NOTA 6,0 Drama procura desmistificar a imagem dos pigmeus como selvagens, mas acaba reforçando ideias preconceituosas e arcaicas |
Conforme sua amizade com os pigmeus se solidifica, Dodd, talvez o único
a enxergá-los como seres humanos, então se vê como alvo de deboche da
comunidade científica e da população em geral, sendo submetido a consecutivas
humilhações assim como suas cobaias, ou melhor, agora seus protegidos. Toko e
Likola chegam a ser expostos como animais exóticos em um zoológico, o que
revolta o jovem médico que decide fazer tudo o que for possível para provar que
os pigmeus podem viver em sociedade. Em uma sequência emblemática do longa Dodd
arma um encontro com nobres e membros da comunidade científica para apresentar
seus objetos de estudos como pessoas de verdade. Vestidos com trajes de gala,
os pigmeus são vistos pelos burgueses com cortesia, mas fica latente que estes
negros de estatura baixa são observados na realidade de forma preconceituosa ou
com espanto. O clima tenso estoura mais a frente. Na reta final é praticamente
a sociedade contra o médico e seus dois protegidos, um duelo um tanto
desonesto. Bem, a premissa é interessante, o problema é a forma como a trama é
conduzida. Ainda que alguns mal humorados de plantão achincalhem o longa do
início ao fim, é preciso dizer que até pouco mais da metade Wargnier realiza um
trabalho digno, mas se atrapalha na conclusão ao apostar em um retrocesso da
bandeira que levantava até então. A intenção da obra era mostrar o processo de
desmistificação da imagem dos pigmeus como animais e a aceitação dos mesmos
como humanos, porém, a mensagem que prevalece é que o preconceito venceu e
todos os esforços do protagonista foram em vão. Para reforçar tal visão,
chega-se ao ponto de Toko mostrar seu instinto de fúria atacando um humano como
se fosse uma fera tentando se defender ou aos seus semelhantes, assim
imediatamente descendo do posto de excentricidade para ameaça diante dos olhos
da “civilização de bem” (entenda-se os britânicos). Pesa ainda mais contra este
trabalho o fato do cineasta ter em seu currículo outras obras cujos personagens
fictícios vivenciam situações em meio a fatos históricos com maior ousadia,
como o já citado Indochina e o pouco
conhecido Leste-Oeste – O Amor no Exílio.
Assim sua visão sobre os estudos sobre a evolução das espécies tende a
parecer didática demais. Exibido na abertura do Festival de Berlim de 2005, o
longa não causou o impacto esperado, pelo contrário, as reações negativas
dominaram a platéia e acabaram contagiando todo o mercado cinematográfico e a
mídia que receberam a obra de forma fria, destacando apenas o fato de que as
cenas que se passam na floresta foram feitas em áreas ainda preservadas na
África do Sul o que explica a exuberância e o frescor visual de tais sequências
contrapondo-se a claustrofobia do ambiente urbano criado em estúdio.
Ainda que Wargnier construa uma obra de ritmo irregular, é inegável que
ele procurou ser fiel a realidade e nas reconstituições. Exibir os pigmeus como
animais em zoológico pode parecer proposital para atingir o emocional do
espectador, mas tal humilhação é baseada em relatos reais, algo muito comum na
Europa do século 19. Na época também se acreditava que o berço da humanidade
encontrava-se em território africano e havia a crença de que lá estaria
escondida uma espécie que preencheria a lacuna entre a transformação dos símios
em homo sapiens, ou seja, um intermediário que poderia muito bem fisicamente
ter características humanas, mas inteligência e instinto semelhante a de
animais, até porque os africanos naturalmente eram vistos como seres
inferiores. O drama pode ser de séculos atrás, mas ainda se faz presente em
nossa cultura atual, mesmo porque o mundo avança, porém, a visão de que um
ariano é superior a um negro, por exemplo, continua sendo cultivada por
ignorantes que podem ser uma minoria, mas as vezes parecem formar um grupo numeroso
infelizmente. Seriam pessoas do tipo que fizeram a cabeça do cineasta para
impor o preconceito à trama ou o próprio cineasta não estaria em um bom momento
e não soube trabalhar o material que tinha em mãos? Melhor acreditar na segunda
opção. Se havia receio em ousar, ao menos o diretor poderia ter explorado a
cultura dos pigmeus que acabaram quase que fazendo figuração boa parte do
filme, realmente sendo expostos como algo de outro mundo em momentos
estratégicos. Uma das poucas e marcantes menções as crenças deste povo é quando
Likola se assusta ao ver seu rosto em um molde de gesso, para ela um sinal de
que sua alma fora roubada e a morte uma certeza imediata. Ainda que
apresentados sob óticas preconceituosas prevalecendo a ideia de que os pigmeus
jamais deveriam se misturar a civilização caucasiana, seus intérpretes acabam
surpreendendo e diminuindo o brilho das estrelas da fita. Fiennes é o típico
mocinho de época, com seus ideais a serem defendidos, porém, sem a coragem
necessária para tanto e nem mesmo um objetivo romântico para dar sustento ao
personagem. Já sua parceira Kristin desempenha seu papel corretamente, uma
especialista em animais selvagens que alerta o rapaz sobre os perigos de levar
os capturados à Edimburgo, mas tão impotente quanto ele para defendê-los,
ficando assim em cima do muro em relação aos experimentos. No geral O Elo
Perdido infelizmente é um produto cuja embalagem impacta mais que o
conteúdo, mas merece uma conferida e porque não uma recriação do final na mente
do espectador que ficar insatisfeito, afinal não duvide que exista quem
concorde com a conclusão, ainda mais se levarmos em consideração os padrões da
época. Embora possa ser frustrante dramaturgicamente falando, será que Wargnier
no fundo não foi realista com o destino de Dodd, Toko e Likola? Opção para quem
curte refletir.
Drama - 117 min - 2005
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