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sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

A PROMETIDA

NOTA 7,0

Longa apresenta uma imagem
de Frankenstein diferente,
apostando em drama e romance,
hoje acrescidos de nostalgia
A década de 1980 deixou muitas saudades para os cinéfilos, mas é curioso como algumas produções do período atualmente são desconhecidas talvez por não fazerem a linha sessão da tarde, porém, vistas hoje em dia elas podem despertar sentimentos diferenciados em relação a época de seu lançamento. Naquele tempo em que os efeitos especiais passaram a ser mais explorados e os gêneros de terror e suspense viram seu público aumentar consideravelmente graças aos surgimentos das fitas VHS e das locadoras, a ideia de trazer o clássico monstro Frankenstein de volta as telas certamente fazia muita gente sentir calafrios, mas o cineasta britânico Frank Roddam promoveu esse retorno de maneira mais fidedigna e com um bônus: uma versão feminina da sinistra criatura. Cinquenta anos depois do lançamento de A Noiva de Frankenstein, o diretor retomou a premissa de uma criação para ser a companheira do tal monstro em A Prometida, mas injetou uma veia mais dramática ao enredo deixando a violência inerente ao terror de lado, porém, não se esquecendo de criar uma interessante atmosfera que lança o espectador para dentro de uma trama que transpira mistério e ao mesmo tempo nos passa a ideia de ser uma agradável aventura épica. Um produto desinteressante para a atualidade que exige que uma fita de terror transborde sangue, uma ação seja dotada de altas cargas de adrenalina ou um romance seja meloso e adocicado a níveis extremos? Está na hora de rever seus conceitos, principalmente se você se intitula um cinéfilo de carteirinha, mas só aceita produções novas e dotadas efeitos especiais de ponta. Com referências óbvias ao romance da escritora Mary Shelley que leva a alcunha do famoso monstro, o roteiro de Lloyd Fonvielle tem como ponto de partida a inquietação do Barão Von Frankenstein (Sting) que estaria insatisfeito com o resultado de sua última criação que foi batizada com seu próprio nome. Ele então resolveu trabalhar na concepção de uma criatura semelhante ao monstro, porém, o resultado final extrapolou suas expectativas e assim que viu Eva (Jennifer Beals), a primeira representante feminina da espécie, o cientista se apaixonou provocando assim a ira do grandalhão Frankenstein (Clancy Brown) que também percebeu a repulsa de sua pretendente. Em um momento de ira ele acaba colocando fogo na torre que era usada como laboratório e foge. A partir de então as duas criações do Barão tomam rumos diferentes.

Eva, embora no aspecto físico aparente ser uma moça comum, por dentro ela é como um animal irracional e precisa ser domesticada e essa é a tarefa da Sra. Baumann (Geraldine Page), sua fiel governanta, que com muita paciência tenta ensiná-la passo a passo como se tornar uma dama da aristocracia. Seu criador estava certo que poderia então tomá-la como sua companheira, mas se surpreende ao perceber que ela demonstra ter pensamentos e até desejos sexuais próprios de modo a evitar as investidas do barão. Enquanto isso, a criatura original está vagando sem rumo pelas redondezas até que conhece o bondoso Rinaldo (David Rappaport), um anão que deseja ir para Budapeste na expectativa de trabalhar em um circo e parece não se importar com o aspecto ameaçador de seu novo amigo e compreender o seu comportamento arredio, afinal ele próprio sente o preconceito na pele devido ao seu físico diminuto. Mesmo vivendo uma vida própria também se apresentando como atração circense, Viktor, como o monstro se denomina nesta fase, não consegue se esquecer de suas origens e após sofrer uma grande decepção no trabalho, que o afeta também emocionalmente, decide voltar ao castelo de seu criador e reclamar o direito de posse de sua noiva. O problema é que a esta altura do campeonato a jovem já está envolvida em um complicado triângulo amoroso envolvendo Josef Schoden (Cary Elwes), um pretendente com muita classe, mas inexperiente e ingênuo, e o próprio barão que desenvolve um fascínio doentio por sua invenção. Sinceramente, se existe alguma coisa que amedronte neste enredo para justificar sua classificação como suspense tal proposta ficou perdida no tempo. Romance ou drama rotulam muito melhor a premissa, ainda que um dos protagonistas seja um ser com aspecto ameaçador, porém, de bom coração e dotado de certa capacidade emocional e racional. A introdução pode parecer um pouco confusa e a mocinha e seus dilemas não despertarem muito a atenção, porém, os conflitos de Viktor e sua amizade com Rinaldo são os pontos altos da trama, principalmente quando percebemos como ambos são tratados no circo, vistos como aberrações que mereciam ser exploradas, um vício social propagado até hoje contra os “diferentes”. Ainda bem que a ingenuidade do personagem grandalhão tem como contraponto a esperteza do baixinho velho de guerra que já está escaldado e sabe como o mundo funciona, ajudando assim seu amigo a encontrar suas características positivas e a encontrar um rumo na vida.

O romance original no qual esta produção se baseia já sofreu centenas de adaptações ao longo doas anos para os mais diversos tipos de mídias e até hoje inspiram produções cinematográficas que podem transitar nos mais variados gêneros já que o personagem carrega consigo um leque de opções a serem trabalhadas. Seu aspecto feio e seu latente instinto animal servem para sustentar um conto de horror ou até mesmo uma comédia apostando no viés escrachado no melhor estilo peixe fora d’água. Sim já tivemos versões de Frankenstein que poderiam estrangular qualquer um que passasse em seu caminho como também versões do monstro se adaptando ao cotidiano dos adolescentes frequentando inclusive o ambiente escolar por exemplo. A essência do personagem também permite um passeio pelo campo dramático explorando seus conflitos tanto em termos de convívio social como também seus problemas para ele próprio se aceitar como um ser diferente, mas que também pode ter suas qualidades. Da concepção original, uma criatura com sentimentos complexos e plenamente articulada, até a sua imagem mais conhecida como um ser violento, irracional e com um comportamento físico bastante característico, digamos que Roddam conseguiu reunir em seu protagonista diversas referências que o mesmo recebeu com o passar dos anos ao sabor dos acontecimentos propostos para cada nova adaptação de seu conto. A Prometida não é definitivamente um suspense que atenda as expectativas para quem deseja ver violência e sangue, mas para os amantes de cinema e saudosistas é um prato cheio. Até mesmo para quem tem o pé atrás com produtos do gênero, vale uma tentativa de variar o cardápio. Com um visual clássico e gótico caprichado graças a uma eficiente cenografia e fotografia, uma mescla interessante de emoções diversificadas e aquele saborzinho especial difícil de descrever, mas que só os filmes de antigamente carregam, este trabalho tinha tudo para ser uma obra característica dos anos 80, mas infelizmente foi suplantado pela ação rápida e implacável do tempo, assim como as carreiras de seus protagonistas. A quem interessar, o DVD foi lançado no Brasil há alguns anos e boas lojas do ramo e locadoras devem o ter no acervo. Lembre-se, manifestando o desejo de ver produções antigas é que incentivamos as distribuidoras a dar valor ao passado cinematográfico e a disponibilizá-las no mercado com qualidade e legalmente.

Suspense - 119 min - 1985 

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