Nota 5 Adaptação de obra literária peca pelo tom teatral exagerado e personagens mal delineados
O lobisomem é um dos monstros mais populares do cinema americano e já apareceu em diversos filmes, até em comédias e romances, contudo, o mito na realidade teria surgido em terras européias e espalhou-se pelo mundo graças a literatura e posteriormente por outras manifestações culturais. No Brasil, tal figura ganhou status de lenda do folclore nacional, até hoje amedronta cidades interioranas e já foi transformada em personagem de telenovelas, então qual o problema dela também deixar sua marca no cinema nacional? Infelizmente, O Coronel e o Lobisomem não conseguiu nem deixar o mínimo sinal das garras do bichano na História da nossa produção cinematográfica. Quer dizer, isso se olharmos pela ótica comercial, mas em termos artísticos o longa timidamente representa um divisor de águas. Cercado por um clima interiorano e de comédia farsesca, a obra agradou razoavelmente os críticos que foram generosos com suas avaliações levando em consideração o salto qualitativo que a produção significou para nosso mercado ainda tão tímido e preso a padrões. Não é spoiler algum dizer que a lenda do lobisomem revela-se verdadeira no filme, afinal de contas o marketing criado em torno da obra se sustentou justamente pela criação do monstro digital que aparece com direito a uma transformação razoavelmente detalhada, mas não espere longas sequências.
A trama é centrada em Ponciano de Azevedo Furtado (Diogo Vilela), coronel e fazendeiro que está no tribunal brigando por conta da herança do avô Simião (Othon Bastos) contra seu irmão de criação, Pernambuco Nogueira (Selton Mello), filho da empregada da família e que cresceu em meio a um ambiente de riquezas, mas jamais participou ativamente dele. O duelo diante do júri aponta para uma questão que visa a segurança de todos na região, mas na realidade existem interesses muito pessoais por parte do coronel nesta rixa. A Fazenda Sobradinho foi a leilão porque o folgado Ponciano está falido e a hipoteca acabou sendo liquidada justamente por seu irmão torto, mas o coronel afirma que o rapaz é um lobisomem e não pode ficar com a propriedade para o bem de todos. Ele quer convencer o público presente na sessão de que seu meio-irmão é uma assombração, portanto seu acordo para a compra não teria validade nas leis dos homens. O acusado já havia sido expulso da fazenda anos atrás quando misteriosos acontecimentos indicavam que uma estranha criatura estaria colocando as criações de animais em risco e não tardaria a atacar os humanos. Ter conseguido a compra das terras onde foi criado e posteriormente escorraçado é tomado por Ponciano como um plano de vingança, ainda mais porque os dois também são inimigos no campo amoroso e há tempos disputam o amor da interesseira prima Esmeraldina (Ana Paula Arósio).
Ponciano é medroso, mentiroso, vaidoso, mas ao mesmo tempo cativante, persuasivo e profundamente humano, afinal ele tem seus defeitos e qualidades assim como qualquer humano. Apesar de rústico, sabe como ninguém usar o poder da palavra para impressionar e conseguir o que quer, mas nem sempre o poder da lábia se faz valer. Quando um não quer dois não brigam e aí está um grande problema do longa. Parece que o coronel está brigando sozinho e nem mesmo a situação de um triângulo amoroso acirra o conflito, muito por causa da fraca mocinha que não tem seu caráter de vigarista explorado e até por conta da própria Arósio que não se mostra a vontade no papel e tampouco compartilha intimidade com o gênero comédia. Já Mello, que na época ocupava um patamar de destaque no universo cinematográfico brasileiro, para frustração do público aqui surge quase como um figurante de luxo passando boa parte do tempo acanhado em uma cadeira ouvindo acusações que podem ou não ser verdadeiras. Todavia, nas cenas de flashback seu personagem cresce. Percebemos aos poucos a mudança de postura de Pernambuco deixando de lado a imagem de coitadinho por ser o filho da empregada e assumindo um porte mais elegante e formal paralelo ao seu enriquecimento financeiro que culminou no problema que o levou a condição de réu no tribunal, mas ainda assim seu personagem não tem um perfil bem trabalhado. Seria ele um vilão inescrupuloso e o mito do lobisomem utilizado apenas para ressaltar seu caráter duvidoso ou é um inocente vítima da ganância do irmão que não mede esforços para difamá-lo?
Curiosamente, no elenco quem se destaca são dois atores que apesar de anos de profissão e mais lembrados por papéis coadjuvantes em novelas, talvez nunca tiveram a honra de ouvir de alguém que eles são atores de primeiro time. Pedro Paulo Rangel dá vida à Juquinha, o fiel companheiro de Ponciano que está sempre pronto para aconselhar, embora não raramente suas ideias sejam ineficientes. Já Tonico Pereira vive Nonô Padilha, um bancário que também tenta ajudar o coronel em relação aos assuntos que dizem respeito ao seu patrimônio financeiro. Com conhecida veia cômica, ambos aparecem super a vontade em cena e bem longe dos macetes da interpretação teatral marcada pelo exagero dos demais atores que aparecem apenas em pequenas pontas, diga-se de passagem, algumas desnecessárias. Temos a participação de Marco Ricca, Lucio Mauro Filho, Francisco Milani e Andréa Beltrão. Tantos personagens são justificados pelo fato de Ponciano estar contando no tribunal sua história de vida e suas passagens mais marcantes, mas novamente o problema é a falta de aprofundamentos na criação destas pessoas. Simplesmente são jogadas no enredo para dar mais movimentação, mas acabam alcançando efeito contrário fadigando o espectador. Embora procure o tom farsesco, o humor através do exagero proposital, a obra não arranca uma única gargalhada do espectador, mas de qualquer forma é um trabalho que o deixa constantemente com um sorriso singelo no rosto, talvez pela expectativa de no final ver o que a tecnologia nacional teria a oferecer ou até mesmo por se sentir de alguma forma transportado para aquele universo tão provinciano em que todos gostariam de se refugiar nos momentos de estresse.
Baseado no livro homônimo de José Cândido de Carvalho, datado de meados dos anos 1960, a trama foi roteirizada por Jorge Furtado, João Falcão e Guel Arraes, este último íntimo do universo dos contos populares interioranos visto o sucesso de O Auto da Compadecida e Lisbela e o Prisioneiro. O trio de autores já havia adaptado a obra para um especial televisivo em 1994, mas certamente perceberam que o livro tinha muito mais a oferecer do que caberia em cerca de uma hora de arte, porém, não conseguiram colocar em cena todo esse potencial e erraram em um ponto fundamental: a construção de personagens. Com direção de Maurício Farias, experiente diretor de TV então estreante em cinema, é uma pena que o longa por vezes dê a impressão que é justamente um programa televisivo esticado ou uma peça teatral filmada devido aos seus diálogos rebuscados e tom de voz exagerado dos personagens que não raramente parecem declamar poemas evocando demasiadamente o estilo narrativo literário. As características cinematográficas foram anuladas no texto, mas acentuadas em termos visuais visto que o diretor priorizou a exploração dos cenários e locações sem o rimo frenético tão comuns as obras de Arraes que o deixou livre para trabalhar como bem desejasse. A proposta jamais foi fazer um filme que dependesse dos efeitos especiais, mas sim fazer uma brincadeira com uma lenda tão popular em regiões afastadas ou onde o progresso encontra dificuldades para criar raízes. O problema é que O Coronel e o Lobisomem não consegue fisgar totalmente o espectador que espera degustar um prato conhecido e acaba sendo apresentado a uma iguaria extremamente regional.
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