo
um filme dos anos 50 ou 60. Até os carros e o posto de gasolina que aparece no
início denunciam que a cidade onde a trama se passa simplesmente parou no
tempo. Qual lugar é esse? Los Angeles. Sim, mais precisamente o Vale de San
Fernando, área em que se concentram a maior parte dos bairros periféricos da
chamada cidade proibida, o que justifica o trocadilho do título. Mesmo com a
paisagem atípica ou os passeios por diversos gêneros, o que faz Vale
Proibido ser um projeto relevante é a proposta e a construção dos
personagens, itens que se relacionam intimamente. Harlan aparentemente a anos
sofre com problemas mentais relativamente leves, de nascença ou devido a
traumas do passado, não importa. Sem tratamento adequado e prejudicado pela
obsessão, seu quadro foi se agravando até chegar ao limite. Tobe e Lonnie
sentem ressentimento por conta do pai não ser aberto ao diálogo e cada um
responde de uma maneira diferente ao tratamento ora relapso ora possessivo dele.
A garota tenta peitar as ordens do pai para ser notada, uma rebeldia que no
fundo o agrada, mas o menino prefere causar o mínimo de transtorno para não ser
um estorvo, comportamento introspectivo que muda completamente quando ele passa
a conviver com o cunhado que lhe mostra timidamente o mundo que existe fora de
sua casa e por tabela vem a preencher a lacuna de atenção e carinho que Wade
deveria ter com ele. Por sua vez, o policial só sabe usar a força e acredita
que berrando, batendo ou quebrando coisas está educando os filhos, mas não sabe
explicar civilizadamente o porquê de não gostar de Harlan até que o rapaz dê
uma escorregadela que ele possa apontar como um desvio de caráter explícito,
como na citada confusão do cavalo que só a sua cara fechada já dizia tudo o que
ele estava sentindo e pensando. Todos os personagens no fundo têm seus
defeitos, mas no balanço geral é Wade quem sai ganhando por ter sido a voz da
razão e seus filhos, como qualquer adolescente típico, teimam em não aceitar os
conselhos. Por outro lado, errar faz parte do crescimento do ser humano e as
frustrações na juventude podem ajudar a formar adultos melhores. São questões
pertinentes e polêmicas que o longa levanta. Pena que o visual a la John Wayne
de Norton na publicidade, embora justificado, acabe vendendo gato por lebre e
muitos desistam de acompanhar este trabalho ao perceberem que o romance vai aos
poucos se esvaindo e a alusão ao gênero faroeste seja uma mera ilusão.
Drama - 112 min - 2005
Tenho pena de ver Edward Norton, alguém que começou tão espetacular, em produções nota 6......UM PECADO DE TALENTO DESPERDIÇADO.
ResponderExcluirABS