NOTA 5,5 Apesar do título, longa tem um bom argumento e narrativa crítica até certo ponto, mas na reta final entrega-se aos clichês |
Um título deveria teoricamente
deixar claro qual a proposta de um filme, mas existem casos em que ele pode
expressar mais de uma ideia, podendo colaborar ou atrapalhar a venda de um
produto. Um bom exemplo é Escola de Idiotas que logo de cara
deve passar a impressão de ser uma comédia típica para adolescentes, ou seja,
recheada de baixarias, palavrões e escatologia, conceito reforçado quando
tomamos conhecimento do elenco com um enganoso destaque para o nome de Ben
Stiller que faz uma rápida participação no longa. Bem, quem espera realmente
uma diversão que aposte em trash comedy (o que há de pior em termos de humor),
deve se decepcionar, mas para quem não espera muito desta produção pode se
surpreender levemente ao perceber que por trás do verniz de bobagens gratuitas
existe uma mensagem bacana a ser levada ao público, interessando principalmente
àqueles que se sentem um zero à esquerda. A sequência inicial é exagerada, mas
certamente fisga a atenção dos espectadores, pois acerta em um ponto-chave:
quem nunca se sentiu um completo idiota ao menos uma vez na vida? O problema é
que para o jovem Roger (Jon Heder) tal sensação é contínua e já dura muitos
anos. Ansioso e com baixa autoestima, ele não só é um fracassado na vida
pessoal, morrendo de medo de dar um primeiro passo para começar um
relacionamento amoroso com a vizinha Amanda (Jacinda Barrett), como também não
se dá bem no campo profissional, chegando a perder até seu uniforme de guarda
de trânsito para uma dupla de criminosos gaiatos. Sua chance de mudar de vida
pode ser um curso diferente de tudo o que ele já ouviu falar. Ele e uma penca
de outros fracassados numa tentativa desesperada se submetem aos ensinamentos
nada didáticos do grosseirão e sarcástico Dr. P (Billy Bob Thornton) que
promete transformá-los em verdadeiros vencedores, porém, ele é um tremendo
picareta que na verdade provoca seus alunos até a última gota de paciência.
Contudo, esse tratamento de choque ministrado com a ajuda do fiel ajudante do
professor, o grandalhão Lesher (Michael Clarke Duncan), tem fundamentos e o
objetivo de mostrar que uma pessoa só pode ser feliz se sair do lugar e lutar
pelo que deseja, mas é óbvio que nem todos se saem bem no curso. Um detalhe é
que somente homens existem matriculados, talvez uma constatação da máxima que
diz que as mulheres são o sexo forte.
Apesar de todas as dificuldades,
Roger surpreende com o seu desempenho no curso despertando a atenção do Dr. P
que por sua vez ao invés de continuar ajudando o rapaz, passa a atrapalhá-lo. Sim,
o cara durão de uma hora para a outra torna-se rival do próprio aluno. Quando
se sente mais seguro para se aproximar de Amanda, Roger descobre que seu mentor
também parece interessado na moça, mas não desiste e resolve brigar pelo seu
amor. Ele deixa de lado os bilhetinhos com as regras machistas de como
conquistar uma mulher que recebeu do professor e parte para o ataque culminando
numa previsível, mas divertida sequência em que os rivais formam dupla em um
jogo de tênis, mas cada um joga por si visando chamar a atenção de Amanda nesse
duelo onde a timidez e a juventude de um rivalizava com a lábia e a experiência
de vida do outro. Vendo por esse lado, pode-se dizer que este trabalho é uma
paródia das comédias românticas tradicionais, mas é errado resumi-lo a este
rótulo. Criticar a sociedade é o foco do roteiro de Todd Phillips (também
diretor) e Scot Armstrong, dupla de autores de Starsky e Hutch e Dias
Incríveis. Faz parte da cultura americana, e como tudo que vem de lá pega
em qualquer parte do mundo, a exclusão natural daqueles que são chamados de
losers, em bom português os perdedores, pessoas cujo valor é medido, por
exemplo, pelo aspecto físico pouco chamativo ou fora dos padrões de beleza,
estilo e personalidade acanhados ou talento para se meter em confusões ou ser
influenciado. Pelo fato do protagonista ser um reflexo estereotipado dos
excluídos da sociedade ideal, sem mencionar a palavra bullying, na época ainda um
termo pouco popular, o longa consegue a simpatia de boa parte do público que deve
se entusiasmar com os primeiros quarenta minutos de projeção, mas não se deixa
cegar e percebe que daí para frente a trama recorre a muitos clichês e a ironia
cai em desuso. Eis que surge Stiller para tentar acordar a audiência, mas sua
participação rápida só não é totalmente desprezível porque o destino de seu
personagem, também submetido as aulas do Dr. P,
ajuda nos momentos finais. Aliás, a conclusão é o calcanhar de Aquiles
da produção. Além de tentar fazer um mistério a respeito do real caráter do personagem
de Thornton, aqueles velhos clichês de comédias a la sessão da tarde estão
presentes. Muito corre-corre, explicações em off sobre o destino dos
companheiros de sala de aula de Roger e final feliz para ele ao lado de sua
amada (alguém duvidava?), com direito ao manjado truque do restam poucos
minutos para o avião partir, é agora ou nunca.
Inspirado em uma comédia
britânica da década de 1960 inédita no Brasil, há quem enxergue nesta produção
que por trás da mensagem de que todos podem vencer na vida há também um lado
maledicente na trama, ou melhor, na forma como Phillips conduz sua câmera e até
mesmo na escolha do protagonista. Heder, na época bombando nas bilheterias
americanas com Escorregando Para a Glória
(ok, Will Ferrell era o chamariz da fita, mas o jovem estava lá dividindo os
créditos principais), sem dúvidas é um bom comediante e o tipo perfeito para
viver o tal personagem loser. Ele não tem beleza física, tampouco porte
atlético, mas seu rosto cede toda a ingenuidade e carisma necessários para
crermos que Roger é real e nos envolvermos com seu drama de sentir raiva de si
mesmo por permitir que os outros o humilhem ou se aproveitem dele,
principalmente aqueles que logo num primeiro momento se apresentam com certa
altivez, atrevimento ou falta de educação. Seu conflito interno infelizmente é
uma realidade de muitas pessoas e certamente tem raízes em sua infância, aquele
típico caso da criança que se sente um peixe fora d’água na escola e logo vira
alvo de chacota dos outros, sendo solicitada somente quando precisam de ajuda
para alguma tarefa e o diminuído, por sua vez, aceita fazer qualquer negócio
para evitar encrencas ou ingenuamente por acreditar que dessa forma estaria
sendo aceito no grupo. Tal situação é equivalente a já citada cena do roubo do
uniforme que abre esta comédia. Ironicamente, Roger tem uma profissão que na
teoria deveria impor respeito e embora ele tente fazer seu serviço dignamente
acaba se sentindo acuado e entrega suas roupas para evitar brigas. A
fragilidade do rapaz, usada para efeitos de humor, todavia, colabora para que o
espectador que se identifica com seus problemas vibre de emoção no momento em
que ele passa a enfrentar seus medos. Justificada a escolha do ator, voltamos
ao problema da condução do filme por parte de Phillips que adota o estilo da
comédia do constrangimento, algo em alta na Hollywood da década de 2000.
Podemos dizer que Escola de Idiotas se enquadra no subgênero das comédias para
público masculino de meia-idade que já rendeu produtos como O Virgem de 40 Anos, Se Beber Não Case,
Passe Livre e tantos outros que trabalham com a ambiguidade: ao mesmo tempo
que suas narrativas levam mensagens positivas para aqueles que estão estagnados
por acreditarem que não há mais tempo para mudar os rumos de suas vidas, em
termos visuais seus trabalhos de câmera tratam de ridicularizar seus
personagens captando com riqueza de detalhes situações constrangedoras vividas
por eles e até mesmo destacando os pontos fracos de seus físicos e
personalidades, não é a toa que os amigos “babacas” de Roger são
estereotipados. De qualquer maneira, esta comédia não é o lixo que seu título
vende, ainda que ele também sirva para destacar a ideia principal da obra. Seja
como puro divertimento ou para conferir a mensagem beneficente implícita, vale
uma conferida.
Comédia - 107 min - 2006
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