NOTA 6,5 Continuação de animação de sucesso é agradável apesar de alguns problemas, mas espera-se mais de um produto Pixar |
A Pixar tem o poder do toque de
Midas. Tudo que coloca a mão vira ouro afinal já virou sinônimo de qualidade e
criatividade, assim seu público e lucros altos estarão sempre garantidos a cada
novo lançamento. Bem, rendimentos consideráveis certamente ela consegue tanto
nos cinemas quanto com a venda de DVDs e outras mídias, além é claro do
faturamento oriundo de produtos licenciados para explorarem seus personagens,
mas é bom não descuidar para não sofrer uma colisão com as críticas. Demorou
bastante, mas a produtora não escapou de viver seu inferno astral. Após mais de
dez filmes bem sucedidos junto ao público e colhendo elogios e prêmios, foi
justamente com um produto que teoricamente já teria vencido todos os desafios
possíveis ainda com o trabalho em pré-produção que a empresa derrapou. Com Carros
2, continuação do
sucesso de 2006, pela primeira vez o estúdio levou uns puxões de orelha
por parte da crítica especializada e até mesmo do próprio público. Claro que é
impossível nunca haver um escorregão na vida de uma produtora e a vez do
aclamado estúdio de animação computadorizada chegou. Na época a Disney e a
Pixar se uniram de forma definitiva tanto para distribuição quanto para a
produção de animações, portanto, esperava-se mais desta continuação do grande
sucesso que conquistou crianças e adultos. Obviamente não é um filme péssimo,
longe disso, mas em comparação aos outros títulos da companhia, inclusive o
próprio original deste, deixa muito a desejar. Essa é a opinião que
praticamente domina os comentários de sites, blogs, jornais e revistas, mas
estes textos com enfoques comparativos acabaram prejudicando uma obra que não
merecia tanto achincalhe. O problema principal é que o roteiro não parece tão
atrativo e de fácil assimilação quanto o da primeira aventura de Relâmpago Mc
Queen e seu amigo atrapalhado Mate. A história criada pelos diretores John
Lesseter e Brad Lewis em parceria com o roteirista Dan Fogelman e finalizada por Ben Queen procurou seguir
a tendência do mercado de animações e atingir dois públicos distintos ao mesmo
tempo, crianças e adultos, mas o resultado final pode não ser plenamente
satisfatória a ambas as faixas de público. O roteiro envereda pelo caminho das
referências cinematográficas em exagero misturando elementos de filmes sobre
espionagem, como das franquias dos agentes Bourne e 007, por exemplo. Além
disso, tenta passar o clima acirrado que está por trás dos bastidores das
corridas automobilísticas com direito a barracos televisivos e investe em uma
trama sobre a guerra existente entre os combustíveis fósseis e os alternativos.
Em meio a esses ganchos estranhos ao universo infantil, ironicamente, a trama adota
uma postura debochada, forçando a barra com piadas que nem sempre funcionam,
principalmente quando são calcadas em referências de planos de espionagem ou
calcadas no universo automobilístico, sempre tendo o sotaque caipira de Mate
para fazer as vezes do cara sem noção, mas metido a esperto, para quebrar o
clima sisudo. Para compensar o enredo estranho, que também volta a tocar de
forma tímida no assunto do progresso suplantando o antigo, o humor volta a se
fazer presente na transposição de situações do cotidiano dos humanos para o
universo automobilístico e, obviamente, no design dos veículos estilizados
reproduzindo expressões faciais que ajudam a definir os perfis dos personagens.
O início da animação é bastante
tenso e nem parece que estamos acompanhando a continuação da franquia, pois há
uma mudança radical de estilo. Uma cena em alto mar, um clima de mistério no ar
e uma ótima montagem acompanhada de movimentos de câmera que convidam o
espectador a se sentir fazendo parte daquela situação. Com a aprovação quase
unânime do original por parte das platéias adultas, pela introdução fica claro
que Lasseter queria fisgar mais uma vez esse público oferecendo realmente uma diversão
de primeira e explorando novos caminhos. O vídeo de má qualidade que abre a
produção é perfeito até em criar falhas propositais, criando assim um prólogo
atípico, mas logo a já conhecida Radiator Springs entra em cena, diga-se de
passagem, por pouco tempo, mas já não tem o ar convidativo e de novidade de
outrora, tanto que logo a ação é desviada para uma grande metrópole, ou melhor,
várias. Mas vamos por partes. Quatro anos se passaram desde a primeira visita
do ídolo das pistas McQueen à pequena cidadezinha e agora o local voltou a
fazer parte do mapa graças ao ilustre e imbatível campeão de quatro Copas
Pistão. Todavia, o carrinho esperto e confiante não é o protagonista desta vez.
No primeiro filme ele era o herói redimido, mas aqui as atenções são voltadas
para Mate, o atrapalhado carro-guincho que se tornou seu amigo fiel. Muita
gente criticou tal escolha achando absurda a opção do carro campeão servir de
escada para um coadjuvante brilhar, mas é certo que o enferrujado e inocente
veículo roubou as atenções em sua primeira aparição. Bem, realmente uma vez que
McQueen aprendeu algumas importantes lições de vida, embora ainda mantenha
resquícios de arrogância em seu comportamento, não faria muito sentido ele ser
novamente o protagonista. Por outro lado, o simpático Mate é dotado de uma
personalidade cativante e de fácil identificação, mas a ideia
surpreendentemente andou de marcha ré. Ao que tudo indica o público não se
sentiu envolvido pelas batidas mensagens de quem ri por último ri melhor e de que
seja você mesmo e alcançará o sucesso. McQueen aceita o conselho de Sally, sua
grande paixão, e aceita levar Mate junto com ele para uma excursão na qual ele
disputará o Grand Prix Mundial patrocinado por Miles Eixoderroda, um magnata
dos combustíveis alternativos, mas no fundo sabia que o amigo o atrapalharia.
Escalado para colaborar na equipe do atual supercampeão das pistas, o
carro-guincho acaba se metendo sem querer em uma rede de intrigas quando é
confundido com um espião americano. Aceito no clã dos espiões, Mate demora a
compreender que todos por lá pensam que ele usa a personalidade de bobalhão
para não deixar pistas. Sentindo-se magoado, a esperança de reconquistar sua autoconfiança
bate em seu pára-brisa quando ele descobre o plano de uma espécie de mentor dos
automóveis rejeitados, aqueles modelos fora de linha e envelhecidos. O grupo
deseja causar um atentado na última corrida do Grand Prix para acabar de uma
vez por todas com as chances do Allinol, um combustível experimental, entrar no
mercado. Finalmente Mate tem a chance de sentir que fez algo de bom em sua
existência atrapalhando os planos da gangue. Apesar dessa banca de herói, os
excessos do personagem infantilizam a produção, até porque o roteiro o
presenteia com muitas situações embaraçosas.
Procurando ironizar o subgênero
dos suspenses de espionagem, contando inclusive com novos personagens como os
investigadores Finn McMíssil e Holly Caixadibrita, Lesseter deixa a imaginação
rolar solta bolando diversos disfarces e dispondo de dispositivos tecnológicos
para que o carro-matuto de sotaque carregado possa brincar a vontade de
detetive e ladrão, mas sua principal arma continua sendo sua boca que não pára
de disparar piadas e frases irônicas naturalmente, ainda que nesta segunda
aventura algumas tentativas de fazer humor soam frustradas como a cena em que
Mate invade uma entrevista do amigo disparando que vazou óleo, o equivalente ao
fazer xixi nas calças do ser humano. Por outro lado, temos sacadas divertidas
como o vaso sanitário eletrônico com instruções em vídeo, mimo encontrado em
Tóquio, local da primeira fase da competição automobilística. Aliás, um ponto a
favor da produção são as escolhas dos exuberantes cenários. A corrida dos
campeões acontece em diversos países e antes da competição é apresentado um
vídeo representando uma volta ao mundo valorizando a cultura dos locais em que
os carros passarão. As cenas que exibem as paisagens históricas e famosas são
muito bonitas e ricas em detalhes, o que dá um toque todo especial à obra. Em
termos de visual a Pixar não decepcionou para variar, o que levou a algumas
reflexões de que se antes as técnicas de animação eram usadas pelo estúdio como
um complemento a ideias originais e com mensagens relativamente complexas,
neste caso houve uma inversão, o que reforça os objetivos comerciais da
produção visto o grande potencial do material original. Mais uma vez a
adaptação de situações corriqueiras para um mundo habitado por automóveis
provoca boas risadas, mas existe um excesso de clichês de vários filmes de
espionagem desfilando pela tela, sempre acompanhados de um bom toque de humor,
já que Mate parece estar sempre no lugar e na hora errados. Enquanto isso,
McQueen está viajando disputando corridas contra Francesco Bernoulli, um
adversário italiano que tem uma língua bastante afiada, e nem desconfia que não
tardará para se tornar alvo da quadrilha dos “tranqueiras”, visto que ele
aceitou fazer a última corrida usando o tal do Allinol para provar sua eficácia,
uma alternativa que poderia colocar fim na produção de combustíveis a base de
petróleo e o sepultamento definitivos dos carros antigos. As duas tramas
paralelas protagonizadas pelos então “ex-bons amigos” McQueen e Marte são
impregnadas de muita adrenalina e cores e sons vibrantes, o que pode interessar
as crianças, mas, como já dito, há muita coisa que pode ser de difícil
assimilação dos pequenos, como nomes e situações ligados ao mundo do
automobilismo e uma insinuação de bullying. Também deve causar impacto ver, por
exemplo, um carro explodindo, algo raro em produções infantis, já que tal ato
remete a idéia de morte e violência. É bom deixar claro que a história não é
ruim e as situações e piadas já manjadas devem encontrar seus apreciadores, mas
por ser uma produção Pixar isso incomoda. Se fosse de outra produtora não
existiria talvez essa decepção e seria totalmente aceitável. A capacidade
criativa da empresa, no entanto, é bem superior e pesa nas considerações finais
de seus produtos. Era costume da Disney lançar as continuações de seus trabalhos
diretamente para consumo doméstico e se fosse assim Carros 2 poderia
estar a salvo das críticas, mas a ambição falou mais alto entre os executivos
dos estúdios. Fazendo uns trocadilhos, este projeto era muito aguardado e o
estúdio derrapou na pista. A Pixar soltou o freio de mão, cometeu algumas
infrações, mas passou longe de ter sua habilitação invalidada. Colecionou
muitas multas e pontos negativos na carteira certamente, por parte da crítica e
público, mas os erros serviram para o aprendizado. O tempo passou e o filme não
arruinou a imagem da empresa, todavia, fatalmente será considerado um título
menor do catálogo da empresa praticamente esquecido entre preciosidades
como Toy Story, Monstros S/A, Procurando Nemo... Pensando
bem, na linha de chegada entre os filmes da companhia, a segunda aventura de
McQueen e Mate deve ficar bem longe das primeiras colocações. O último lugar,
infelizmente, é uma realidade nesse ranking.
Animação - 106 min - 2011
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