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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

UM MESTRE EM MINHA VIDA

NOTA 3,5

Texto teatral a respeito das
relações inter-raciais tem boas
intenções, mas torna-se estranho
em sua versão cinematográfica
Nas regiões africanas são muito comuns os conflitos e os preconceitos gerados pelas disputas entre negros e brancos, problemas que já estão enraizados na cultura local infelizmente. O regime do Apartheid é um dos casos mais notáveis e conhecidos de descriminação racial de toda a História mundial, política que apostava em relações inter-raciais que de certa forma colocavam os brancos em um patamar acima dos negros, aquela velha ideia de que o branco foi feito para mandar e os negros para obedecer. É justamente nessa discussão que está centrada a narrativa de Um Mestre em Minha Vida, drama passado na África do Sul na década de 1950 com direção de Lonny Price que optou por centrar as ações boa parte do tempo em um único cenário e praticamente com dois atores de idades antagônicas em cena travando diálogos fortes carregados de explosões emotivas e mensagens. Harold Ballard (Freddie Highmore), ou simplesmente Hally, é um adolescente branco pertencente a classe média alta que cresceu na companhia de Sam (Ving Rhames) e Willie (Patrick Mofokeng), dois homens mais velhos e negros que trabalham como garçons na casa de chá de seus pais. Tal interação poderia indicar uma tolerância maior entre as raças, mas na realidade os empregados viviam em um sistema de segregação racial no qual as pessoas de pele escura até poderiam ter boa parte dos direitos dos caucasianos, como trabalhos dignos remunerados e com carga horária estipulada, mas para tanto deveriam residir isolados em um mundo particular. Os negros eram obrigados a construir suas casas em lugares afastados dos centros das cidades e necessitavam até de documentos especiais para poderem atravessar uma espécie de fronteira para poderem ir trabalhar. Apesar das dificuldades, os garçons até que lidam bem com a situação procurando serem trabalhadores exemplares e levando a vida com otimismo e bom humor, transmitindo mensagens positivas a seus semelhantes e ensaiando seus passos de dança, a atividade que renova a energia da dupla. Contagiado pelo modo sadio como os empregados levam e veem a vida, Hally acabou se acostumando a chegar da escola e ir direto para a casa de chá para poder compartilhar seus problemas, ouvir os conselhos dos amigos e se divertir com suas histórias de vida, uma maneira que ele encontrou para superar os problemas do dia-a-dia.

Hally não gostava muito da escola, principalmente porque seu relacionamento com os colegas de sala não era dos melhores, e aparentemente o garoto tinha receio que seu pai voltasse para casa, um idoso adepto de piadas preconceituosas que não enxergava que ele próprio estava em condições de se tornar vítima de chacotas. Além de já ser alejado de uma perna, mais uma vez ele se encontrava internado no hospital por conta de uma queda. Pois é justamente um telefonema da mãe avisando que voltará para casa na companhia do marido que serve como estopim para Hally mudar bruscamente seu comportamento com Sam e Willie. O preconceito que estava adormecido no adolescente volta a tona de maneira explosiva e ele não poupa seus amigos de ofensas e julgamentos, reminiscências do tempo de convivência com seu pai. Curiosamente, quando o filme atingiria seu clímax o desinteresse deve tomar conta do espectador. A relação afetuosa construída até então entre estas pessoas de universos e idades tão diferentes, mas ainda assim encontrando pontos semelhantes para estabelecerem uma amizade, estava sendo apresentada de modo satisfatório, mas repentinamente a melancolia se transforma em inflamados duelos verbais, principalmente entre Hally e Sam. Os diálogos deste ponto em diante ganham contornos de discussões, como se fosse um chefe branco tentando descontar sua raiva e problemas em cima do empregado negro, mas na melhor das hipóteses os discursos também podem ser interpretados como uma conversa enriquecedora entre um homem mais velho e com conhecimento de vida e um garoto mimado que ainda tem muito a aprender. Enquanto Sam mostra-se paciente com o filho dos patrões tentando manter uma conversa civilizada, procurando não transparecer sua tristeza ao ouvir tantos desaforos de uma vez só, por outro lado Hally tenta extravasar todas as suas frustrações demonstrando autoritarismo e descontando seus sentimentos no garçom usando a desculpa que os ensinamentos preconceituosos de seu pai têm sim validade, mas ele próprio se enrosca para apresentar justificativas. No fundo ele despeja sua amargura em cima do amigo por ter a compreensão de que ele não revidaria e tampouco guardaria mágoas. É fato que geralmente descontamos nossas frustrações em cima de pessoas de nosso convívio íntimo, algo como o filho que briga com a mãe por conta de problemas na escola por saber que o amor incondicional dela colocaria panos quentes na situação, porém, esquecemos que de qualquer forma na hora das discussões é que as verdades são ditas e geralmente fazem grandes feridas.

Imagine o quanto deve ser difícil para alguém que já sofreu tanto com preconceito escutar ofensas de uma pessoa que se estima. Ouvir calado ou rebater com a mesma moeda? Muitos optariam pela segunda opção, mas um negro fazer isso em uma época apegada a tantas restrições em meio a uma sociedade hipócrita era uma ousadia e tanto. Estamos tão acostumados a revidar no mínimo com agressões verbais que soa estranho a maneira serena com que Sam tenta levar a situação, mas a briga mostra justamente onde termina a linha que separa a amizade entre raças ou, em outras palavras, o envolvimento entre quem manda e quem obedece. Baseado na peça teatral “Master Harold and the Boys”, de Athol Fugard, o roteiro de Nicky Rebelo mantém o espírito de espetáculo intimista ao centrar boa parte da narrativa dentro do salão da casa de chá, um clima de certa claustrofobia intensificado pela tórrida chuva que cai do lado de fora. O problema é que embora os diálogos sejam bem construídos e com conteúdo edificante é um pouco difícil embarcar no ritmo do último ato. A mudança repentina no comportamento do adolescente impacta negativamente o espectador que vinha se envolvendo com a bela amizade construída com Sam. É previsível que as raízes de sua instabilidade emocional estão ligadas à sua relação com os pais, principalmente pelo fato dele próprio ter que cuidar do pai deficiente físico e alcoólatra enquanto a mãe trabalha, mas fica um pouco forçado acompanharmos a sua “lavagem de alma” soltando o verbo sobre uma pessoa que só quer o seu bem. Outro problema é que Willie acaba ficando um personagem reduzido a nada nesse fogo cruzado de palavras, uma espécie de jogral inflamado, podendo sua participação ser resumida a algumas poucas cenas em que ele fala sobre os ensaios para um baile e os problemas que enfrenta com sua parceira. O resultado final deixa um sabor amargo de insatisfação, de que um bom tema foi desperdiçado. O único saldo positivo de Um Mestre em Minha Vida está nas sequências em que Hally empina pipa com Sam, cenas que mais tarde ajudarão a dar uma lição no garoto, tornando-se obviamente a mensagem de moral de um filme que prova que nem sempre a intelectualidade teatral consegue ser adaptada adequadamente para uma obra cinematográfica. Faltou infusão nesta mistura de estilos.

Drama - 87 min - 2010 

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